O físico brasileiro Cláudio Mazzali, de 29 anos, trabalhava no laboratório da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) — em um projeto conjunto com o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (CPqD) que estudava os efeitos limitantes em comunicações ópticas de alta capacidade — quando recebeu um telefonema da companhia norte-americana Corning Incorporation, que procurava um profissional com seu perfil.
Isto é, com formação específica em comunicações ópticas, principalmente em efeitos não lineares, sistema que ele domina e foi tema de sua tese de doutorado. Convite aceito, ele agora ocupa o cargo de especialista em comunicações ópticas, chefiando a divisão da para a América Latina.
Seu conhecimento interessava à Corning pois em fevereiro do ano passado a empresa lançou uma nova fibra óptica chamada LEAF (Large Effective Área Fiber) que foi desenvolvida justamente para minimizar os efeitos não lineares de propagação, amplamente estudados por Mazzali e "que são os atuais efeitos limitantes nos sistemas de altíssima capacidade".
Assim como Mazzali, os físicos brasileiros com disposição para morar no exterior descobriram uma nova rota: o de atuar como funcionários de grandes companhias americanas. Assim, fogem do destino mais comum aos físicos, de confinar-se em instituições acadêmicas, uma distorção causada pelos poucos recursos que as companhias instaladas no País aplicam em pesquisas.
Ex-alunos dos cursos de doutorado e pós-doutorado do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp, que concentraram suas pesquisas nos materiais fotônicos — utilizados no campo das fibras ópticas — encontraram empregos nos primeiros escalões de gigantes norte-americanas do setor de fibras ópticas, como a Corning e a Corvis Corporation, e nem cogitam a possibilidade de voltar ao Brasil.
Responsável pela atuação na América Latina, Mazzali divide seu tempo entre o Brasil (onde é a base da Coming para a região) e os Estados Unidos, além de visitar constantemente a Argentina, Chile e Uruguai. Paralelamente, está envolvido em uma pesquisa da empresa para o desenvolvimento de novas gerações de fibras e sistemas de comunicações ópticas. "Um assunto muito excitante, principalmente pela conexão muito estreita entre física básica e aplicações imediatas", comenta Mazzali.
Outro físico da Unicamp que trabalha na Corning é Sérgio Tsuda. Como pesquisador sênior no Centro de Pesquisas e Testes em Fotônica, em New Jersey, no estado de Nova York, ele responde pela pesquisa e testes sistêmicos do desempenho de fibras ópticas desenvolvidas pela empresa.
De maio de 1991 a fevereiro de 1994, Tsuda cursou seu doutorado no laboratório de fenômenos ultra-rápidos do Instituto de Física da Unicamp — àquela época não existia o núcleo de excelência em fotônica e telecomunicações — e sua tese foi sobre propriedades ópticas não lineares de vidros dopados com semicondutor e pontos quânticos, investigados através de espectroscopia. De 1994 a 1996, fez seu trabalho de pós-doutoramento no Bell Laboratories em Holmdel, também na cidade de New Jersey.
Ao retornar para o Brasil, recebeu vários convites para trabalhar nos EUA e Canadá, até que resolveu aceitar a oferta, feita no ano passado, pela Corning Inc. A idéia de voltar ao Brasil não passa pela sua cabeça. "Um dos principais motivos é que as oportunidades de crescimento profissional são bem maiores nos Estados Unidos que no Brasil", afirma. Ele diz que no setor de pesquisa industrial americano as suas qualificações e conhecimentos são apreciados e valorizados.
Bem diferente da situação no País. "Foram inúmeras as vezes em que fui classificado como super-qualificado para as oportunidades disponíveis e, em outros casos, a remuneração oferecida era extremamente baixa", conta. Na Corning, Tsuda recebe mais de US$ 70 mil por ano.
Há nove anos nos EUA, a física Valeria L. da Silva, de 36 anos, também é funcionária, desde fevereiro de 1995, da Corning, onde atua como gerente técnica de um grupo de pesquisa, formado por sete cientistas com doutorado em física ou engenharia elétrica e mais cinco técnicos. Ao concluir seu doutorado na área de fotônica em telecomunicações na Unicamp, em abril de 1990, Valéria foi para os EUA cursar um pós-doutorado com duração de três anos no Bellcore — laboratório de pesquisa para as companhias telefônicas americanas regionais. Em seguida trabalhou no Bell Labs como consultora por um ano e meio, até dezembro de 1994. Quando começou na Corning, Valéria trabalhava como pesquisadora mas logo passou a liderar um projeto envolvendo cinco pessoas.
Antes acostumada apenas às pesquisas acadêmicas, Valéria está satisfeita com um trabalho muito mais direcionado. "Na empresa", diz ela, "os projetos são escolhidos em função do benefício que eles trazem para a companhia e não apenas do interesse pessoal do pesquisador." O fato de trabalhar mais intensamente para atender prazos pré-estabelecidos a entusiasma. "Há uma satisfação muito grande quando se conclui um projeto e se vê que ele resultou numa invenção ou num produto que é útil e pode ser aproveitado por outras pessoas." Ela lembra que quando começou a trabalhar na Corning, sua primeira tarefa foi montar um sistema de alta capacidade de transmissão para avaliar as limitações impostas pelas fibras ópticas e que ajudaram no desenvolvimento da LEAF.
A possibilidade de voltar ao Brasil não ocupa muito seus pensamentos, diz Valéria. "Já estou aqui há bastante tempo e bem adaptada. Gosto muito do meu trabalho na Corning, dos meus amigos. Estou bem aqui e mudar para o Brasil agora seria recomeçar tudo de novo. Teria que passar pelo processo de adaptação de novo, fazer novas amizades", completa.
Quem gerencia o marketing da Corvis Corporation é uma física pernambucana, de 39 anos, Gloria Jacobovitz, cujo salário está na faixa dos cinco dígitos. Ela responde diretamente ao vice-presidente de marketing e vendas da companhia.
Da graduação, na Universidade Federal de Pernambuco, até a Corvis, Gloria teve uma agitada trajetória acadêmica e profissional. Fez mestrado e doutorado e teve uma estadia de dois anos na Universidade de Roma como bolsista. Gloria conseguiu, ainda realizar o sonho de fazer o pós-doutorado na AT&T Bell Labs, considerada a "Meca" dos físicos. Ficou dois anos como bolsista — ela brinca que era "uma tupiniquim de Recife no meio de deuses da física!" — até ser contratada pela AT&T Bell Labs, atual Lucent, onde passou nove anos, cinco dos quais como pesquisadora e quatro atuando também como gerente.
Nos últimos quatro anos, Gloria percebeu que realmente gostava mais da combinação de tecnologia e marketing do que tecnologia e pesquisa. Assim, no final do ano passado, foi convidada para trabalhar na Corvis Corporation, companhia de telecomunicações que estava apenas começando. "A proposta era irrecusável, profissional e financeiramente."
O Brasil agora só é destino de visitas. E Gloria diz sentir profunda tristeza ao constatar que não vê futuro para ela, o marido e dois filhos no País. "Meus amigos de profissão, super bem-sucedidos no exterior e que decidiram voltar ao Brasil ainda vivem de bolsas de estudo", afirma. Ela até acredita existir uma demanda por técnicos, mas acha que o espaço "é ainda limitado" para pessoas com formação como a sua.
INTEGRAÇÃO RESTRITA
No Brasil, 73% dos cientistas e engenheiros (categoria internacionalmente usada para descrever profissionais que desenvolvem atividade de Pesquisa e Desenvolvimento) trabalham para instituições de ensino superior, como docentes em regime de dedicação exclusiva ou tempo integral. Apenas 11% trabalham para empresas, o que significa um máximo de nove mil pessoas trabalhando na iniciativa privada.
Na Coréia do Sul, são quase 90 mil cientistas e engenheiros que trabalham em empresas. Quer dizer, são 90 mil cérebros pensando em como tomar a companhia mais competitiva a partir do uso da tecnologia. A comparação é citada por Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor, desde julho do ano passado, do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e responsável pelo Núcleo de Excelência em Fotônica em Telecomunicações da instituição.
As pesquisas sobre materiais fotônicos começaram em 1997, a partir de programas de núcleos de excelência do Ministério da Ciência e Tecnologia. Como resultado concreto, o centro ajudou na criação da primeira fábrica de fibras ópticas brasileira, a ABC Xtal, fundada em 1988, ao lado do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (CPqD).
Os programas de pesquisas, de acordo com Brito, formaram uma cultura que valoriza a pesquisa básica e a busca de aplicações para o que é estudado. Ele também destaca a importância da interação da universidade com a Bell Labs (laboratório de pesquisa da Lucent Technologies e maior centro de pesquisa na área de comunicações), pois vários professores do Instituto de Física da Unicamp trabalharam na Bell Labs nas décadas de 80 e 90.
Entre os resultados concretos obtidos pelo núcleo de pesquisa de matérias fotônicos, Brito destaca a fabricação e o estudo de pontos quânticos de telureto de chumbo e de telureto de cádmio. "Isso é muito importante para a engenharia e ciência de materiais, porque permite controlar as propriedades ópticas através de efeitos de física quântica existentes quando o material é muito pequeno", explica Brito.
Atualmente, o Instituto de Física Gleb Wataghin tem 95 professores — todos doutores —, 120 estudantes de doutorado e 80 de mestrado. Brito diz que em 1990 começou a consolidar-se uma interação entre universidade e empresas estrangeiras, sendo que os primeiros estudantes foram para o Bell Labs, nos Estados Unidos "e foram todos com contratos como pesquisadores". Desde 1987, cerca de 13 teses foram completadas e cinco dos doutorandos foram trabalhar no exterior.
Notícia
Gazeta Mercantil