Movimento para suceder Marcos Mendonça e descontentamento no Jornalismo agitam a emissora
O novo presidente da TV Cultura terá de ser alguém "bem jovem, que deverá levar a emissora para um perfil suprapartidário". Segundo influentes conselheiros da Fundação Padre Anchieta (gestora da TV Cultura), essas são as características que o governador José Serra teria mencionado na sua busca para suceder Marcos Mendonça, atual presidente da emissora.
"O jogo está feito", disse um diretor da emissora, que quis permanecer incógnito. "O Mendonça não fica e já foi informado disso."
Na semana passada, em entrevista ao Estado, Mendonça disse que não tinha conhecimento de movimentação de bastidores para tirá-lo da presidência, que ocupa há dois anos e meio.
Na bolsa de apostas, vários nomes já surgiram nos jornais, como os do ex-diretor da Fapesp, José Fernando Perez, e do atual presidente da Radiobrás, Eugenio Bucci.
Fontes da emissora mencionam também o economista e jornalista Gustavo Iochpe, articulista da revista Veja.
De todos, o nome mais forte é o de Bucci, que pediu demissão da Radiobrás (ainda não aceita) e teria aquele perfil suprapartidário que o governador perseguiria.
"Eu nunca fui sondado para isso. Ouvi, sim, e li na imprensa, comentários nesse sentido, que aliás me surpreenderam. O fato é que jamais recebi sondagens ou convites", disse Eugenio Bucci.
Ele foi convidado a integrar o Conselho da Fundação, e diz que isso foi aceito "com muita honra e muito entusiasmo".
Bucci também é vice-presidente da Abepec (Associação das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais).
Segundo ele, a missão de uma emissora pública no país é oferecer à sociedade informação de interesse público e promover o aprimoramento educativo e cultural do telespectador.
Ele vê as emissoras públicas no país em momento de rara sintonia.
"Nosso desafio agora é nos separarmos do entretenimento barato, fácil, de modo que o telespectador perceba mais claramente e valorize na prática a existência da TV pública na nossa democracia. Parece simples, quando dito desse modo, mas é um desafio imenso."
O Sindicato dos Radialistas questionou, na sexta-feira, o teor da entrevista de Mendonça a "O Estado de SP".
O sindicato lamentou que o jornal não tenha abordado "pendência trabalhista que se arrasta há quase 4 anos, submetendo os salários de todos os funcionários a um achatamento terrível e ilegal".
De acordo com o sindicato, a emissora até hoje não pagou os reajustes salariais determinados pelas Convenções Coletivas dos Radialistas dos anos de 2003 e 2004 (assim como a da categoria dos jornalistas, de 2003), "apesar das sucessivas decisões judiciais a favor dos trabalhadores, além de milhares de horas extras realizadas e outros direitos trabalhistas que estão sendo cobrados na Justiça".
O sindicato também criticou as contratações de funcionários como pessoas jurídicas, que considera ilegais e inevitavelmente, em sua avaliação, vão provocar reclamações trabalhistas futuras.
Mendonça abordou o tema e defende o que considera méritos de sua gestão, como "não arrochar os salários".
Em suas contas, houve no período cerca de cem demissões na emissora, e a maioria era de músicos ligados à Orquestra da Rádio Cultura, cuja ação 'não correspondia à atividade-fim da TV; muito pelo contrário, apresentava-se no Sesc'.
"Quando entrei aqui, a TV Cultura estava numa questão de ordem legal, uma questão de responsabilidade fiscal: não havia dado o dissídio de 2003. É um questionamento que ainda existe hoje, está em juízo, e que o sindicato reclama permanentemente, mas é algo que não tenho poder de agir, está no Judiciário e é uma posição de governo, da procuradoria do Estado."
O presidente da fundação argumentou que, em 2004, o dissídio foi concedido com base no índice autorizado pelo governo, que era o da Fipe. "Nós demos a antecipação salarial desse índice. Não atingiu o total do dissídio porque tivemos a limitação da Fipe."
Mendonça confirmou que pretende fazer mudanças profundas no setor de jornalismo. Argumenta que as alterações são rotineiras.
"Num determinado momento, a TV Cultura fez uma opção de colocar um jornal às 7 e outro ao meio-dia. Como faz sempre, todo ano. E depois examina, reavalia. Vamos inclusive reforçar o Jornal das 10, aumentando os comentaristas."
Fontes da TV Cultura, no entanto, dizem que as mudanças são uma forma de Mendonça tentar garantir sobrevida.
O governador Serra teria ficado terrivelmente contrariado ao ver seu nome associado à Máfia dos Sanguessugas pelos telejornais locais, à época da campanha, e reclamado muito.
Avaliação do setor de Jornalismo, à qual a reportagem teve acesso exclusivo, prevê que as mudanças que o presidente fará no setor pode acarretar a demissão de 60 dos 140 profissionais do departamento.
O que tem gerado descontentamento e um princípio de sublevação no quadro de jornalistas da instituição.
"Ainda sou presidente da Radiobrás' diz Eugenio Bucci
Cogitado para assumir a TV Cultura, o jornalista Eugenio Bucci falou a "O Estado de SP":
- Você acha que seria um bom desafio dirigir a TV Cultura?
- Claro que é. Fascinante. Mas, repito: de minha parte, jamais pensei nisso. Nem mesmo agora, quando sou convidado a responder a essa pergunta. Ainda sou presidente da Radiobrás, embora já seja público que ofereci meu cargo, isso em 31 de outubro, dois dias após a eleição do presidente Lula para o seu segundo mandato. Entreguei o cargo porque creio que meu compromisso com o presidente já está cumprido. De todo modo, ainda sou presidente da Radiobrás e, nessa condição e nesse cargo, ao qual dedico todas as minhas energias profissionais, não deixo espaço para considerar qualquer novo posto, nem como hipótese.
- Você foi eleito conselheiro. O conselho da TV Cultura tem atuado de fato com independência, a seu ver?
- Creio que, quando comparada às suas instituições irmãs, a Fundação Padre Anchieta tem um bom grau de independência. A simples escolha do meu nome, que não tem nenhuma vinculação com o Governo do Estado e muito menos com o partido que venceu as eleições no Estado de SP, é demonstração dessa independência.
- Por que, a cada novo governo, cogita-se mudança na direção?
Não sei o porquê. Uma hipótese para explicar essa constatação que você faz, se verdadeira, pode ser a seguinte: existiriam canais de pressão do governo sobre o Conselho. Isso precisa ser devidamente checado. Não tenho uma conclusão a respeito.
(O Estado de SP, 20/3)