Em dezembro de 2016, após a aprovação pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo - Alesp, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) sancionou uma emenda constitucional ao orçamento a ser destinado à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - Fapesp. De acordo com essa emenda, a Fapesp receberá cerca de R$ 120 milhões a menos, em 2017. Ao invés de repassar 1% de toda a arrecadação do Estado à Fundação, uma garantia prevista no artigo 271 da Constituição Estadual desde 1989, quando a porcentagem subiu de 0,5% para 1%, o governo paulista repassará 0,89%, que equivale a R$ 996 milhões. O projeto de lei orçamentária, enviado à Alesp pelo Poder Executivo, previa um repasse de R$ 1,116 bilhão.
Com sua fundação formalizada em outubro de 1960, a Fapesp é certamente uma das mais prestigiadas agências de fomento do país. Desde essa década, os governadores do Estado sempre cumpriram o repasse estipulado à Fapesp, mesmo em épocas difíceis que o país enfrentou, como a ditadura e as crises econômicas, dando liberdade e estabilidade econômica para que a agência oferecesse o aporte financeiro necessário à pesquisa, ao intercâmbio e à divulgação da ciência e da tecnologia no estado de São Paulo.
Segundo o argumento que sustenta a modificação aprovada em 2016, os R$ 120 milhões serão investidos na infraestrutura de institutos de pesquisa, mantidos pelo Estado de São Paulo. Contudo, para o docente e pesquisador do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP), Prof. Dr. Osvaldo Novais de Oliveira Junior, o precedente que se abre com essa emenda orçamentária é grave, pois traz insegurança à comunidade científica, haja vista que este primeiro corte poderá ser seguido de novas modificações que diminuam ainda mais a verba orçamentária da Fundação que, apenas em 2016, com o repasse de 1%, pôde investir cerca de R$ 1 bilhão no desenvolvimento de ciência e tecnologia no Estado. "Esse medo advém da constatação de que o corte em 2017 é o primeiro da história da Fapesp. Nunca um governo do Estado de São Paulo deixou de repassar o percentual previsto em lei", enfatiza o docente.
EFEITOS NEGATIVOS NO LONGO E CURTO PRAZOS
Na opinião de Novais, a atitude do governo do Estado de São Paulo poderá inviabilizar algumas das principais políticas de financiamento de longo prazo da Fundação, como a oferta de bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado, cuja validade varia entre dois e cinco anos. Ainda mais crítica é a situação do financiamento dos projetos temáticos, com validade de cinco anos, e dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid's), que recebem recurso por até onze anos.
Segundo o docente, a estabilidade orçamentária da Fundação tem permitido ao Estado de São Paulo estar no topo da pesquisa científica no Brasil. São Paulo abriga pouco mais de 20% da população brasileira, e é responsável por metade da produção científica do Brasil, abarcando a indústria mais pujante e o sistema de saúde mais avançado do país. "Nós só temos excelência em alguns hospitais de São Paulo, por exemplo, porque nele há formação de pessoal, pesquisa e inovação, realizados com recursos da Fapesp, com bolsas da Fapesp. Então, é seríssimo que deixemos de ter estabilidade dos recursos repassados para a agência", afirma Novais.
Ele prevê também que o corte causará efeitos negativos no curto prazo, uma vez que o valor de R$ 120 milhões é até maior do que a queda de arrecadação do estado devido à recessão em 2015 e 2016. "Isso quer dizer que a arrecadação da Fundação já sofreu uma queda, que está sendo absorvida pela agência. Portanto, com um corte adicional de mais de 10% de uma única vez, programas e projetos poderão ser inviabilizados".
O impacto do corte da Fapesp será sentido imediatamente nos grandes centros produtores de ciência e tecnologia do Estado, como São Carlos. Em 2016, as universidades USP e Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), as unidades da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no município e as empresas de base tecnológica, receberam cerca de R$ 84 milhões de investimento da Fapesp. Por esta razão, o Prof. Osvaldo prevê efeitos negativos para a economia de São Carlos: "Os reflexos para a economia local serão sentidos já neste ano de 2017. Além da diminuição direta de cerca de 10% com os cortes, há os efeitos indiretos, pois os recursos da Fapesp catalisam outras ações que movimentam a economia são-carlense", destaca ele.
Diariamente, pode-se escutar pessoas conversando em diferentes idiomas dentro ou fora dos campi universitários da cidade. Geralmente, esses indivíduos são professores, pesquisadores ou empresários estrangeiros, interessados nos projetos e ações de ciência, tecnologia e inovação - muitas vezes financiados pela Fapesp.
Se os recursos da Fapesp se tornarem instáveis, o sistema de ciência, tecnologia e inovação, do Estado poderá se tornar fluido; sem garantia de que programas poderão ser honrados; sem perspectiva de planejamento de longo prazo. A falta de confiança por essa insegurança com relação ao financiamento pode ser semelhante à que ocorreu com a economia brasileira: por falta de confiança de investidores, empresários e consumidores, a atividade econômica caiu bruscamente, ocasionando as nefastas consequências da recessão, principalmente o desemprego.
"Para a ciência, tecnologia e inovação, o cenário não será diferente, porque estas áreas demandam programas de longo prazo, realizados com muito planejamento, do mesmo modo que a Fapesp tem feito há mais de cinco décadas, mas que agora corre o risco de ser comprometido ou até destruído".