O uso de bicicleta como meio de transporte na cidade de São Paulo tinha prevalência por volta de 5% em 2015, quando um levantamento com 1.500 pessoas foi conduzido por pesquisadores da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP). Cinco anos depois, a despeito do aumento de 67,7% dos quilômetros de ciclovias e ciclofaixas na capital, a prevalência de ciclistas nessa amostra não sofreu grandes alterações.
Os dados foram divulgados em janeiro na revista científica Preventive Medicine Reports. No artigo, os autores sugerem que, além do investimento em infraestrutura viária, é preciso implementar políticas públicas voltadas a um público que ainda faz pouco uso desse modal: as mulheres.
“Garantir espaço para os ciclistas é só a primeira parte do processo. Os dados mostram que também são necessárias políticas públicas que incentivem o uso de bicicletas. No caso de São Paulo, as políticas precisam ser, sobretudo, voltadas para mulheres, de meia-idade, que moram nas periferias – o perfil que segue sem ter acesso à bicicleta”, afirma Alex Florindo, professor da EACH-USP.
Com apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), o grupo coordenado por Florindo comparou o uso da bicicleta na cidade em dois períodos: entre os anos de 2014 e 2015 e, depois, entre 2020 e 2021. A partir de uma amostra de quase 1.500 pessoas, os pesquisadores identificaram um perfil muito característico daqueles que usam a bicicleta como meio de transporte: na maioria são homens, mais jovens, mantêm um estilo de vida ativo – fazem atividade física como um hábito de lazer – e possuem bicicleta própria.
“Com esse estudo longitudinal, confirmamos que, além de ser um modal pouco utilizado, homens têm mais chance do que as mulheres de usar bicicleta na cidade de São Paulo. Entre os poucos que declararam usá-la como meio de transporte na nossa pesquisa, apenas 13% eram do sexo feminino”, afirma Margarethe Thaisi Garro Knebel, doutoranda da USP e primeira autora do artigo.
“Vale destacar que um conjunto de estudos realizados em todo o mundo mostra a importância de políticas públicas que valorizem o uso da bicicleta. Isso porque a prática favorece a saúde pública, a igualdade de gênero, o acesso a serviços e cria empregos. Fora o fato de ser um modo de deslocamento energeticamente eficiente e fundamental para descarbonizar o ar”, completa.
O artigo recentemente publicado é fruto do projeto de doutorado de Knebel, que investigou os fatores (individuais, sociais, demográficos e ambientais) determinantes para o uso de bicicletas como meio de transporte em São Paulo. Os pesquisadores estão agora finalizando a terceira etapa da coleta de dados, com informações sobre os anos de 2023 e 2024.
E o lazer?
Em outro estudo publicado na revista Estudos Avançados da USP, o grupo coordenado por Florindo analisou, com base na mesma coorte, como o fato de residir nas proximidades de ciclovias contribui para a prática de atividades físicas no lazer. Os autores também discutem quanto essas práticas podem prevenir doenças graves como a hipertensão arterial e o impacto para a saúde de ter espaços disponíveis no entorno.
Vale destacar que a hipertensão arterial é um dos tipos de doenças cardiovasculares mais prevalentes no Brasil. Segundo dados do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), o problema atinge 26,3% da população com 18 anos ou mais que vive nas capitais brasileiras e no Distrito Federal.
A partir de entrevistas e de dados de georreferenciamento, os pesquisadores constataram que morar a até um quilometro de distância de ciclovias incentiva a mudança de hábitos para a prática de atividades físicas no lazer.
“O ambiente nas cidades tem forte influência na saúde e no comportamento das pessoas. Ressaltamos que, em cidades como São Paulo, as ciclovias não são utilizadas somente para o uso da bicicleta como transporte, mas também para práticas de exercícios físicos como caminhadas, corridas e o próprio uso da bicicleta como lazer”, destaca Florindo à Agência FAPESP.
O estudo aponta aumento tanto na hipertensão (de 26,2% para 35,6%) quanto na prática de atividade física no lazer (de 36,4% para 47,6%) entre os anos de 2014/2015 e 2020/2021. “Outra constatação é que, embora as ciclovias sejam importantes para as práticas de atividade física no lazer, a maioria dessas estruturas ainda está nas regiões centrais da cidade de São Paulo”, afirma o pesquisador.
“No entanto, todo esse cenário que apresentamos no estudo levou mais uma vez à desigualdade. Mulheres e pessoas menos escolarizadas são os que menos têm acesso às práticas de atividades físicas no lazer e maior prevalência de hipertensão. Isso reforça a ideia de ampliar o acesso a espaços públicos como ciclovias nas periferias, onde vivem pessoas de menor nível socioeconômico. As políticas públicas de promoção desses domínios das atividades físicas precisam ser focadas nesses aspectos”, ressalta.