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Falta de verba provoca crise na ciência

Publicado em 28 julho 2002

Por LUIS FERNANDO ASSUNÇÃO
Florianópolis - A ausência de investimentos por parte do governo gerou uma crise na área de ciência e tecnologia. Interrupção de projetos de pesquisas, evasão de técnicos para outras regiões do Brasil e exterior e venda de patentes de Santa Catarina são os principais sintomas da falta de dinheiro no setor. Recentemente, duas descobertas realizadas por pesquisadores catarinenses foram barradas pela falta de recursos e os resultados dessas pesquisas têm destino quase certo: laboratórios farmacêuticos do exterior. Segundo pesquisadores, no ano passado, o governo do Estado investiu um décimo dos recursos determinados pela constituição estadual, que no total é 2% do orçamento. Há evasão de pesquisadores e pesquisas. A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) é a maior exportadora de jovens talentos, de projetos e até de patentes do Estado. Nos últimos seis anos, a universidade registrou nove patentes, na área de medicamentos. Na maioria delas, há convênio de cooperação com a Fundação de Ciência e Tecnologia de São Paulo. Isso significa dizer que o resultado final dessas pesquisas serão exploradores por laboratórios de fora. "Normalmente quem financia essas nossas pesquisas são órgão federais. A participação do governo do Estado é praticamente zero", criticou João Batista Calixto, professor titular de farmacologia da UFSC e membro da Academia Brasileira de Ciência. Calixto sente no próprio trabalho a falta de incentivo governamental. Entre outras pesquisas, sua equipe descobriu que a planta casca-de-anta (Drimys brasiliensis), é eficaz no tratamento da dor, como analgésico. Foi formulado um novo composto, o drimanial, que absorveu recursos e seis anos de trabalho na universidade. Apesar de a patente pertencer à UFSC, é bem provável que o desenvolvimento do medicamento fique a cargo de fundações de outros Estados ou até de laboratórios multinacionais. "Se Santa Catarina tivesse uma cultura de investimento na pesquisa, esse medicamento poderia ser feito no próprio Estado, gerando empregos e divisas", explicou Calixto. O professor do Departamento de Ciências da Saúde da Universidade do Vale do Itajai (Univali) Rivaldo Niero, também precisou recorrer à recursos federais para desenvolver seus estudos. O pesquisador comprovou cientificamente o poder curativo de três plantas nativas, a rosa-do-campo (Mandevilla illustris), o sarandi negro (Sebastiania schottiana) e a amora branca (Rubus imperialis). As plantas atuam como antiinflamatórios, auxiliam na eliminação de cálculos renais e combatem a diabetes. O estudo levou quatro anos e custou cerca de R$50 mil, com recursos provenientes da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Programa Institucional de Capacitação Docente e Técnica (PICDT). O destino dos resultados deve ser um laboratório da Alemanha, que já demonstrou interesse na pesquisa. PENÚRIA EM TODO O PAÍS A situação de penúria da ciência e tecnologia atinge o Brasil inteiro. Os cortes do orçamento efetuado pelo governo federal atingiram em cheio o setor. Neste ano, houve uma redução de 31% dos recursos para o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), ameaçando pesquisas, empregos e colocando em dificuldades fundações e instituições. A concessão de novas bolsas de estudo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) está suspensa. Do montante inicial, aprovado e fixado em R$ 2,6 bilhões, escoaram R$ 810 milhões. Os cortes foram profundos: as entidades de pesquisas tiveram que evitar gastos em luz e telefone e veto a ligações a celulares, por exemplo. No CNPq, principal órgão de fomento à pesquisa no País, a situação é crítica. A falta de dinheiro praticamente engessou as atividades da instituição, gerando um efeito cascata em todas as rede de ensino e pesquisa no Brasil. Com o protesto de pesquisadores, o governo acena com a liberação de recursos a conta-gotas, o que não ameniza a situação. Muitas instituições, como o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, com sede no Rio de Janeiro, não estão conseguindo honrar compromissos e ameaçam com demissões. O receio dos pesquisadores é de que o Brasil perca terreno principalmente em pesquisas de ponta, onde é grande a competitividade e rivalidade internacional. (LFA) CRÍTICA À PEQUENA PARTICIPAÇÃO A principal reclamação dos pesquisadores é que o governo de Santa Catarina, através da Fundação de Ciência e Tecnologia (Funcitec), não age como participante do processo de elaboração da pesquisa, mapeamento de possíveis laboratórios, além de não investir com recursos financeiros em ciência e tecnologia. "Em São Paulo, a Fapesp (fundação de ciência e tecnologia do governo) aplica recursos nas pesquisas para também se beneficiar com os resultados. Por aqui a única saída é a venda da idéia para fora", completou o professor Calixto, que cita o setor de biotecnologia como um dos exemplos do desamparo pela falta de investimento. "Em São Paulo laboratórios como o Ache, Biosintética e Eurofarma trabalham em conjunto com o governo". CRESCIMENTO "É claro que o investimento não é o ideal. Mas há um crescimento gradativo dos recursos para a ciência e tecnologia no Estado", defendeu o diretor-geral da Funcitec, Paulo de Tarso Mendes Luna. Segundo ele, o governo estadual investiu R$ 7 milhões no ano passado e a projeção para 2002 é que esse número atinja R$ 15 milhões. "A ciência e tecnologia são essenciais para a qualidade de vida do cidadão. Sabemos disso, mas estamos só começando. Há ainda muitos desafios", completou. Luna lembrou que o atual governo encontrou a Funcitec desestruturada e sem capacidade de investimentos. "Agora, com a casa em ordem, os recursos vão aparecer", garantiu, citando a rede de ciência e tecnologia com um dos projetos realizados, onde 300 mil pessoas têm acessam à internet com a conta paga pela fundação. SITUAÇÃO DIFERENTE O desenvolvimento de pesquisas de tecnologia de ponta ainda é um dos setores da ciência e tecnologia que conseguem ter uma situação diferente. Com uma série de projetos aprovados pelo Fundo Nacional de Incentivo à Pesquisa (Finep), o Centro Tecnológico (CT) da UFSC está conseguindo captar recursos para seus projetos. "A nossa situação é diferente. Há recursos disponíveis", admitiu o diretor do CT, Ariovaldo Bolzan. O CT desenvolve pesquisa cooperativas com empresas e fundos setoriais temáticos, como o de petróleo e água, por exemplo, São pesquisas direcionadas para setores específicos, com recursos geridos por esses fundos. Todos os projetos com conotação inovadora tem boas chances de ser contemplado com recursos. "Nesse aspecto, o nosso centro tecnológico tem conseguido a aprovação de projetos" disse Bolzan. Segundo o professor, a área que mais sofre com a escassez de recursos é a de pesquisa básica, que não é o caso do CT. (LFA) FÓRUM APONTA CAMINHO PARA MUDANÇAS NO SETOR Há um grupo de profissionais tentando mudar a situação de penúria da pesquisa em Santa Catarina. O Fórum de Ciência e Tecnologia, composto no ano passado por pesquisadores de diversas áreas de conhecimento, formulou um documento onde aponta caminhos para que o setor volte a respirar. Entre os pedidos estão maior transparência no sistema de gestão atual, apoio à pesquisa, inovação e formação de pesquisadores e destinação dos recursos conforme prevê a constituição estadual. "Queremos debater para mudar essa situação, que é desastrosa", disse o professor Raul Guenther, do Departamento de Engenharia Mecânica e coordenador do Laboratório de Robótica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Guenther lembrou que há um contigente de pesquisadores e uma estrutura no Estado que não estão sendo aproveitados. São duas universidades públicas, uma rede de fundações de pesquisas, 70 mil estudantes de graduação, 16 mil em pós-graduação, três mil professores com formação em nível de mestrado e doutorado - que exercem regularmente atividades de pesquisas - e um grande número de laboratórios e centros de tecnologias. "O que precisamos é de um mínimo de apoio para desenvolver o setor", completou o professor, lembrando que há grande resistência, por parte do governo, em abrir o debate sobre ciência e tecnologia. No ano passado, o governo encaminhou à Assembléia Legislativa um projeto de lei determinando diretrizes para o setor. E, novamente, os pesquisadores e a comunidade acadêmica não foram chamados para o debate. "Na prática, o projeto determina o repasse de dinheiro público para a iniciativa privada", revelou Nildo Ouriques, professor do Departamento de Economia da UFSC. Para o professor Werner Kraus Júnior, do Departamento de Automação e Sistemas da UFSC, falta uma cultura de ciência e tecnologia em Santa Catarina. Diante disso, lembrou, há um grande contigente de pesquisadores marginalizados no Estado. Kraus Júnior citou como exemplo um edital elaborado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), para seleção de projetos de pesquisas no Brasil. Santa Catarina, segundo ele, gerou uma demanda de R$ 12 milhões. Desse total, foram aprovados R$ 1,6 milhão. (LFA)