Durante o último carnaval, as chuvas extremas que atingiram o litoral norte de São Paulo resultaram em deslizamentos de encostas, alagamentos e bairros isolados pela interdição de vias de acesso. Isso destacou o trabalho essencial da Defesa Civil e a necessidade de esforços contínuos para salvar vidas e reduzir danos. No entanto, uma pesquisa mostrou que as defesas civis municipais em todo o país estão enfrentando dificuldades devido à falta de verba, pessoal e estrutura adequados.
As defesas civis municipais são responsáveis pelo mapeamento de áreas de risco, prevenção e contenção de desastres ambientais, além de alertar e assessorar a população. Infelizmente, em 67% desses órgãos, a falta de recursos é o principal obstáculo para realizar esse trabalho (26% corresponde à falta de dinheiro, 22% de equipe e 19% de equipamentos).
De acordo com uma pesquisa realizada em 1.993 cidades que participaram da Pesquisa Municipal em Proteção e Defesa Civil, 72% dos municípios não têm orçamento próprio para a área e não contam com dinheiro de outras secretarias ou da própria prefeitura.
Os advogados Fernanda Damacena e Luiz Felipe da Fonseca Pereira, juntamente com os pesquisadores Renato Eliseu Costa e Victor Marchezini, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), publicaram um artigo sobre o assunto intitulado “Fundos Públicos Federais e Implementação da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil no Brasil” na Revista de Informação Legislativa do Senado.
Victor Marchezini, que atualmente está fazendo seu pós-doutorado no Natural Hazards Center da Universidade do Colorado-Boulder, EUA, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), afirmou que a falta de orçamento próprio nas defesas civis municipais foi a maior surpresa da pesquisa. Isso dificulta o planejamento de ações de prevenção junto às comunidades e pode resultar em falta de combustível ou veículos para ir às comunidades realizar ações educativas, de prevenção ou mesmo de verificação das áreas consideradas de risco de inundação ou deslizamento.
O pesquisador acredita que o problema não é apenas dos municípios, mas também falta apoio dos governos estaduais e federal para ajudar a estruturar essas defesas civis municipais. Embora haja muitas ações de capacitação do governo federal, falta um plano nacional para ajudar a estruturá-las. Se as defesas civis municipais não forem bem estruturadas, isso pode implicar na falta de criação de núcleos comunitários de defesa civil. A pesquisa também revelou que existem poucos núcleos comunitários de defesa civil no país.
Recursos humanos e estrutura
De acordo com agentes das defesas civis municipais, a rotatividade de funcionários, más condições de trabalho, falta de treinamento e responsabilidades pouco claras na gestão de risco estão impedindo a redução do risco de desastres. Alguns órgãos relatam ter apenas um ou dois funcionários disponíveis e 65% das defesas civis compartilham espaço físico com outras secretarias. Mais de 50% das defesas civis são compostas por uma a duas pessoas que, muitas vezes, são indicadas por políticos e são substituídas a cada eleição, o que requer investimentos repetidos em capacitação. Os pesquisadores apontam que a falta de definição dos papéis dos atores envolvidos na gestão de riscos compromete a governança, e destacam a importância de profissionalizar a área. No ano passado, o Ministério do Trabalho incluiu o agente de proteção e defesa civil na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), sendo o primeiro passo para o reconhecimento e habilitação da profissão.
Atribuições
As defesas civis municipais têm como responsabilidade gerir riscos e desastres, desde a avaliação e monitoramento de áreas de risco, com ações de prevenção e mitigação, até o socorro e atuação em projetos de recuperação. O Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sinpdec) engloba todas as competências para a gestão dos riscos e desastres, com ênfase na prevenção.
Em caso de chuvas, o Cemaden emite um diagnóstico para a defesa civil nacional encaminhar para a estadual e/ou municipal. A defesa civil local envia mensagens à população para avisar sobre a previsão de chuvas, alagamentos e deslizamentos. Em algumas cidades, há sirenes instaladas para o alerta.
Entretanto, o sistema de comunicação apresenta alguns problemas, como o baixo número de cadastrados no alerta e a falta de especificidade nos textos das mensagens por SMS, que podem ser genéricos para uma região ou até mesmo para o tipo de evento previsto.
De acordo com a pesquisa de diagnóstico de capacidades, 25% dos órgãos utilizam o SMS para comunicar os alertas. Para outros tipos de comunicação, 56% usam as redes sociais (Facebook, Instagram) e 43% aplicativos de mensagens (WhatsApp, Telegram).
Bons exemplos
Segundo o pesquisador, as defesas civis municipais têm a possibilidade de realizar diversas ações preventivas e mitigadoras de desastres climáticos. Ele destaca que tanto a comunicação quanto o engajamento da população podem ser fatores determinantes para salvar vidas em casos de desastres.
Marchezini menciona dois exemplos: um deles é o Programa Parceria da Defesa Civil de Recife, que envolve ações de mitigação de riscos de deslizamentos em encostas, em parceria com a defesa civil, equipe de engenharia e moradores locais. Além disso, a defesa civil forma núcleos comunitários de defesa civil na cidade.
O pesquisador também cita a Defesa Civil da cidade do Rio de Janeiro como um exemplo de investimento de longo prazo, que há anos trabalha com as comunidades em sistemas de alerta. A comunidade é envolvida em todas as etapas de planejamento do sistema, desde o mapeamento participativo dos riscos do bairro até a identificação de líderes comunitários que possam ajudar a coordenar essas ações.
Marchezini destaca a importância de um programa para criar e fortalecer os sistemas municipais de alerta e alarme, não apenas investindo em equipamentos, mas capacitando os municípios para fortalecer seus próprios sistemas locais no momento de uma emergência, já que os moradores e órgãos locais são os primeiros a responder. O fortalecimento da capacidade local é essencial.