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Diário do Comércio (SP) online

Expulsemos o PIB dos altares (1 notícias)

Publicado em 13 de outubro de 2011

Escrito por Paulo Ludmer

E se o Brasil fosse obrigado, como Israel, a importar água da Turquia? Nosso PIB - Produto Interno Bruto cresceria com o valor das compras em Ancara. E daí? A qualidade de vida é claramente melhor com a posse de mananciais de água potável. No entanto, o garimpo, entre outras atividades, destrói nossos aquíferos, inoculando-lhes mercúrio. A sacralização do PIB como bússola do viver resulta de um erro de avaliação de quase

toda a humanidade. São raros os países que - fora do desenvolvimentismo obstinado - buscam prioritariamente a qualidade de vida. Por exemplo: a energia eólica faz bem?

É claro que sim. Mas, produzir energia, necessariamente, agride a natureza e seu uso ainda é pior.

Para fazer aerogeradores utiliza-se concreto protendido (torres de mais de cem metros de altura); aço, resinas plásticas nas hélices ou pás, com mais de 50 metros de comprimento, cada uma; fios, cabos, estradas e treminhões, guindastes e gruas, navios e portos, subestações e assim por diante.

Por sua vez, a energia solar, para aquecimento, leva vidro, cobre e que tais. A solar voltaica pede silício, gálio, cádmio e outras coisitas. Os motores demandam terras raras. E as baterias dos automóveis, lítio. Vale dizer, na natureza não existe almoço grátis.

Um exame dessas questões tem sido realizado pelo acadêmico brasileiro Andrei Cechin especialmente em seu livro-tese "A natureza como limite da economia" (Edusp), no qual aprecia assertivas do economista Nicholas Georgesku-Roegen, segregado pelos seus pares em Harvard e demais ícones acadêmicos do Hemisfério Norte.

A rigor, Cechin, patrocinado pela Fapesp, explora a bolha que isola a economia do impacto que esta causa no meio ambiente e nas sociedades. E, em visão sistêmica, especula sobre a coexistência das atividades humanas com os ecosistemas.

A questão posta pelo jovem Cechin deve nutrir nosso imaginário e seu repertório, pois a mídia, todo dia, martela-nos com a compulsão da necessidade de as economias crescerem, sem quaisquer outras opções no modo de vida no planeta. Mesmo que utópicas, as outras opções - que reviram o nosso pensamento do avesso -- precisam entrar no radar do possível.

Como ensina o inspirado romeno, o professor Georgesku, cabe-nos perseguir uma vida que subordine a produção e o consumo à justiça e à sobrevivência. O crescimento não pode continuar sendo o supremo ideal. Tampouco o decrescimento pode ser mitificado.

Entre detalhes, Cechin lembra o programa Bioeconômico Mínimo listado por Georgesku, a saber:

1) A produção de todos os instrumentos de guerra deve ser proibida;

2) Os países não desenvolvidos devem ter ajuda dos países desenvolvidos para chegar a um bom patamar de qualidade de vida;

3) A humanidade deveria gradualmente reduzir sua população, até o nível que pudesse ser alimentada apenas por agricultura orgânica;

4) Até que o uso direto da energia solar seja viável e generalizado, todo desperdício

de energia deve ser evitado;

5) As pessoas devem se livrar da sede por bugigangas extravagantes como, por

exemplo, carrinhos de golfe;

6) As pessoas devem se livrar da moda. É uma doença jogar fora um casaco ou um móvel, enquanto ainda podem ser usados. Trocar de carro todo ano, então, é um crime bioeconômico. Os produtores devem focar na durabilidade;

7) Que os bens duráveis sejam mais duráveis e que sejam desenhados para que sejam consertáveis; e,

8) Uma vida de qualidade requer uma quantidade substancial de lazer vivida de maneira inteligente.

Naturalmente os oito pontos enumerados são sonhos dentro da realidade em que vivemos. No entanto, eles bolem com aspectos essenciais de uma fatalidade igual à da morte que nos espera em alguma quadra do calendário.

O planeta não é infinitamente sustentável. Nem dará guarida eterna ao nosso comportamento de hoje.

O aforismo final converge para a noção de limites e da simultaneidade da vida e da morte.

Paulo Ludmer é jornalista, engenheiro, professor, consultor e escritor com o site www.pauloludmer.com.br