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Exploração de aquíferos afeta clima e põe abastecimento em risco (90 notícias)

Publicado em 27 de março de 2025

Cientistas enfatizam que a perda histórica de vegetação nativa, exploração desenfreada de recursos naturais pelo agronegócio e o desenvolvimento urbano colocam em risco a disponibilidade hídrica

Impactos nos aquíferos podem gerar problemas nos rios e vice-versa; exploração não sustentável deste recurso afeta as bacias e o clima

Cientistas brasileiros alertam para a exploração não sustentável dos recursos hídricos dos aquíferos subterrâneos e o impacto nos rios, no clima e no próprio abastecimento para humanos.

Um estudo conduzido por pesquisadores brasileiros explícita, por exemplo, a perda de vegetação nativa no Cerrado, alertando para a necessidade de políticas de contenção de danos ambientais em propriedades rurais acima de 2,5 mil hectares. Se isso for feito em 30% de grandes áreas, é possível evitar a perda de mais de 4,1 milhões de hectares de vegetação nativa, o que corresponde a 13% da perda projetada até 2070.

Essa preservação ambiental e cuidado na cobertura do solo, por exemplo, influencia diretamente nas mudanças dos processos hidrológicos. “Devido à importância da região do Cerrado para segurança hídrica, alimentar e energética, medidas de planejamento e ordenamento do uso, cobertura e manejo do solo são urgentes e necessárias”, alerta o doutor em engenharia hidráulica e saneamento pela USP Paulo Tarso Sanches Oliveira.

Em outra pesquisa, publicada na Nature Communications, Paulo Tarso e o doutorando em Engenharia Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos (USP) José Gescilam Sousa Mota Uchôa apontam que mais da metade dos rios brasileiros apresentam riscos de redução de fluxo devido ao movimento descendente da água no interior do solo em direção aos aquíferos subterrâneos. A redução das vazões dos rios pode afetar diretamente a disponibilidade de água para o abastecimento humano e a segurança energética. Para eles, os serviços ecossistêmicos brasileiros precisam agir para garantir a preservação da vida no ecossistema aquático e o equilíbrio do clima.

Os cientistas analisam as investigações e ressaltam a importância da preservação ambiental. Segundo eles, há necessidade de gerenciar conjuntivamente as águas subterrâneas e superficiais a fim de reduzir o risco generalizado de perdas de fluxo para os aquíferos, o que pode afetar o acesso global à água e os ecossistemas que dependem dos rios.

Transformação do Cerrado As alterações nos fluxos hidrológicos ocorrem de forma constante e natural, sendo principalmente influenciadas pelo clima. No entanto, atividades humanas modificam o balanço hídrico de diversas maneiras. Um exemplo claro e facilmente perceptível são as mudanças no uso e na cobertura do solo, que afetam processos como infiltração, escoamento superficial, evapotranspiração e recarga de aquíferos.

Neste sentido, o Cerrado vem passando por mudanças significativas de uso e cobertura do solo nos últimos 10 anos, o que proporciona mudanças nos processos hidrológicos na região. “Devido à importância da região para segurança hídrica, alimentar e energética, medidas de planejamento e ordenamento do uso, cobertura e manejo do solo são urgentes e necessárias”, salienta o pesquisador Paulo Tarso Sanches.

Em estudo recente, os dois pesquisadores utilizaram um modelo espacialmente explícito para identificar os principais fatores responsáveis pela perda de vegetação nativa no Cerrado. Em seguida, projetaram essa perda para os anos de 2050 e 2070. Também analisaram o papel e o tamanho das propriedades na aplicação das complexas leis ambientais brasileiras e como isso influencia diferentes cenários de perda de vegetação.

“Os resultados indicam que a proximidade de rios, estradas e cidades, o potencial agrícola, a agricultura de culturas perenes e anuais, bem como a pecuária, impulsionaram a perda histórica de vegetação”, avalia Sanches. Considerando a plena implementação do atual Código Florestal, o Cerrado poderá perder 26,5 milhões de hectares de vegetação nativa até 2050 e 30,6 milhões de hectares até 2070. Essa perda deverá ocorrer predominantemente em grandes propriedades.

Para conciliar a conservação ambiental e a exploração dos recursos para a produção agrícola, recomenda-se políticas públicas que priorizem as grandes propriedades rurais. “Em particular, a proteção de 30% das áreas em propriedades com mais de 2,5 mil hectares poderia evitar a perda de mais de 4,1 milhões de hectares de vegetação nativa, o que corresponde a 13% da perda projetada até 2070”, aponta Sanches.

Rios brasileiros secando O estudo na Nature Communications tem abrangência nacional e aponta regiões críticas no Brasil que necessitam de mais estudos regionais e locais para compreender os fatores que influenciam a dinâmica entre rios e aquíferos. “A principal conclusão do artigo é que a gestão dos recursos hídricos deve ser realizada de forma integrada, ou seja, tratando a água como um único recurso. Impactos (da exploração) nos aquíferos podem gerar problemas nos rios e vice-versa”, ressalta José Gescilam Sousa Mota Uchôa.

De todos os poços disponíveis nas bases de dados do Serviço Geológico do Brasil, a maioria possui autorização de perfuração e outorga para uso da água. Para a análise, os pesquisadores selecionaram apenas os poços que atendiam a três critérios específicos: estarem localizados a menos de 1 km do rio mais próximo, apresentarem profundidade inferior a 100 metros e estarem inseridos em aquíferos não confinados. Após essa filtragem, a amostra final foi reduzida para aproximadamente 18 mil poços.

Assim, avaliaram os níveis de água desses poços no Brasil e identificamos que a maioria deles (55%) apresenta níveis inferiores à superfície dos rios próximos. Esse padrão evidencia que os rios provavelmente perdem água para o subsolo por infiltração.

O estudo aponta que um dos fatores que contribuem para o surgimento de rios que potencialmente perdem água para o aquífero é a exploração de águas subterrâneas nas proximidades dos cursos d’água. Atualmente, no Brasil e em grande parte do mundo, não há exigência de estudos quantitativos de impacto da exploração das águas subterrâneas sobre os rios locais.

“Os resultados evidenciam o potencial generalizado de perda de água dos rios para os aquíferos subjacentes em diversas regiões do país, especialmente onde há extração intensiva de águas subterrâneas. Ou seja, apresentamos uma visão geral da interação entre águas superficiais e subterrâneas no Brasil, destacando regiões críticas que indicam uso intenso de água subterrânea”, conclui Paulo Tarso Sanches.

Além disso, a necessidade de um gerenciamento integrado dos recursos hídricos subterrâneos e superficiais, uma vez que essas fontes são gerenciadas de forma separada. Isso implica que, nas novas concessões de outorga para o uso da água, seria fundamental adotar uma abordagem integrada, considerando ambas as fontes de maneira conjunta, por exemplo.

Mudanças climáticas Para José Gescilam Sousa, a pesquisa indica a potencialidade de rios que perdem água para o aquífero. Entretanto, a verificação se esses rios estão perdendo vazão precisa ser aprofundada por meio de estudos locais, sugere. “O clima é um dos fatores mais importantes na dinâmica de interação entre rios e aquíferos. Assim, regiões brasileiras que estão se tornando mais áridas podem ter, potencialmente, mais rios que cedem água para o aquífero no futuro”, alerta.

Todos os setores que se valem da exploração da água podem causar impacto no ciclo hidrológico. Por isso, é necessário um planejamento estratégico que garanta a segurança hídrica para todos esses setores. O Brasil possui grande capacidade de expandir sua produção industrial e agrícola de forma sustentável, mas precisa planejar as ações.

“Um dos postos-chave é que a água deve ser pensada como um único recurso. Assim, quando se impacta um dos compartimentos do ciclo hidrológico, isso afeta os demais. A exploração de águas subterrâneas por meio de poços próximos a um rio, se não realizada adequadamente, pode alterar a direção do fluxo desse rio, fazendo com que ele perca parte de seu fluxo”, explica José Gescilam Sousa.

Para Paulo Tarso Sanches, a redução das vazões dos rios pode afetar diretamente a segurança hídrica, diminuindo a disponibilidade de água para o abastecimento humano e a segurança energética. “Ao reduzir o volume de água nos reservatórios, isso afeta a geração de energia, a segurança alimentar e a diminuição de água disponível para irrigação e dessedentação animal, por exemplo. Os serviços ecossistêmicos, já que é fundamental manter uma vazão mínima nos rios, precisam agir para garantir a preservação da vida no ecossistema aquático”, alerta.