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Nexo Jornal

Experimentos avançam na manipulação das interações entre ondas acústicas e de luz (1 notícias)

Publicado em 23 de maio de 2025

Por Danilo Albergaria

Controlar as interações entre fônons e fótons pode gerar lasers mais refinados e facilitar o processamento de informação quântica

ARTIGO ORIGINAL

Experimentos avançam na manipulação das interações entre ondas acústicas e de luz

Revista Pesquisa Fapesp

maio de 2025

Autoria de: Danilo Albergaria

Quando se propaga por um material, um feixe de laser de intensidade significativa modifica ligeiramente a densidade do meio físico e gera ínfimas vibrações. Essas oscilações acústicas distorcem o material e podem causar alterações nas características originais da luz. Dois artigos científicos recentes, com participação de físicos brasileiros, apresentam progressos experimentais no controle das interações entre ondas de luz (fótons) e ondas acústicas ou mecânicas (fônons) no interior de um meio físico, fenômeno brevemente descrito acima.

“Os trabalhos mostram avanços que podem auxiliar no desenvolvimento de dispositivos para sistemas de comunicação quântica”, diz Gustavo Wiederhecker, do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (IFGW-Unicamp). O pesquisador é coautor de um dos artigos e coordena o Programa FAPESP QuTIa em Tecnologias Quânticas, no âmbito do qual os estudos foram realizados.

O primeiro artigo saiu em 15 de março na revista Nature Communications . Ele apresenta um cristal de silício com um design que tem como objetivo dissipar o calor muito rapidamente e aumentar a eficiência no processamento de informação baseada em qubits (bits quânticos). O segundo estudo, disponibilizado on-line em 21 de março no periódico Physical Review Letters , relata uma nova estratégia para manipular a polarização da luz, isto é, o plano (vertical ou horizontal) em que vibram suas ondas eletromagnéticas. Esse último avanço pode ser útil para produzir feixes de lasers mais finos e puros, o que, em tese, pode ampliar a capacidade de transmissão de dados em fibras ópticas.

Ambos os trabalhos foram conduzidos por físicos da Unicamp em parceria com universidades norte-americanas. Com enfoques diferentes, os estudos contribuem para o desenvolvimento de dispositivos ópticos capazes de fazer a chamada transdução quântica por meio de oscilações acústicas. Esse processo consiste em usar vibrações mecânicas para fazer a conversão da informação quântica entre duas formas de energia, de um comprimento de onda do espectro eletromagnético para outro. Para o desenvolvimento de redes quânticas, é preciso transformar, sem perda significativa de informação, qubits codificados em frequências de micro-ondas em bits quânticos que trabalham com a luz visível.

É sobre esse ponto que se concentram os esforços do artigo que saiu na Nature Communications . O trabalho indica que a transdução quântica pode ser feita usando um cristal de silício com o qual a luz pode interagir ao longo de um plano em duas dimensões. Até agora, tinham sido usados como transdutores apenas cristais cuja estrutura permite interações com a luz em uma dimensão, ou seja, somente em uma dada direção. A desvantagem desses cristais unidimensionais é a sua propensão para o aquecimento residual. O material absorve parte da energia da luz e perde eficiência no processo de transdução. “O design do nosso cristal foi pensado para ‘conversar' com os qubits supercondutores e para dissipar o calor muito rapidamente”, explica Thiago Alegre, do IFGW-Unicamp, que assina o estudo ao lado de André Primo, que concluiu doutorado sob sua orientação em 2024, e colegas da Universidade Stanford, dos Estados Unidos.

Para contornar o ganho de temperatura, os pesquisadores projetaram um cristal optomecânico bidimensional com estruturas que chamaram de “bumerangues” e “adagas”. Mais externos, os “bumerangues” funcionam como escudos contra interações do cristal com o ambiente, evitando perturbação mecânica. As estruturas internas, as “adagas”, servem para aprisionar a luz inserida no cristal com uma fibra óptica. Além de confinar os fótons entre si, as “adagas” também vibram, gerando ondas acústicas. Os fônons dessa vibração interagem com os fótons entre as “adagas” e se acoplam a eles. O acoplamento quântico faz com que uma alteração no estado dos fótons cause uma mudança quase instantânea nos fônons e vice-versa. Isso mostra que, no dispositivo, é possível converter informações contidas na luz para vibrações acústicas.

A transmissão de informações entre processadores quânticos ocorre normalmente em materiais supercondutores que operam na frequência das micro-ondas e a temperaturas extremamente frias, próximas do zero absoluto, nos arredores de -273,15 graus Celsius (ºC). Uma linha de transmissão de micro-ondas entre esses dispositivos teria de operar a temperaturas semelhantes, visto que a informação quântica nessas frequências se desorganiza a temperaturas mais altas. Na prática, o resfriamento necessário para construir redes quânticas mais longas, que sejam maiores do que alguns poucos metros, esbarra nessa limitação térmica.

A geometria do cristal proposto pela Unicamp e seus parceiros contorna o problema do aquecimento residual, mas ainda precisa ser refinada para lidar melhor com a tarefa de converter a informação quântica de uma forma de energia para outra. O controle das vibrações acústicas do cristal durante o processo de conversão dos dados das frequências de micro-ondas para as da luz visível ainda não é perfeito. Se esse objetivo for atingido, será possível transmitir dados quânticos por laser ao longo de extensas redes de fibras ópticas. “As fibras são ótimos isolantes térmicos e as informações carregadas pela luz não são perturbadas por variação de temperatura”, comenta Primo.

Para o físico Anderson Gomes, da Universidade Federal de Pernambuco, que não participou do trabalho, o estudo tem grande originalidade. “Ele expande a fronteira do conhecimento em optomecânica”, diz Gomes. “É o primeiro passo para a demonstração de transdução com um cristal de silício bidimensional.”

O segundo artigo trata do fenômeno conhecido como espalhamento de Brillouin. Esse processo ocorre quando a luz incide sobre um meio e altera algumas de suas propriedades em função da influência das vibrações acústicas do material. O resultado dessa interação entre fótons e fônons é que a luz espalhada pode apresentar frequência (cor) diferente da luz incidente. Na área de comunicações, a manipulação desse tipo de espalhamento, proposto em 1922 pelo físico francês Léon Brillouin (1889-1969), é atualmente empregada para medir temperatura e pressão em fibras ópticas.

No trabalho do periódico Physical Review Letters , os físicos direcionaram um feixe de laser em guias de onda feitas com niobato de lítio (LiNbO₃) com o intuito de tentar mudar sua polarização, o plano em que vibram suas ondas eletromagnéticas. Esse tipo de alteração pode produzir lasers mais puros e finos, que tendem a ser mais eficientes em transmitir informações. Guias de onda são estruturas que confinam e direcionam a propagação de ondas eletromagnéticas (geralmente laser) ou vibrações mecânicas.

O niobato de lítio é um material usado em telecomunicações e tem uma estrutura microscópica hexagonal, parecida com a de um favo de mel. Uma de suas propriedades é ser anisotrópico: a mudança na orientação de sua estrutura modifica sua interação com a luz. Guias de onda são normalmente feitas com materiais isotrópicos, como o nitreto de silício (Si₃N₄), que interagem da mesma maneira com a radiação eletromagnética independentemente da direção em que suas estruturas estão orientadas.

Além de ser anisotrópico, o niobato de lítio foi escolhido para ser usado no experimento por apresentar outra característica desejada: é um material piezoelétrico, ou seja, produz cargas elétricas quando vibra ou sofre algum estresse mecânico. Experimentos feitos no Laboratório Integrado de Fotônica do IFGW indicam que mudar o nível de inclinação das guias de onda de LiNbO₃ altera a intensidade de espalhamento de luz. A frequência eletromagnética das ondas espalhadas também difere de acordo com o ângulo.

Nas guias de niobato de lítio, a luz que interage com as vibrações é espalhada em polarização cruzada. Se o feixe de laser inicial tem direção horizontal, a luz refletida pelos fônons do meio físico apresenta polarização vertical, e vice-versa. “Essa forma de manipular a informação transmitida pela luz pode ser útil para fabricar guias que funcionem como conversores de polarização”, comenta o principal autor do estudo, o físico Caique Rodrigues, que concluiu doutorado na Unicamp no início de 2025 sob orientação de Wiederhecker. Além de Rodrigues, assinam o trabalho Wiederhecker, Alegre e outros quatro pesquisadores do grupo de óptica da Unicamp, além de colegas da Universidade Harvard, dos Estados Unidos.

O físico Cleber Mendonça, do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP), que não participou do estudo, destaca que o resultado do trabalho reforça a possibilidade de manipular a polarização da luz com algo similar a uma chave óptica. “Dessa forma, poderia ser possível selecionar a polarização da luz que se propagaria ou não no interior de fibras ópticas”, diz ele.