Analisar os impactos das mudanças climáticas no Atlântico Sul e colher informações sobre a água do mar nessa região estão entre os objetivos de uma expedição científica que partiu do Porto de Santos, na última sexta-feira (20). O projeto reúne 20 especialistas brasileiros e estrangeiros, que deixaram o complexo marítimo para uma viagem de 17 dias a bordo do navio de pesquisas oceanográficas Alpha Crucis, do Instituto Oceanográfico da Universidade Federal de São Paulo (IO-USP).
A expedição faz parte do projeto Sambar e é financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Os cruzeiros do Alpha Crucis ao Sul do País começaram em 2012 e acontecem duas vezes por ano.
Nessas viagens são coletadas e comparadas informações como temperatura, salinidade, concentração de carbono, pressão e oxigênio da água do mar. Esses dados são importantes para prever a reação dos oceanos diante da interferência humana dos últimos anos.
Entre os brasileiros estão pesquisadores do IO-USP, da Universidade Federal de Rio Grande, da Universidade Federal Fluminense, da Universidade Federal do Ceará e da Universidade Federal da Bahia. E ainda há cientistas da Argentina, do Uruguai e dos Estados Unidos.
“O oceano, pela grande quantidade de água e alto calor específico, é a memória térmica do planeta. O clima do planeta é totalmente controlado pela água do oceano”, afirmou o professor Edmo Campos, do IO-USP, responsável pelo projeto.
Os trabalhos acontecerão a cerca de 800 quilômetros da costa, em 28 locais definidos na direção do Chuí, na divisa do Brasil com o Uruguai. Lá, a profundidade gira em torno de 4,3 quilômetros (praticamente a extensão da Avenida Conselheiro Nébias, que vai do Centro até a orla de Santos).
Segundo o docente, a equipe usa equipamentos da própria universidade e aparelhos cedidos por pesquisadores norte-americanos – grandes interessados nas pesquisas no Atlântico Sul, pois os resultados poderão prever fenômenos climáticos no Hemisfério Norte.
Laboratórios
Alpha Crucis conta com cinco laboratórios. Nessa viagem, quatro deles serão utilizados – os dois destinados às análises químicas da água do mar, como acidez, concentração de carbono e identificação de elementos e nutrientes; e os dois usados para estudar as propriedades físicas da água, como temperatura e salinidade. O quinto laboratório do navio é reservado para análises biológicas, que não serão feitas nesta viagem.
Para realizar esses testes, a equipe conta com um processo específico para captação da água. Ele utiliza 24 garrafas especiais, que coletam amostras em profundidades pré-determinadas pelos pesquisadores.
“Temos um cabo de cinco mil metros de comprimento, feito de aço e com um núcleo condutor. Na ponta dele, há um instrumento que vai medindo propriedades como concentração de sal, de oxigênio, temperatura, pressão e também a velocidade utilizando um perfilador acústico. Toda informação obtida é transmitida para bordo e uma série de computadores vai registrando para posterior análise”, explicou o pesquisador, chefe da expedição.
Campos também detalhou o processo de instalação e remoção de ecossondas, aparelhos com sensores que são depositados no fundo do oceano. Eles coletam informações e as armazenam durante um ano, até serem retiradas durante as viagens. Cada um custa cerca de US$ 120 mil (R$ 409 mil).
Hoje, há seis ecossondas instaladas na região pesquisada. Nesta expedição, estão previstas a troca de baterias e a remoção de informações coletadas desses equipamentos. Segundo Campos, são necessárias cerca de seis horas para o processo. Isso inclui a estabilização da temperatura dos aparelhos, que normalmente são negativas.
E resultados já aparecem, diz o professor. “O sistema está começando a demonstrar impactos de coisas que acontecem a milhares de quilômetros ao Sul. Se nós entendermos melhor o que está acontecendo no Atlântico nessa região, vamos estar fornecendo condições para que as previsões do clima não só no Brasil, mas no planeta como um todo, sejam mais confiáveis e apuradas. Isso é uma contribuição importante porque, se você faz uma previsão climática com possibilidade de erro de 10%, em vez de 20%, significa que o dispêndio de recursos para precaver e eventualmente se adaptar são menores”, destacou Edmo Campos.
Os reflexos da ação do homem, especialmente do aumento da poluição atmosférica, já são percebidos nos oceanos e, como consequência, nas condições climáticas de regiões como o Nordeste do Brasil. O alerta é do professor Edmo Campos, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP). Para ele, esse é o início de uma reação que pode provocar grandes variações no clima.
Campos é o pesquisador chefe desta expedição do navio oceanográfico Alpha Crucis, que partiu de Santos na última sexta-feira para estudar o Atlântico Sul. Segundo ele, com estudos como os que são desenvolvidos pelo IO em cruzeiros desse tipo, é possível prever alterações climáticas que serão sentidas em até 20 anos.
“O clima é o resultado de um conjunto de interações muito complexas, que envolvem os oceanos, a atmosfera, a biosfera e até mesmo a contribuição do homem. Desses componentes, o oceano é o que representa a maior quantidade de energia. Ele tem uma capacidade térmica muito superior à de qualquer outro componente”, explicou o especialista.
O aumento da temperatura na atmosfera, por exemplo, implica na alteração do regime de ventos, que por sua vez leva a mudanças na circulação dos oceanos. No entanto, essa reação do mar é lenta, segundo o pesquisador. O problema é que a intensa interferência humana nos últimos 200 anos tende a intensificar esses efeitos.
“Só não estamos em uma situação muito pior porque o oceano segura as pontas. Acontece que há um momento em que o limite é atingido. Ele (o oceano) já está demonstrando sinais de que a temperatura em excesso já atinge grandes profundidades. O aumento da concentração de gás carbônico na atmosfera, que está sendo absorvido pelo oceano, faz com que a acidez da água do mar seja maior”, alertou o professor do Instituto Oceanográfico.
Campos explicou que o planeta recebe maior insolação nas regiões tropicais do que nas polares. Se não houvesse o movimento da atmosfera e dos oceanos, as temperaturas seriam muito maiores nas regiões tropicais e muito menores nessas regiões de altas latitudes. “O movimento do oceano e da atmosfera faz a redistribuição do excesso de calor para onde falta e mantém a temperatura do planeta mais ou menos estável. Isso está em equilíbrio ao longo dos milênios”, afirmou.
Assim, mudanças nos oceanos levam a alterações nos padrões climáticos. Estados brasileiros como Paraíba, Maranhão e Ceará já sentem impactos, segundo o pesquisador. Essas regiões, onde normalmente não eram registradas precipitações durante boa parte do ano, passaram a registrar um aumento das chuvas no litoral.
“Temos mais águas do Oceano Índico entrando no Atlântico do que antes. Isso está alterando a distribuição de salinidade e propriedades do Atlântico e interfere nas interações com a atmosfera na região tropical, por exemplo. Está havendo uma alteração no regime de precipitação ao longo da faixa litorânea do Nordeste brasileiro”.
A bordo, tensão e muita cooperação
A tripulação do navio de pesquisas oceanográficas Alpha Crucis é composta por 19 pessoas que cuidam especificamente da embarcação e 20 pesquisadores. O dia a dia é intenso, com diversas atividades de coleta e análise de amostras, sempre com a tensão e os efeitos do alto-mar no corpo dos cientistas e na estabilidade da embarcação.
Construído em 1974, o Alpha Crucis foi projetado especificamente para pesquisas oceanográficas. E foi incorporado à frota da Universidade de São Paulo (USP) em 2012, quando começaram as expedições do Instituto Oceanográfico (IO) pelo Atlântico Sul. A embarcação tem 64 metros de comprimento e 11 metros de boca (largura) e pode passar até 60 dias em navegação.
“A gente trabalha por turnos. Sempre tem alguém fazendo o navio funcionar. Ele está sempre guarnecido, com duas pessoas de serviço no passadiço e duas pessoas de serviço na máquina, que se revezam a cada quatro horas. Em paralelo, há a equipe de pesquisas. A tripulação cuida da segurança, da manutenção e da condução do navio e os pesquisadores, dos trabalhos científicos”, destacou o comandante da embarcação, José Helvécio Morais de Rezende.
O cientista Fabrício Sanguinetti Cruz de Oliveira, professor da Universidade Federal do Rio Grande (Furg) e veterano em cruzeiros oceanográficos, participa de sua primeira viagem no Alpha Crucis. A grande expectativa gira em torno das condições do clima e do mar no local das pesquisas
“Primeiro, temos que pensar em um bom tempo. Se a gente tiver tempo bom, todas as operações podem ser feitas de maneira mais adequada, uma vez que a gente vai precisar parar o navio e ele precisa de muita estabilidade”, afirmou Oliveira.
Essa questão toma ainda maior importância porque os cientistas farão embarques e desembarques de equipamentos. Na maioria dos casos, é necessário manter o navio estável para garantir a instalação correta de sensores e medidores.
Apesar da tensão das pesquisas e das operações, os pesquisadores abrem espaço na rotina para momentos de convivência na embarcação. Há salas de recreação para a interação dos cientistas. Em alguns casos, a proximidade é tanta que até resulta em casamento entre os oceanógrafos.
“Normalmente, a equipe que está embarcada é composta, em sua maioria, por pessoas que têm experiência no mar. Sempre há uns dois ou três que nunca embarcaram, mas têm o suporte dos mais experientes. Não precisa mais de dois dias para que todos estejam enturmados e virem uma família. É interessante o efeito do confinamento”, destacou o professor do IO Edmo Campos, chefe da expedição científica.
“A nossa função é contribuir para que a humanidade tenha uma ideia melhor do que acontece no planeta. Uma pessoa só ou um grupo não consegue. É um esforço coletivo. A Oceanografia é uma das poucas ciências em que há a necessidade de cooperação e ela existe de fato”, afirmou Edmo Campos.