A substituição será a solução?
Seguindo com nossa série de reportagens sobre as causas, efeitos e soluções para a poluição plástica em nosso país, O Estado RJ entrevistou com exclusividade o engenheiro químico José Carlos Pinto, professor titular do Programa de Engenharia Química e de Processos Químicos e Bioquímicos da UFRJ/ COOPE -Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em recente contribuição à matéria de julho de 2019 publicada na Revista da Fapesp (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo) edição de julho de 2019, o Prof. José Carlos Pinto afirmou: “achar substitutos aos plásticos que causem menos danos à natureza é um desafio”.
Desafio lançado ao mundo inteiro na busca de soluções, leia abaixo a entrevista que O Estado RJ realizou com o Professor José Carlos, sobre quais as melhores alternativas, na visão dele, para se lidar com a poluição plástica.
O Estado RJ: Professor, quais são os tipos de pesquisas que são desenvolvidas no Coppe da UFRJ, bem como se existe alguma relação entre elas e soluções tecnológicas para o plástico?
Prof. José Carlos: São desenvolvidas várias pesquisas na área de produção e uso de materiais plásticos e dentro dessas pesquisas, o problema da reciclagem e da circularidade dos produtos plásticos, ocupam papel fundamental e então, temos desenvolvido produções mais eficientes de novos materiais e de materiais com propriedades avançadas como soluções para aprimorar e encorajar a reciclagem química, que significa usar o lixo final dos materiais plásticos como matéria prima para produção de novos produtos químicos. Apenas 30% dos materiais plásticos podem ser reciclados mecanicamente e esse percentual não consegue prover uma solução final ou definitiva ao plástico, após seu uso, que é destinado a aterros sanitários ou a outros tipos de lixo. A reciclagem química possui maior amplitude na reciclagem de resíduos podendo atuar até naqueles contaminados porque não requer a limpeza do resíduo e esse é um ponto muito importante porque a limpeza em um material para reuso, via de regra, não é ambientalmente correta, pois é necessário acionar uma gama de outros produtos como água, sabão, ácido sulfúrico, soda cáustica, dentre outros, movimentando toda uma indústria poluente.
Oerj: Na edição de julho de 2019 da Revista da Fapesp (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo) o Sr. afirmou que é um grande desafio encontrar substitutos ao plástico. Temos vistos diversos projetos de lei pelo Brasil afora, como é o caso aqui da cidade do Rio de Janeiro, em que a proposta é substituir os canudinhos de plásticos pelos de papel. Afinal, o papel é melhor que o plástico no que tange aos danos causados ao meio ambiente? Há de fato algum ganho ambiental?
Prof. José Carlos: Essa questão é analisada em um livro que escrevemos sobre os impactos ambientais causados pelos plásticos onde registros de balanços ambientais consistentes demonstram que outros materiais como vidro, metal, papel…são melhores que plásticos em suas aplicações. Há uma visão distorcida de que um material é melhor que outro porque some dos nossos olhos, mas não significa que ele desapareceu. Ele apenas ganhou outra forma ou se dissolveu e muitas vezes o impacto negativo ambiental pode ser potencializado. Por exemplo, quando um material é degradado e se transforma em CO², metano, ele vai contribuir com o aumento do dióxido de carbono e aumento do efeito estufa, quando todo o mundo está se esforçando para diminui-lo, qual sentido tem jogar o CO² na atmosfera? Quando se analisa uma tecnologia, temos que analisar várias variáveis como por exemplo, no caso da produção do papel, ela é baseada em monocultura, ou seja, há uma devastação de grandes áreas para plantio de florestas artificiais, que servem como fonte de celulose, a matéria prima fundamental do papel, sendo necessário para purifica-la uma utilização muito grande de contaminantes como ácidos, compostos ácidos, produzindo uma quantidade enorme de rejeitos os quais ainda não tem solução apropriada à eles e muitos estão em lagoas de rejeito que muitas vezes vazam e contaminam o solo e rios e depois de utilizar um produto com papel que seu destino é a reciclagem, reinicia-se um ciclo de uso de contaminantes como soda cáustica, ácido sulfúrico para limpar o papel e isso gera rejeitos. Se fizer um balanço detalhado dos impactos negativos ao meio ambiente, os canudos plásticos geram impactos negativos menores. A ideia de reutilização pode ser que seja uma boa solução, mas não necessariamente, levando-se em consideração os processos e seus materiais envolvidos. Vários estudos demonstram que o uso de materiais plásticos é muito mais benéfico ao meio ambiente do que outros materiais, pois desde sua produção e uso o impacto negativo de rejeitos é muito menor. Porém, para se chegar a essa conclusão, temos que fazer toda análise desde sua produção até seu descarte. O inaceitável, é achar que a solução tecnológica é apenas jogar o material fora e aí ele irá desaparecer. Isso é uma ideia errônea e não deve ser estimulado.
Nenhum produto é tão facilmente recirculado na cadeia econômica e química como os materiais plásticos, incentivando várias ações de economia, permitindo que um material não tenha um ponto final. A ideia que um material deva ir para um lixão, por exemplo, é primária. O ideal é que os materiais circulem na economia e na cadeia química e aqui, os plásticos são campeões.
Oerj: Outra “solução” que vem sendo apresentada já há alguns anos aqui no Brasil, são os chamados plásticos oxibiodegradáveis. Porém, estes materiais tem sido duramente criticados por pesquisadores, laboratórios independentes, ONG’s, Universidades, associações representativas da indústria do plástico, etc… tanto no Brasil como em diversos outros países. Afinal, estes materiais são uma “solução” ou um “problema” para o meio ambiente?
Prof.José Carlos: Quando as pessoas tem nesses materiais oxibiodegradáveis uma solução para os problemas de impacto negativo ambiental, elas estão preocupadas na visão apenas do material sumir das vistas delas. Os materiais oxibiodegradáveis não fazem o menor sentido que sejam uma solução ao problema dos resíduos, pois quase sempre eles tem catalisadores metálicos e produtos químicos para favorecerem e aumentarem a velocidade de degradação. Na maioria das vezes, os materiais oxibiodegradáveis não degradam o dióxido de carbono e água, o que seria um absurdo com o desperdício de energia e matéria prima. Eles degradam em sistemas particulados como areia muito fininha, não vista a olho nú, mas continua lá no meio ambiente ou pior, degradam em produtos químicos que são prejudiciais a vida, ao ambiente e contaminam o solo e os recursos hídricos, a atmosfera… Então, não faz nenhum sentido, ter um material que simplesmente desaparece da nossa vista e continue a existir e de uma forma muito mais prejudicial disseminado no ecossistema.
Oerj: Podemos considerar que a Lei que proibiu o uso destes materiais oxibiodegradáveis aqui no RJ, para confecção de canudinhos, foi acertada?
Prof.José Carlos: Qualquer lei que venha desestimular a degradação está certa.O uso dos oxibiodegradáveis tem que ser desestimulado e temos que estimular é a coleta correta de qualquer tipo de resíduos, para que o material seja recirculado. O banimento dos canudos plásticos é uma bobagem, pois não é baseado em nenhum estudo ambiental técnico com base científica fundamentada. É baseado simplesmente na impressão que um material vai entrar no nariz de um ser marinho e isso é de base emocional. Todos estudos mostram que fazer canudos de metal, de papel…é muito mais prejudicial que de plásticos. Agora, não podemos conceber é usar e jogar fora no meio ambiente aleatoriamente. O produto plástico tem que ser destinado para a cadeia química circular. Temos que parar com a ideia que o material que atingiu seu ponto final de uso como um resíduo precisa ser acomodado no meio ambiente, ele tem que ser reciclado na cadeia química.
Oerj: Ainda sobre estes materiais oxibiodegradáveis, outro argumento sustentado pelos pesquisadores é que eles podem ser agentes de contaminação do solo e da água, por conterem em sua formulação metais de transição que podem ser altamente tóxicos para o meio ambiente. Além disso, eles apenas seriam capazes de degradar o plástico transformando na realidade em microplásticos. Qual sua opinião sobre essas afirmações?
Prof.José Carlos: As afirmações de contaminações são verdadeiramente pertinentes.
Reafirmo o que disse antes: é um absurdo que possam ter leis e procedimentos que encorajem o uso de materiais oxibiodegradáveis e sim, haver leis que encorajem a coleta e a reciclagem dos resíduos na cadeia química e econômica.
Oerj: Por falar em microplásticos, alguns outros estudos também apontariam que a acidificação oceânica, com morte de corais e toda fonte de vida na terra, também teriam ligação com o microplástico em função dos fenóis (compostos químicos) encontrados nestes materiais? Como o Sr. avalia esta questão?
Prof.José Carlos: Os responsáveis pela acidificação oceânica são os dióxidos de carbono e acúmulo de enxofre e dióxido de nitrogênio na atmosfera. Com relação aos fenóis é uma questão ainda especulativa, pois não há nenhum estudo científico sério que correlacione a acidificação dos oceanos à eles.
Oerj: Ultimamente muito tem se falado a respeito dos chamados bioplásticos, feitos de matérias primas renováveis como a mandioca, como solução eficaz para substituir o plástico derivado de fonte fóssil. Na sua opinião, está é uma solução realmente viável e possível de ser aplicada no curto ou médio prazo? Esses plásticos não seriam de qualquer forma “plástico”, porém de outra fonte primária, cujo impacto ambiental também existe?
Prof.José Carlos: É necessário estarmos conscientes de que o plástico é excelente ao meio ambiente desde que o mantivermos recirculando. Um dado importante é que mais de 90% do petróleo explorado é para gerar energia na forma de combustíveis para vários meios de transporte e utilizações como termo elétricas e não para produzir plásticos. Temos que observar as questões éticas porque se você produz alimentos para produzir produtos químicos de maneira geral, só fará sentido se a sociedade envolvida não esteja passando fome. Porém, se temos fome no planeta, é difícil justificar produzir alimento para produzir produtos químicos. O ideal é que esses biomateriais não sejam os utilizados para alimentação como bagaço de cana, torta do óleo de soja.
A produção de plástico via material renovável é absolutamente viável e possível, no curto e médio prazos, gerando uma cadeia química completamente diferente, cujo o Brasil está perfeitamente bem posicionado e faz todo sentido ambientalmente. Inclusive como o material plástico é campeão da reciclagem e esses biomateriais são alimentados pela cadeia química natural, o que estaremos fazendo é capturando o CO² da atmosfera e mantendo eles em estado sólido e assim, estaremos ajudando a mitigar o impacto negativo dos gases de efeito estufa. Essa é uma linha de pesquisa que estamos trabalhando muito no nosso laboratório de engenharia de polimerização da COOPE–UFRJ.
Oerj: Outra tentativa de solução para a questão dos plásticos são os produtos biodegradáveis. Porém, sabemos que este processo necessita de determinadas condições para ocorrer com êxito. No caso do Brasil, em que a maioria das cidades tem como destino final de seu lixo os aterros sanitários, isso realmente pode ser uma alternativa? Quais seriam os tipos que seriam capazes de gerar biogases para aproveitamento energético?
Prof.José Carlos: Eu não gostaria que os materiais se degradassem. Eu não quero dispersar na atmosfera o carbono, o hidrogênio, a matéria prima e a energia que eles contém, quero esses materiais circulando. A aplicação dos biodegradáveis fazem sentido em aplicações específicas como por exemplo, a EMBRAPA produz saquinhos e containers para produzir mudas porque serão enterrados e ao se degradarem serão alimento para a planta. Precisamos atentar para questão das aplicações dos materiais biodegradáveis, isto é, nem todos devem ser se degradar e sim circular: voltar para a cadeia química e econômica, como já disse anteriormente.
Oerj: Agora vamos abordar a alternativa da reciclagem. Até onde a reciclagem do plástico é uma solução viável e por que no Brasil se recicla tão pouco? O que falta ou precisa acontecer para mudar esta realidade.
Prof.José Carlos: A questão não é a reciclagem do plástico e sim do lixo. O plástico é uma fração do lixo. Tudo deve ser reciclado. A ideia no Brasil que a reciclagem é tecnicamente e economicamente inviável é falsa. Em vários países como Japão, Alemanha, os países nórdicos, a reciclagem é 100% dos materiais plásticos e do resíduo urbano gerado. A visão que temos uma lei de resíduos urbanos avançada é míope, uma vez que é um absurdo termos aterros sanitários como algo avançado tecnologicamente, quando na verdade, é um atraso enorme. Não deveríamos ter aterros sanitários e sim reciclagem química e reutilização.
O que falta no Brasil é política de encorajamento a reciclagem. Temos leis muito fracas de reciclagem, falta de estrutura de fiscalização e aferição independente nos municípios o que faz estatísticas falsas, pois se baseiam em auto declarações de que reciclam seus lixos. Falta política para o encorajamento de técnicas de reciclagem e apoio a instalação de empresas que usam os resíduos sólidos como matéria prima fundamental para a produção de outros materiais.
Oerj: Considerando que estamos diante de um tema “grave” que demanda ações “urgentes”, devemos considerar a importância que as leis possuem como instrumentos de proteção do meio ambiente e da população. Assim sendo, proibir o uso é uma solução?
Prof.José Carlos: Essas leis que proíbem usos do material plástico somente na impressão sem estudos técnicos e científicos podem inclusive serem extremamente prejudiciais ao meio ambiente. Por exemplo, uma lei que bane canudos plásticos devia ser embasada em estudos científicos e técnicos profundos, que mostrassem os reais benefícios da lei e isso não existe, inclusive porque o uso dos canudos plásticos são muito mais ambientalmente corretos que os de papel ou de metal. É necessário que a sociedade compreenda que há lobbys de todos os lados, para promover esse ou aquele segmento industrial e ela acaba participando de forma ingênua desse processo.
Esse não é o momento de proibir o uso ou gerar o banimento desses materiais e sim, de gerarmos bancos de dados e apoiar estudos de instituições sérias que analisam os aspectos da produção desses materiais com seus impactos e da sua reutilização, ou seja do “berço ao berço”, ou de sua produção até seu estado final de transformação: do “berço ao túmulo”. Um estudo que avalie a utilização do canudo de papel sem levar em consideração o desmatamento para a criação de uma monocultura e produzir papel gerando resíduo orgânico é absurdo e induz a uma conclusão completamente errada. Essa lei na verdade atende a lobbys e não ao meio ambiente. É preciso que as Universidades e os grupos de pesquisa participem de forma ativa dessa discussão. Enquanto isso não acontecer, teremos leis que estarão apoiando lobbys de segmentos industriais. A sociedade não deve se deixar escravizar e ficar refém dessa discussão que não é de cunho ambiental. É de cunho econômico e político.
Proibir não é solução. A solução é estudar as diferentes aplicações e os impactos que vão do “berço ao berço” ou do “berço ao túmulo”, considerando a reutilização dos materiais. A análise tem que ser completa e não estar sujeita a pressões de grupos que estão submetidos a algum setor industrial específico.
Oerj: Seu trabalho de pós-doutorado foi realizado na empresa Polibrasil Resinas (atual Brasken). Qual sua visão sobre a indústria do plástico no Brasil em termos de desenvolvimento tecnológico e que contribuição, ambientalmente positiva, ela pode dar para resolver a questão da poluição provocada pelo uso do plástico?
Prof.José Carlos: A indústria do plástico no mundo está ameaçada, em partes por percepções equivocadas da sociedade que parecem entender que a degradabilidade é uma coisa boa e ela não é. A indústria do plástico tem que participar ativamente dos programas de desenvolvimento de estudos de impacto ambiental e disponibilizar esses estudos na internet, para a sociedade tomar conhecimento dos resultados. A maior parte das indústrias do plástico no mundo, estão envolvidas por estarem ameaçadas por essa percepção equivocada da sociedade. O plástico é um material do bem, pois pode ser reciclado facilmente, pode permanecer na cadeia química e econômica de maneira quase que indefinida, desde que não seja descartado e acomodado em um lixão e ou aterro sanitário. É comum discursos contra materiais descartáveis, mas eles representam um avanço na sociedade em vários aspectos, principalmente na área de saúde em geral, aumentando os aspectos de segurança. O conceito fundamental é que o material usado deva ir para o lixo ou que ele deva desaparecer da nossa vista. Ele tem que ser coletado e recirculado após passar por tecnologias existentes e viáveis economicamente. Os exemplos estão para serem vistos em outros países como Japão, Dinamarca, Alemanha, Noruega, Suécia. Não estamos falando de nada revolucionário, de coisa nova. Por exemplo na Alemanha algumas plantas de reciclagem foram fechadas por falta de lixo, tamanha a reutilização do resíduo sólido urbano, em função do esclarecimento da população e da consideração correta que esses materiais são fontes de matéria prima e energia para outros processos. A poluição causada pelo material plástico é essencialmente visual, ele se dispersa num ambiente porque é jogado fora e aí está o equívoco fundamental: nada tem que ser jogado fora. Toda vez que se encontra um material plástico descartado no ambiente, um erro primário foi cometido por alguém que o jogou fora. Isso que temos que combater e não só plástico, mas todo resíduo.
O uso de todos materiais devem ser acompanhados por balanços ambientais detalhados que vão do “berço ao berço” ou do “berço ao túmulo”, considerando todos os aspectos e impactos de toda a cadeia. Esse balanço vai demonstrar que na maioria das aplicações o material plástico vai ganhar dos outros concorrentes. Por isso, utilizamos esses materiais e desenvolvemos tecnologias não apenas para produção deles a partir de fontes renováveis como de suas manutenções na cadeia química por meio da reciclagem química dos processos.