Bom humor, sim. O trote aplicado por veteranos nos calouros das universidades faz parte da nossa história, da nossa tradição. Deve ser - e é efetivamente na maioria dos casos - um exercício lúdico, divertido para os que já estão e os que entram na faculdade.
Mais ainda, o trote pode ter caráter social, seja porque promove a integração entre os estudantes, seja porque pode estimular a participação comunitária. Não faltam bons exemplos. Os calouros dos cursos de Oceanografia da Uerj, por exemplo, são obrigados pelos veteranos a limpar uma praia. Os de Medicina da UFF, a doar sangue ou distribuir preservativos na rua com folhetos explicativos de prevenção da Aids.
Vexame, não. Não podemos aceitar que um ritual originalmente de boas-vindas acoberte exercícios de sadismo, transformando a pessoa humana em alvo de agressão e chacota, expondo-a a diferentes níveis de constrangimento e até submetendo-a a castigos físicos e a atos de violência. Qualquer forma de agressão ou constrangimento deve ser condenada e coibida mesmo sob o disfarce da "confraternização".
É por isso que a lei que proíbe o trote vexatório nas universidades públicas e privadas de todo o estado, aprovada no último dia 12 de março pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, separa o joio do trigo. O projeto, de minha autoria, é claro quando define o sentido de vexatório. Vexatório é expor o calouro a humilhações psicológicas. Vexatório é causar danos físicos aos alunos ou danos materiais a seus pertences. Os autores dessas agressões têm de ser responsabilizados como qualquer outro infrator.
A cada início de semestre letivo a história se repete, e em proporção cada vez mais preocupante. Ainda que aplicados por uma minoria, não foram poucos os trotes que acabaram chegando às páginas dos jornais, como a da jovem estudante de Farmácia da UFRJ, alérgica a produtos químicos e poeira, levada às pressas para o Hospital do Fundão após receber no rosto parte da carga de um extintor de incêndio.
Felizes seríamos se não precisássemos escrever leis apenas para exigir, civilidade dos cidadãos. E se não precisássemos reforçar junto a reitores e professores - homens credenciados para ensinar, para educar - a necessidade de adotar instrumentos que coíbam efetivamente os abusos. Infelizmente, vivemos numa sociedade tomada por conflitos e desvios de valores. O que exige este tipo de intervenção do Parlamento.
A lei aprovada na Alerj será aplicada para evitar que os excessos decorrentes dos desvios de uns e da omissão de outros azedem a tradição do trote e produzam outras vítimas. Ela estabelece - sem prejuízo de outras sanções civis e criminais - multas aos que praticam o trote vexatório e aos estabelecimentos de ensino que, por omissão ou irresponsabilidade, são coniventes a eles.
É sem dúvida uma contribuição da Assembléia fluminense à educação por valorizar um dos seus pilares, que é a preparação para a vida em sociedade. Saber respeitar o próximo e assumir responsabilidades é o mínimo que se espera do convívio social. Sobretudo, do convívio entre gente jovem, que teve acesso à educação e pode alimentar as perspectivas profissionais que uma formação universitária, em princípio, oferece. Uma garotada que pode sonhar com um futuro melhor, com uma carreira de sucesso e, por extensão, com o reconhecimento da sociedade.
Respeito ao próximo e responsabilidade são matérias essenciais ao currículo social. Punir a violência do trote é resgatar seu espírito original. É apostar no bom humor, na alegria, na integração.
Notícia
Jornal do Brasil