Seja pela manhã, no meio da tarde, ou ao final do dia, fazer exercícios físicos sempre trará benefícios à saúde. Para os hipertensos (ou quem tem pressão arterial alta), porém, o período das 18h às 21h pode ser o mais indicado para a prática.
Essa foi a conclusão a quem chegou uma pesquisa brasileira, desenvolvida durante o doutorado do pesquisador Leandro Campos de Brito, na Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP, que recebeu uma menção honrosa da Capes em 2019.
O estudo analisou a resposta do organismo de 50 indivíduos com hipertensão, divididos em três grupos:
- um que praticou exercícios físicos exclusivamente no período da manhã (entre 7h e 10h);
- outro que se exercitou exclusivamente ao fim do dia (entre 18h e 21h);
- e um terceiro que apenas realizou atividades de alongamento estático, ou parado.
Os participantes desse terceiro grupo fizeram parte do chamado “grupo controle” — situação comum nesse tipo de estudo, que permite ao pesquisador verificar se os resultados encontrados são, de fato, válidos.
Todos os indivíduos dos dois primeiros grupos praticaram em um mesmo tipo de aparelho, a bicicleta ergométrica. A atividade progrediu na mesma velocidade, inclusive na intensidade, que foi de leve a moderada. A prática foi realizada três vezes por semana, nos laboratórios da EEFE, durante dez semanas. Ao todo, foram 30 sessões.
“Os dois grupos que fizeram os exercícios na bicicleta, tanto pela manhã quanto ao final do dia, tiveram benefícios no sistema cardiovascular. Observamos redução nos batimentos cardíacos de repouso, com a pessoa sentada, em ambos os grupos. A diferença foi que, em alguns parâmetros, o grupo que se exercitou à noite teve benefícios superiores. Um deles foi [uma maior] sensibilidade do controle barorreflexo”, explicou ao Viver Bem Leandro Brito, que atualmente é pesquisador de pós-doutorado da EEFE/USP.
Para ajudar no controle da pressão arterial, existem células especializadas do Sistema Nervoso Autônomo chamadas de barorreflexo. Quando a pessoa está com a pressão arterial aumentada, há uma distensão e excitação dessas células, que se localizam nas paredes da artéria carótida e do arco aórtico — localizados no pescoço e no coração, respectivamente.
Em uma pessoa com menor sensibilidade dessas células, o controle da pressão arterial fica prejudicado e aumenta-se o risco para eventos cardiovasculares e para doenças cardíacas, como a hipertensão.
Embora, segundo Brito, os benefícios a esse controle barorreflexo tenham aparecido em ambos os grupos, as pessoas que pedalaram no fim do dia tiveram resultados melhores. Da mesma forma, a manutenção da pressão arterial também foi melhor entre os voluntários da noite.
“Essa melhora foi observada tanto na pressão arterial medida dentro do laboratório, com o voluntário sentado, em um ambiente de temperatura controlada, quanto na pressão ambulatorial. Neste caso a pessoa usa um aparelho, chamado de MAPA (Monitor Ambulatorial de Pressão Arterial), durante 24 horas, que foi programado a realizar medidas a cada 15 minutos. Esse tipo de medida reflete o dia real, pois a pessoa é avaliada enquanto está no trânsito, no trabalho, no dia a dia”, explica Leandro.
“É importante deixar claro para as pessoas que os exercícios físicos para hipertensos não valem apenas ao final do dia. Os dois períodos do dia tiveram benefícios. Porém, o período do final do dia promoveu benefícios superiores. Assim, para acelerar algum tipo de resultado, esse período poderia dar uma resposta mais rápida aos hipertensos”, sugere o pesquisador. Por que a pressão arterial é melhor controlada à noite?
À essa dúvida, o pesquisador ainda não sabe responder e é o questionamento que guiará a sequência do estudo. Mas, das hipóteses levantadas, está uma informação já conhecida entre os médicos: os picos de pressão alta que todos temos durante o dia.
“Está bem demonstrado na literatura que a pressão arterial, o sistema cardiovascular e quase todas as funções fisiológicas do corpo apresentam uma variação circadiana. Ou seja, elas têm um comportamento que cicla em torno das 24 horas, denominado de ritmo circadiano, porque somos seres diurnos, que dormimos à noite e acordamos durante o dia. Nosso corpo também responde a esse ritmo”, explica Leandro.
Assim, quando acordamos pela manhã, o nosso corpo entende que é hora de colocar o organismo para trabalhar e perto das 9h ou 10h, temos um aumento na pressão arterial. Ela, então, se mantém estável até por volta das 15h, quando reduz um pouco para aumentar novamente, em um novo pico, por volta das 18h ou 19h. A partir desse horário, o corpo começa a reduzir a pressão e os menores valores podem ser encontrados no meio da noite, normalmente quando a pessoa já está dormindo.
“Então, acreditamos que exista uma janela de oportunidade para que o exercício promova mais benefícios quando realizados ao final do dia. Exstem alguns pesquisadores, e nós fazemos parte desse grupo, que acreditam que cada vez que você faz exercício, há uma somatória de pequenos benefícios. No final de um período, essa somatória culmina em um efeito crônico benéfico ao sistema cardiovascular”, diz o pesquisador.
A pesquisa foi orientada pela professora doutora Cláudia Lúcia de Moraes Forjaz e co-orientada pelo professor John Robert Halliwill, do departamento de Fisiologia Humana da Universidade do Oregon, nos Estados Unidos.
“Eu fui bolsista de doutorado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e sem isso eu não teria a menor condição, o estudo não aconteceria. Eu tinha dedicação mais que integral, chegava às 6h e saía 21h, 22h, todos os dias durante um ano e oito meses. Seria impossível [desenvolver a pesquisa] sem esse auxílio]”, completa Leandro.
Faça exercícios em qualquer horário
Não pode ir para a academia à noite? Não tem problema nenhum, conforme explica José Knopfholz, médico cardiologista da Sociedade Paranaense de Cardiologia e professor de Cardiologia da PUCPR.
“Para o hipertenso, o exercício é um moderador dos níveis de pressão. Fora isso, promove a perda de peso, o que também reduz a pressão arterial, aumenta o HDL, o colesterol ‘bom’, e reduz o risco cardiovascular, de infarto e AVC. É claramente responsável por uma melhora no status de saúde mental da pessoa, melhora a qualidade do sono, do humor e, hoje, está muito claro que os fatores psicossociais também estão relacionados ao risco de infarto. Para o hipertenso, quanto menos fatores associados ao risco, melhor!”, reforça o médico.
Além disso, conforme lembra José Rocha Faria Neto, médico cardiologista e também professor da PUCPR, manter uma rotina fisicamente ativa também impacta positivamente na medicação dos hipertensos.
“Sem dúvida nenhuma [o exercício pode reduzir o número de medicamentos usados pelos hipertensos]. E isso acontece principalmente se a prática for associada à perda de peso. Sobre o estudo, os dados são preliminares e ainda é muito precoce determinar o melhor horário. Hipertenso tem que fazer atividade física no horário que puder”, diz.
Com relação ao horário da prática, o Knopfholz concorda: “o melhor exercício é aquele que o paciente consegue fazer e isso é mais importante de tudo. Mas normalmente a gente recomenda esses dois extremos (de manhã e final da tarde), por causa dos picos de pressão do dia. Não existe um consenso, embora o estudo mostre uma diferença e isso pode direcionar as pessoas que têm a possibilidade na agenda, e são hipertensos, a preferirem ao fim do dia”, explica o especialista.