A realização de testes de triagem auditiva complementares ao exame de Emissões Otoacústiscas Evocadas (EOA) – conhecido popularmente no Brasil como “teste da orelhinha” – pode aumentar a precisão e reduzir os custos do diagnóstico de deficiências auditivas em recém-nascidos.
A conclusão é do estudo “Programa de Saúde Auditiva Infantil: triagem auditiva em crianças de 0 a 3 anos de idade”, realizado por pesquisadores do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Marília, com apoio da FAPESP no âmbito de um acordo com a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV).
Alguns resultados da pesquisa foram apresentados nesta quinta-feira (13/03) durante o I Seminário de Pesquisas sobre Desenvolvimento Infantil.
O objetivo do encontro foi divulgar os resultados de dez projetos de pesquisa selecionados na primeira Chamada de Propostas do Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica firmado entre as duas instituições em 2010 nas áreas de Saúde, Educação, Economia, Pedagogia, Psicologia e Assistência Social.
Também participaram do seminário os coordenadores dos 16 novos projetos aprovados na segunda seleção de propostas, concluída em 2013.
“Além do exame de Emissões Otoacústiscas Evocadas (EOA), a realização de outros testes auditivos pode tornar o diagnóstico de perdas auditivas em recém-nascidos mais preciso”, disse Ana Cláudia Vieira Cardoso, professora do Departamento de Fonoaudiologia da Unesp de Marília e coordenadora do projeto, à Agência FAPESP.
De acordo com Cardoso, a deficiência auditiva é uma das mais prevalentes em recém-nascidos.
De cada mil crianças nascidas vivas nas maternidades brasileiras, estima-se que entre uma e quatro apresentem perda auditiva.
Já em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) neonatal, essa incidência aumenta para entre duas e quatro crianças a cada cem nascidas vidas.
“A deficiência auditiva tem impactos em todos os aspectos e fases da vida da criança, tais como na aquisição e desenvolvimento da linguagem e na socialização”, avaliou Cardoso.
Diagnóstico precoce
A fim de ampliar a possibilidade do diagnóstico precoce de perdas auditivas em crianças, em 2010 foi sancionada a Lei Federal número 12.303, que tornou obrigatório e gratuito o “teste da orelhinha” em todo o território nacional.
O teste permite o diagnóstico de perda auditiva a partir da presença ou ausência de resposta dos recém-nascidos à emissão otoacústica (de sons provenientes da cóclea) produzido por um equipamento portátil, e encaminhar os bebês diagnosticados a um programa de reabilitação auditiva ou de implante de prótese coclear.
O exame, entretanto, ainda não é realizado amplamente nas maternidades e nos municípios brasileiros em razão do alto custo do equipamento – que custa, aproximadamente, R$ 20 mil.
Além disso, há casos em que não é possível fechar o diagnóstico apenas com o teste, e os recém-nascidos são encaminhados para a realização de exames complementares, feitos fora da maternidade.
“Isso torna o diagnóstico mais caro e aumenta a angústia das mães e das famílias dos recém-nascidos, que temem que a criança tenha realmente deficiência auditiva”, avaliou Cardoso.
Para melhorar a metodologia empregada no diagnóstico, os pesquisadores participantes do projeto realizaram um estudo com 645 crianças, nascidas no período de maio a novembro de 2013, na Maternidade Gota de Leite, vinculada à Secretaria Municipal de Saúde de Marília.
Desse universo de crianças, o “teste da orelhinha” não funcionou para 30 delas. Ou seja, não se chegou a um diagnóstico sobre se tinham ou não deficiência auditiva.
Ao submeter essas crianças a um segundo teste, chamado Potencial Evocado Auditivo de Tronco-Encefálico Automático (Peate-A) – realizado por meio de um equipamento comprado com recursos do projeto –, que detecta de forma rápida a presença de respostas auditivas dos recém-nascidos com intensidades mais fracas, os pesquisadores identificaram que apenas quatro tinham, de fato, problemas auditivos.
“Felizmente, nenhuma dessas quatro crianças foi diagnosticada com perda sensório-neural, que é irreversível”, contou Cardoso. “Todos tinham perdas condutivas [que podem ser revertidas ao longo da vida]”, afirmou.
“Se não tivéssemos feito esse exame, provavelmente essas 30 crianças que falharam no ‘teste da orelhinha’ teriam sido enviadas para um centro de diagnóstico e aumentaria a aflição de suas famílias”, estimou.
Os pesquisadores também observaram durante o estudo que crianças nascidas de parto cesárea apresentam maior possibilidade de falhar no “teste da orelhinha” do que os nascidos por parto normal. As razões para isso, no entanto, ainda estão sendo estudadas.
“Isso não quer dizer que crianças nascidas por cesárea têm maior risco de perda de audição por causa deste tipo de parto”, ressaltou Cardoso.
Os resultados do estudo serão apresentados em um encontro da Academia Americana de Audiologia, que ocorrerá entre os dias 26 e 29 de março em Orlando, nos Estados Unidos.
Garantia de diagnóstico
Na avaliação de Cardoso, além do aumento da precisão e da redução do custo do diagnóstico, a realização de exames complementares ao “teste da orelhinha”, como o PEATE-A, antes da alta dos recém-nascidos nas maternidades, também aumenta a garantia de a criança com deficiência auditiva ser diagnosticada e receber tratamento adequado.
Isso porque é muito alto o índice de casos de mães de bebês que falharam no “teste da orelhinha” e que não voltaram ao hospital para realizar um novo teste, contou a pesquisadora.
“Também observamos que, quando a criança passa pelo ‘teste da orelhinha’, mas possui algum indicador de risco de perda auditiva, a mãe não retorna para a realização de um novo exame, e pode ser que essa criança desenvolva perda auditiva progressiva”, contou.
“Quanto mais cedo for feito o diagnóstico, maiores são as chances de minimizar as perdas auditivas e as crianças receberem tratamento adequado”, afirmou.
Os pesquisadores continuarão a acompanhar as quatro crianças que tiveram perda auditiva diagnosticada pelo Peate-A, além de outras com indicadores de risco para deficiência auditiva, como cujas mães tiveram sífilis, rubéola e toxoplasmose, entre outras doenças.
Foco na primeira infância
Dirigida a pesquisadores nas áreas de interesse do acordo entre a FAPESP e a FMCSV, a programação do evento foi composta por palestras sobre propostas de melhorias no sistema de atenção primária à saúde de crianças de até 3 anos, avaliação do impacto de programas e políticas públicas voltados à primeira infância e parcerias com pais e comunidades para implementação dos resultados das pesquisas.
Os projetos, em fase de conclusão, tratam da triagem auditiva, formação de crianças leitoras, nutrição, desenvolvimento motor, violência, necessidades especiais na educação, práticas de enfermagem nas unidades de saúde e detecção precoce de transtornos como autismo, entre outros.
“Um dos objetivos desse encontro é promover a integração dos pesquisadores envolvidos na primeira e na segunda chamadas para conhecer e discutir os resultados e avanços científicos dos projetos, além de identificar possíveis gargalos científicos na área de desenvolvimento infantil tendo em vista pesquisas futuras”, disse Walter Colli, professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador adjunto da FAPESP em Ciências da Vida, na abertura do evento.
Por sua vez, o diretor-presidente da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Eduardo Campos Queiroz, destacou que o acordo com a FAPESP representou a primeira oportunidade da entidade de atuar no campo da pesquisa sobre desenvolvimento infantil.
“Para nós, foi e está sendo um grande desafio atuar nessa área. Temos muita expectativa em relação aos resultados dos projetos”, afirmou.
Fonte: Agência FAPESP