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Observatório do 3° Setor

Ex-feirante se torna pesquisador e estuda vacina para a Covid-19 (32 notícias)

Publicado em 06 de janeiro de 2021

Gustavo Cabral de Miranda foi o primeiro da família a se graduar. Hoje ele tem um pós-doutorado pela Universidade de Oxford e estuda novas tecnologias para a vacina da Covid-19

Aos sete anos, Gustavo Cabral de Miranda já trabalhava na roça da família plantando feijão e milho e, depois, vendendo os alimentos na feira em Tucano, interior da Bahia. Na adolescência, teve a própria banca onde vendia carne.

Repetiu três vezes a oitava série e, aos 18 anos, decidiu que seguiria um caminho diferente dos irmãos, que abandonaram os estudos ainda no fundamental.

Hoje, Gustavo, de 38 anos, mostra os resultados da curva diferente que resolveu fazer. É imunologista, com pós-doutorado na Universidade de Oxford.

Além disso, integra o time de pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, que, em conjunto com o Instituto do Coração (InCor), busca desenvolver uma vacina contra o coronavírus a partir de partículas semelhantes ao vírus, as VLPs (Virus Like Particles).

Um caminho diferente

Após sair de casa aos 15 anos de idade, Gustavo foi trabalhar como ajudante em um açougue e passou a morar em Euclides da Cunha (BA).

Um ano depois já tinha sua banca de carne e, em seguida, comprou a segunda banca, em Monte Santo (BA).

Ele ia para a escola à noite, contudo, não conseguia concluir o ano letivo. A rotina se iniciava às 3h da manhã para ir para o açougue, onde trabalhava até as 15h, para então voltar para casa e realizar seus afazeres.

Após repetir três vezes a oitava série, veio a frustação de não ver perspectiva na vida da forma como estava.

Vendeu as bancas de carne e a moto e voltou para a cidade natal, onde, com a ajuda da família, pode se dedicar somente aos estudos.

Aos 21 anos, quando finalizava o ensino médio, matriculou-se em uma escola privada para se preparar para o vestibular. Prestou e passou em Ciência Biológicas na Universidade do Estado da Bahia, no campus do Senhor do Bomfim.

Gustavo se tornou o primeiro da família a se graduar. Em seguida, fez mestrado em imunologia na Universidade Federal da Bahia, com foco em doenças parasitárias e nanotecnologia.

O doutorado foi na USP, em São Paulo, em imunologia. Tinha bolsa de pesquisa e morava na residência universitária.

Com o doutorado finalizado na USP, foi aceito em um pós-doutorado na Universidade de Oxford, no Reino Unido. Ficou lá três anos e meio trabalhando com vacinas no Instituto Jenner, referência mundial e onde foi desenvolvida a Vacina de Oxford, licenciada pela farmacêutica AstraZeneca.

O foco de sua pesquisa foram as VLPs. Essas partículas possuem características semelhantes às de um vírus e, por isso, são facilmente reconhecidas pelo sistema imunológico.

Contudo, elas não têm o material genético do agente infeccioso, o que impossibilita replicação. Por isso, são seguras para o desenvolvimento de vacinas.

No final de 2019, Miranda teve seu projeto sobre o uso das VLPs aplicadas em vacinas para o vírus da zika e da chikungunya aprovado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Em março de 2020, com a pandemia de Covid-19, mudou o alvo para o agente infeccioso do novo coronavírus.

Embora a tecnologia das VLPs ainda não seja aplicada em nenhuma vacina contra o coronavírus em estágio avançado, o pesquisador vê boas possibilidades para o futuro.

Da bancada do laboratório, Miranda se entusiasma com a resposta rápida que a ciência deu para o desenvolvimento de vacinas contra o coronavírus, mas, ao mesmo tempo, teme a pressão política em torno da imunização.

Ele teme que se ocorrer algum problema de saúde pública envolvendo alguma das vacinas, o problema será usado como arma por movimentos antivacinas.

Em 2021, além da pesquisa, Miranda lecionará no doutorado do Departamento de Biotecnologia da USP uma disciplina sobre o desenvolvimento de vacinas e de diagnóstico, usando nanotecnologia.

Fonte: Folha de S. Paulo