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Jornal da Unesp

Evento reúne quatro prêmios Nobel (1 notícias)

Publicado em 01 de outubro de 2011

Não é exagero dizer que pessoas de todas as partes do mundo estavam presentes ao São Paulo Advanced School on Chemistry. O evento, organizado por Vanderlan Bolzani, professora do Instituto de Química da Unesp, Campus de Araraquara, e sediado pela Unicamp, de 14 a 18 de agosto, reuniu quatro ganhadores do Nobel de Química e quase 170 especialistas oriundos de 28 países, incluindo o Brasil. Realizado em conjunto por Unesp, USP, Unicamp e Universidade Federal de São Carlos, o encontro estimulou o estabelecimento de parcerias. A ação foi patrocinada pela Fapesp como parte do programa São Paulo School of Advanced Science e teve o apoio da Sociedade Brasileira de Química. Neste Fórum, reunimos entrevistas com quatro premiados com o Nobel de Química: o japonês Ei-lshi Negishi, em 2010; a israelense Ada Yonath, em 2009; o americano Richard Schrock, em 2005; e o suíço Kurt Wüthrich, em 2002. Para Vanderlan, a iniciativa é um marco da celebração de 2011 como o Ano Internacional da Química. (Textos e entrevistas de Cinthia Leone.)

Laços com a comunidade científica

Gostaria que vocês pensassem no Brasil como um destino para construir suas carreiras científicas. Temos excelentes propostas, bolsas, linhas de financiamento e outras possibilidades de intercâmbio, cooperação ou permanência", afirmou Glaucius Oliva, presidente do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Ele sublinhou o interesse do governo brasileiro em estreitar laços com a comunidade científica internacional ao dizer que o país pretende investir maciçamente em pesquisa.

A fala repercutiu na platéia de 170 pessoas, formada, em grande parte, por cientistas estrangeiros, a maioria deles jovem. Representantes de Unesp, USP, Unicamp e Universidade Federal de São Carlos reforçaram o convite feito por Oliva para que os especialistas presentes permanecessem no Brasil.

Os congressistas eram em sua maioria estudantes do nível de doutorado, mas havia mes-trandos, graduandos, pós-doutorandos e professores. Foram selecionados pesquisadores de universidades brasileiras de diferentes Estados. Da Unesp, estavam presentes 13 alunos do Instituto de Química (IQ), Campus de Araraquara, e uma estudante do Instituto de Biociências, Câmpus de Rio Claro.

A organização arcou com as despesas dos convidados. A iniciativa é parte do programa São Paulo School of Advanced Science, mantido pela Fapesp. O projeto prevê a realização de encontros com palestrantes renomados de diferentes áreas da ciência. Para esta edição, os participantes passaram por uma seleção que levou em conta os seguintes critérios: Brea de estudos,- análise do currículo e das pesquisas realizadas; carta de recomendação; e possibilidade de prosseguir com os estudos em instituições paulistas.

Para a organizadora do evento, a professora Vanderlan Bolzani, do IQ, a reunião foi uma oportunidade para que os pesquisadores brasileiros possam criar contatos com cientistas renomados. "Também é uma chance única para que os estudiosos do exterior conheçam de perto um pouco do que estamos produzindo", disse.

Prêmio também interessa ao país

Entrevista: Ei-Ishi Negishi

Jornal Unesp: Como seu trabalho influenciou a ciência e a tecnologia?

Ei-Ishi Negishi: Dou mais ênfase à ciência em detrimento da tecnologia, mas essa ciência está amplamente disponível para ser usada na fabricação de medicamentos e eletrônicos, por exemplo.

JU: Mas sua descoberta é uma tecnologia importante para a indústria farmacêutica, certo?

Negishi: O que eu fiz foi chegar à transformação orgânica. Os industriais já vislumbravam as aplicações que poderiam ser viabilizadas se fosse possível criar essa malha de material orgânico que temos agora. Minha contribuição foi dizer como desvendar a fórmula, a reação que deveria ser produzida. O que sempre me motivou foi a busca desse "como fazer". Resolver problemas era meu sonho!

JU: Como o senhor vê a relação entre a liberdade acadêmica e o direcionamento das pesquisas para o desenvolvimento de novas tecnologias? É possível um equilíbrio?

Negishi: Primeiro, não se deve esquecer que a missão mais elementar da universidade é a educação. No que diz respeito à pesquisa, as universidades devem ter liberdade, e os professores devem ter sua própria mente. Isso vale para todo o mundo, mas eu posso falar mais sobre o modelo japonês, que eu conheço melhor. No Japão, a universidade não funciona em algumas áreas como deveria, e o governo está começando a fazer um programa para limitar as atividades universitárias. Havia centenas de universidades de pesquisa no Japão, e o governo achou que eram demais - provavelmente esse pensamento estava correto. Agora são apenas trinta. Se esse é um número apropriado, eu não sei. Claro que países que prosperam em economia devem ter um máximo de instituições de pesquisa. Mas um número alto que vai além do necessário pulveriza os investimentos.

JU: O que aconteceu com os pesquisadores dessas universidades? Eles tiveram que sair do Japão?

Negishi: Não estou tão familiarizado com isso, mas fui contratado como consultor especial da Universidade de Hokkaido, umas das Sete Universidades Nacionais [kokuritsu nana-daigaku ou National Seven Universities é um grupo de sete instituições consideradas as mais importantes do Japão, também conhecidas como Sistema Universitário Imperial Japonês]. Dei os principais conselhos e tracei diretrizes para que a instituição se preparasse para essa nova realidade.

JU: Como o prêmio Nobel mudou sua vida?

Negishi: Eu já tinha conquistado outros prêmios, mas nada se compara ao impacto que o Nobel teve na minha carreira. Acho que é muito importante também para o país. Me lembro quando o primeiro japonês ganhou o Nobel em 1949 - eu tinha 14 anos. Aquilo me impressionou e influenciou minhas escolhas nas décadas seguintes.

JU: De que forma países em desenvolvimento contribuem para a ciência?

Negishi: Todo país pode! Mas na ciência, essas lideranças levam mais tempo para se consolidar. O Brasil levará muitas décadas para chegar a um patamar de vanguarda. Algum cientista brasileiro já ganhou o prêmio Nobel?

JU: Ainda não.

Negishi: Isso é um sinal, não? No Japão, o primeiro prêmio foi conquistado apenas quatro anos após a Segunda Guerra Mundial. O país estava devastado, não havia educação, infra estrutura, nada.

JU: Mas os estudos que levaram ao prêmio já tinham sido feitos antes desse período, não?

Negishi: Sim, claro, mas estávamos perseguindo esse ideal.

JU: Você tem alguma cooperação com grupos brasileiros?

Negishi: Não tenho, mas vejo que há muita coisa acontecendo. Esse evento é um exemplo. Não é nada fácil reunir quatro prêmios Nobel de uma só vez. Eu me perguntava: como eles conseguem fazer isso? Esse tipo de ação é memorável e gera impactos para os estudiosos aqui presentes.

Estudos ajudaram análise antidopping

Entrevista: Kurt Wüthrich

Jornal Unesp: Como você iniciou sua carreira como cientista?

Kurt Wüthrich: Eu praticava e era técnico de futebol, natação e esqui, e ensinava essas modalidades em uma escola para meninas. Aos 28 anos, sofri uma lesão e comecei a estudar química com mais interesse. Minhas atenções estavam voltadas ao blood-doping ou self-doping [chamado no Brasil de doping sanguíneo]. Peguei uma amostra de meu sangue quando eu estava me exercitando em uma altitude elevada e comparei com meu sangue retirado em uma baixa altitude. Como há menos oxigênio nessas áreas altas, o organismo é forçado a produzir mais hemoglobinas para que se possa respirar. Ao extrair o sangue nessas condições e injetá-lo numa baixa altitude, é possível melhorar o desempenho. Durante anos foi muito difícil comprovar essa infração. Minhas pesquisas nessa área me tornaram famoso e me deram a oportunidade de trabalhar em comitês antidoping.

JU: Quais os maiores desafios da química atualmente?

Wüthrich: A ideia geral que se faz da química está relacionada aos acidentes industriais, ao impacto na qualidade dos produtos comestíveis, às substâncias tóxicas. Temos que conquistar ou reconquistar o apoio da população e otimizar todos os recursos técnicos disponíveis para evitar danos ambientais.

JU: Qual é a influência dos seus estudos para o setor produtivo?

Wüthrich: O impacto mais direto é na indústria farmacêutica, particularmente na Suíça e na Alemanha. É muito bom ter uma companhia que financia seus experimentos, seu grupo de estudos.

JU: Como o senhor vê países em desenvolvimento como o Brasil na ciência e tecnologia?

Wüthrich: Houve uma contribuição formidável dos cientistas brasileiros para o desenvolvimento da base da genômica. Também teve uma grande evolução em ciências naturais. Aqui, há cientistas fora do comum e também institutos individuais muito bons. O problema é que, muitas vezes, o trabalho desses grupos é abruptamente interrompido. Tem um público

jovem excepcional se dirigindo para a ciência, mas é necessário ampliar esse leque, o que só pode ser feito com a melhoria das escolas elementares e de nível médio. É muito difícil fazer pesquisa de ponta em nível de doutorado partindo de uma graduação medíocre.

JU: O senhor poderia falar um pouco sobre a importância da cooperação científica internacional?

Wüthrich: Eu sei que o Brasil tem negociado para participar do CERN [Organização Europeia de Pesquisa Nuclear]. È uma boa oportunidade, em especial, para os físicos brasileiros. O intercâmbio de pesquisadores é outra iniciativa que traz resultado. Na Suíça, temos 80% de nossos professores universitários estrangeiros.

Trabalho foi divulgado pelo Nobel

Entrevista:Ada Yonath

Jornal Unesp: De que forma um prêmio Nobel altera a vida de um cientista?

Ada Yonath: No meu caso, a motivação para fazer ciência não mudou, mas a exposição do meu trabalho aumentou significativamente. Sem esse prêmio, você provavelmente não estaria falando comigo agora. Essa é a grande mudança - mais visibilidade e muito mais responsabilidade também.

JU: Como você vê a contribuição de países em desenvolvimento como o Brasil para a ciência mundial?

Ada: Não acho que existam países diferentes para a ciência. Apenas há pessoas que entendem e que não entendem a natureza.

JU: É então mais fácil ser um cientista em um país rico?

Ada: Eu não quis dizer isso. Mesmo assim, não acho que o Brasil seja um país subdesenvolvido. Vocês já atingiram níveis extraordinários aqui pelo que eu tenho observado. No meu país eu também enfrento problemas quanto ao financiamento à pesquisa, porque o governo tem suas prioridades. Nunca é fácil conseguir investimento em ciência básica - eles querem ciência rápida! Uma pesquisa pode demorar muitos anos para chegar a boas conclusões.

JU: Há alguma cooperação com cientistas brasileiros?

Ada: Neste momento não, mas estive presente aqui em um encontro recente e já fiz alguns bons contatos. 0 Brasil tem todas as condições de ter mais força na ciência.

JU: Que conselho você daria aos jovens cientistas do Brasil?

Ada: Paixão! Não apenas para os pesquisadores, mas para qualquer jovem profissional. É ótimo ganhar dinheiro, não vou dizer que não valorizo meus salários, mas o trabalho precisa ser mais do que isso.

Ciência dá preparo insuperável

ENTREVISTA: Richard Schrock

Jornal Unesp: O que muda depois de um prêmio Nobel?

Richard Schrock: Viajo muito para diferentes países, e as pessoas reconhecem a minha carreira. Não ganhei mais dinheiro para pesquisas, mas certamente tive mais oportunidades de trabalho na minha área e pude começar minha própria companhia.

JU: O senhor trabalhou como pesquisador para a DuPont, certo? Como o senhor vê essa interação entre setor produtivo e academia?

Schrock: Uma empresa quer fazer dinheiro, certo? Na academia, ciência é a coisa mais importante. Essa é a principal diferença. Não acredito que uma visão industrial seja base para um cientista. É a ciência que dá a preparação para fazer seja lá o que for, porque ela é mais forte e ensina mais do que experiências no setor produtivo. Houve um tempo em que a indústria fazia ciência básica. Como você mencionou, eu mesmo cheguei a trabalhar como cientista para empresas como a DuPont. Mas esse tempo acabou.

JU: No Brasil, existe a necessidade de produzir tecnologia própria, em vez de importar, e há quem diga acham que a Universidade deveria trabalhar a favor dessas demandas industriais. Qual a sua opinião?

Schrock: Há três áreas bem distintas: academia, indústria e, entre elas, o empreendedorismo. Neste, há pessoas que, muito provavelmente, saíram da área acadêmica, descobriram coisas lá que as levaram a fundar suas próprias empresas. Essas companhias podem ser úteis para o setor produtivo porque crescem e mudam as formas de consumo. Agora, a indústria não pode dizer ao mundo acadêmico o que ele deve fazer - isso seria uma insanidade! Há movimentos como esse em algumas partes do mundo, onde empresas recrutam cientistas para solucionar problemas práticos por um período relativamente curto, mas isso não funciona a longo prazo. Seria uma política científica desastrosa e não levaria a progressos.