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UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas

Evento na Unicamp mostra múltiplas formas de engajamento com a música (1 notícias)

Publicado em 03 de maio de 2019

Por Luiz Sugimoto | Unicamp

“Musicar local – aprendizagem e prática” foi o tema que movimentou durante quatro dias o campus da Unicamp e locais fora dele, com palestras, oficinas e espetáculos chamando atenção para as múltiplas formas de engajamento com música, para além da performance e da criação – como produção, escuta, crítica e pesquisa. O conceito de “musicar local” se inspira no trabalho da antropóloga Ruth Finnegan, que fez um estudo intensivo sobre “música local”, e Christopher Small, que cunhou a palavra musicking (ou musicar). Trata-se de uma linha de pesquisa em que se procura investigar como o musicar constrói a localidade e como é construído por ela.

Os eventos ocorridos de 01 a 04 de maio resultaram da inédita parceria entre o 9º Encontro da Associação Brasileira de Etnomusicologia (ENABET) e o 12º Encontro de Educação Musical da Unicamp (EEMU), reunindo a comunidade acadêmica engajada no projeto temático Fapesp “O Musicar Local – Novas Trilhas para a Etnomusicologia”, que é sediado no IA/Unicamp, IEB/USP e LISA/USP. O ENABET é patrocinado pela Associação Brasileira de Etnomusicologia (ABET), único colegiado dedicado exclusivamente a esta área de estudos no Brasil, e o EEMU, um evento anual idealizado por alunos de graduação do curso de Licenciatura em Música da Unicamp.

“É inusitado o fato de termos juntado o ENABET e o EEMU das professoras Adriana Mendes e Silvia Nassif, o que gerou todo esse interesse pelos eventos, inclusive demonstrando o potencial de se pensar o aprendizado musical dentro de um contexto social, e também o quanto o contexto social é um ambiente de aprendizado tanto formal como informal”, afirma a professora Suzel Reily, responsável pelo projeto temático Fapesp e que participou da organização dos eventos. “Vimos este ‘Musicar local’ como uma oportunidade de democratizar as discussões que o grupo do projeto vem fazendo – e isso acabou num evento bem grande, com quase 300 inscritos. Foram 21 painéis especificamente de etnomusicologia, nove mais voltados à educação musical, outros seis de mostras de filmes e oito oficinas.”

Estiveram presentes duas convidadas internacionais. A professora Kay Kaufmann Shelemay (Harvard University), concedeu a palestra de abertura, “Reinventando o Local: músicos do Chifre da África na diáspora norte-americana”. A professora Patricia Campbell (University of Washington) deu a palestra de encerramento, “Em busca da interface entre música e aprendizagem: cruzando disciplinas, campos e práticas”.

Kay Shelemay é docente em Harvard desde 1992, sempre atuou dentro da Sociedade Norte-Americana de Etnomusicologia e possui uma infinidade de publicações, trabalhando inicialmente na Etiópia, com questões de música e memória, e depois na diáspora, com etíopes em diversas partes do mundo, mas principalmente nas comunidades dos EUA. Seguindo na vertente da memória e também do papel da religião para sua preservação, a professora atuou junto a grupos de judeus sírios, atentando que existe uma comunidade grande deles em São Paulo. Ela ostenta ainda uma produção importante na preparação de material didático para o ensino de etnomusicologia.

“Como o tema da conferência foi música local, falei sobre como os imigrantes – me referindo principalmente aos Estados Unidos, mas acho que acontece também em outros lugares – reimaginam e reinventam a música local e como eles adaptam suas próprias tradições, acabando por se tornarem parte do novo local”, explica Kay Shelemay, que tratou ainda do que chama de “músicos-sentinelas”. “Eu segui por 45 anos músicos que foram obrigados a emigrar da Etiópia, Somália e Eritreia [no Chifre da África] e que não fazem apenas música: eles estabelecem novas instituições, criam redes de apoio, ajudam outros a emigrar. Existe um histórico na Etiópia de que músicos são guardas e guias, e eu os chamo de ‘músicos-sentinelas’, que vigiam e cuidam de outras pessoas. Espero que seja uma forma de chamar atenção para o papel desses músicos não apenas na música, mas para além dela.”

Patricia Campbell, por sua vez, é uma etnógrafa que escolheu trabalhar com grupos de crianças e em diversas partes do mundo, ao contrário da maioria dos pesquisadores da área, que escolhem determinado lugar e ali permanecem. A professora da Universidade de Washington desenvolveu muitos trabalhos de etnografia infantil, desde material para professores em salas de aula, visando disseminar uma noção de respeito ao próximo e das maravilhas criadas por estas crianças de outras partes do mundo, até trabalhos acadêmicos bastante consistentes para seus pares.

“Hoje [sexta-feira] vou promover uma oficina e amanhã uma palestra, ambas sobre como fazer com que estudantes e professores de música se interessem pelo trabalho que musicólogos realizam ao redor do mundo”, antecipa Patricia Campbell. “Como fazer com que praticantes amadores ou estudantes de universidades, que têm experiência em violino, em piano, conheçam a música da Etiópia ou do Brasil? Claro que meu trabalho é com professores americanos e seus alunos, e fico me perguntando como equilibrar a atenção que demos à música clássica ocidental com toda a música que vem de outros lugares, através de muito treino, mas de treinamento completamente diferente, com experiências completamente diferentes.”