É tendência mundial e o Brasil não foge à regra: estamos vivendo num mundo cada vez mais de idosos. Dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, no ano de 2000, para cada idoso, 12 brasileiros estavam na idade potencialmente ativa (15-64 anos). Já em 2050, as projeções sinalizam que serão pouco menos de 3 habitantes na fase ativa para cada idoso. As derivações deste cenário de envelhecimento são temas de medidas que necessitam ser tomadas hoje.
Para discutir o tema e as providências necessárias para lidar com esse panorama, a Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP promove, do dia 15 a 17, o Seminário Internacional Envelhecimento e Saúde Pública. O evento inclui mesas e conferências trazendo temas como fragilidade e dependências; cuidados inovadores; cuidados de longa duração; questões jurídicas relacionadas; apresentação de programas de assistência existentes; desafios para as políticas públicas; e experiências internacionais.
As inscrições podem ser feitas pelo site da Faculdade.
Segundo Maria Lúcia Lebrão, professora da FSP e uma das organizadoras do evento, os governos brasileiros, em linhas gerais, não têm olhado para o assunto com a atenção devida. "Se eles olhassem, fariam uma agenda para o envelhecimento. Isso não implica cuidar só do idoso. Deve-se promover a natalidade e dar condições para que essa criança sustente o país. Deve-se fornecer condições para que o idoso envelheça, e envelheça bem".
O envelhecimento populacional ocorrido em países desenvolvidos apresenta crescimento estável ao longo da história. Já o Brasil, que sofreu um forte aumento demográfico, hoje se depara com um número crescente de pessoas com mais de 60 anos em sua população. No período de uma geração, o idoso enquanto grande massa populacional simplesmente "apareceu" no país.
Até o século passado, pôde-se observar a situação em que os mais velhos simplesmente adoeciam e invariavelmente morriam logo. Os atuais avanços tecnológicos na produção de remédios e de melhoria de qualidade de vida impulsionaram o aumento da expectativa de vida, fazendo com que idoso seja uma figura cada vez mais presente na sociedade. Simultânea a essa situação, observa-se a redução do número de nascimentos, o que leva a um futuro desequilíbrio entre jovens e velhos.
Yeda Duarte, professora da Escola de Enfermagem (EE) da USP e também participante do seminário, concorda que o Brasil parece não ter se dado conta desta realidade, ao menos do ponto de vista da saúde pública. "A população está envelhecendo numa velocidade incrível. E o Brasil está muito lento ao assumir a questão do envelhecimento e todos os problemas que isso pode trazer em questões de demanda de serviços" afirma Maria Lúcia.
Hoje, o sistema público de saúde, que tem o hospital como seu centro nervoso, apresenta sérios problemas. Filas e mau atendimento são o cotidiano de muitos hospitais públicos. "Se continuarmos nesse esquema hospitalocêntrico, não daremos conta da demanda. Hoje, aliás, já não damos conta. Muitos hospitais lotados se recusam a atender idosos. Isso é uma realidade" observa Maria Lúcia. Yeda ainda ressalva que, apesar de ser o local para onde o idoso é levado, o hospital pode se tornar o pior lugar para a sua saúde. "No hospital o idoso estará exposto a mais infecções, permanecerá por muito tempo e sairá funcionalmente mais dependente".
FSP é sede de estudo sobre idosos
Preocupada com a questão do idoso no futuro, a Organização Panamericana de Saúde deu início em 1999 ao projeto Sabe (Saúde, Bem-estar e Envelhecimento). Com cárater multicêntrico, o projeto de teve como objetivo compreender a situação do idoso na América Latina. Sede da pesquisa realizada no Brasil, a Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP foi a única entre os centros de pesquisas capaz de dar continuidade ao trabalho.
Com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Ministério da Saúde, foi traçado um estudo longitudinal da vida e da saúde do idoso na cidade de São Paulo. Atualmente, utilizando-se os questionários feitos pessoalmente com mais de 2000 idosos, busca-se promover maior integração entre pesquisas sobre o envelhecimento e projetos de saúde pública.
Por isso, medidas alternativas à internação hospitalar são necessárias em nome da saúde do idoso e do próprio sistema público. As professoras lembram de projetos como o que financia acompanhantes de idosos. Nele, em vez de se internar o idoso que necessita de cuidados básicos, como auxílio para o banho ou alimentação, um ajudante realiza esse trabalho na casa do idoso.
Outro projeto modelo é o que a Prefeitura de Joinville (SC) realiza, fornecendo aos idosos um aparelho que se usa como colar ou pulseira. Em caso de passar mal, o idoso pressiona um botão no aparelho e um alarme soa numa instituição de saúde pública, permitindo assim o seu pronto atendimento.
Fazer com que o sistema de saúde pública esteja presente na vida do idoso não apenas na forma do hospital, mas como um atendimento prévio, aparece como uma forte proposta para o cenário que se desenha. "O serviço de saúde pública deve chegar ao idoso antes que ele tenha que buscar ajuda. Uma nova estratégia deve ser assumida", aponta Yeda.
Fragilidade e dependência
Enquanto o Brasil discute a necessidade de investimento em saúde pública, alguns países desenvolvidos já passaram dessa etapa e trabalham com medidas práticas para a inclusão do idoso. Não apenas o idoso, mas especificamente o idoso frágil. É essa parcela de idosos que gera maiores demandas de serviços saúde pública.
Essa demanda de cuidado a idosos frágeis existe, mas muitos funcionários do sistema público brasileiro de saúde não tem ao menos o conhecimento para tratá-los de maneira adequada. Serão esses idosos que se tornarão dependentes de outras pessoas.
Para a professora Yeda, "acredita-se que as pessoas têm medo de morrer, mas quando se envelhece, perde-se o medo de morrer, e adquire-se o pavor de ficar dependente de alguém. Ninguém imagina que um dia vá ficar dependente". Ainda segundo a professora, a questão da dependência do idoso (sua necessidade para que outra pessoa o alimente, o vista ou dê banho) é confundida com a perda de sua autonomia. Deste idoso é retirado o que mais lhe é sagrado: a possibilidade de deliberar sobre a própria vida.
A chance de vermos cada vez mais idosos em atividades, mesmo depois dos 70 anos, surge como uma tendência natural. Porém, as professoras apontam para o fato de que nem todos os idosos chegarão a esta idade podendo usufruir de saúde plena. "Não pode ser igual na televisão, onde as velhinhas nadam com tubarão. Só se mostra o idoso bem e saudável. Nós temos que ver que existe um outro lado. E que, para esse outro lado, que é o que mais precisa, nada está sendo feito" afirma Yeda. Maria Lúcia complementa que se cria na mídia uma caricatura do idoso. "É possível chegar a uma velhice saudável, mas não podemos esquecer que não é todo idoso que será assim. E é para essa parcela que a saúde pública deve olhar".
Serviço
O Seminário Internacional Envelhecimento e Saúde Pública ocorre entre os dias 15 e 17 na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP (Av. Dr. Arnaldo, 715, Cerqueira César, São Paulo). O custo para participação é de R$ 120,00 para profissionais e R$ 60,00 para estudantes.
A programação completa e os procedimentos para inscrição estão disponíveis no site da Faculdade. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 3061-7724 ou email hep@fsp.usp.br Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo. .