Notícia

Agência C&T (MCTI)

Etanol não tem sustentação ambiental

Publicado em 13 abril 2008

Por Lázaro Jr.

Araçatuba - A produção de etanol a partir da cana-de-açúcar é ou não é sustentável? Com o objetivo de encontrar a resposta para essa pergunta, a pesquisadora Consuelo Fernandez Pereira estudou durante quatro anos toda a cadeia produtiva do combustível, levando em conta as condições do Estado de São Paulo.

O trabalho foi financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), dentro do projeto temático Ecoagri (Diagnóstico Ambiental da Agricultura no Estado de São Paulo - Bases para um Desenvolvimento Rural Sustentável) e sua conclusão foi apresentada como tese de doutorado à FEA (Faculdade de Engenharia de Alimentos) da Unicamp (Universidade de Campinas).

Segundo a autora, a produção de cana-de-açúcar e do etanol está, sim, associada a vários impactos ambientais e sociais. Cálculos feitos por ela mostra que a renovabilidade do sistema produtivo de etanol no estado de São Paulo é de somente 35%. "Isso significa que somente 35% dos recursos utilizados pelo sistema são realmente renováveis, enquanto os outros 65% não são. É uma renovabilidade muito baixa e as conseqüências são muitas", afirma.

Consuelo informa que na pesquisa estudou de forma integrada a etapa agrícola, o transporte de matéria-prima, o processamento industrial, a distribuição e o consumo, tendo como base as médias do estado para a safra 2005/2006.

Para isso, consultou a literatura sobre o assunto, fez visitas de campo, entrevistas com profissionais da área, fabricantes de equipamentos, produtores rurais, técnicos da indústria, transportadoras, entre outros profissionais. "A metodologia que utilizei relaciona tais impactos com o produto final", informa.

Os impactos são avaliados para cada litro de etanol e uma das matérias-primas analisadas é a água. De acordo com a pesquisadora, para cada litro de etanol produzido são necessários 18 litros de água, volume que considera muito grande tendo em vista o total do combustível produzido no estado.

Sobre o solo, ela não calculou a perda de fertilidade, mas sim a perda de solo fértil que ocorre todo ano devido à erosão pelo cultivo da cana. Relacionado ao produto final, a estimativa dela é que se perde o correspondente a 1,81 quilos de solo por litro de etanol produzido. "Imagine quanto de solo se perde para encher o tanque de um carro", comenta.

AR - A pesquisadora também considerou em seu trabalho que tanto na produção da cana, como no processamento de etanol, utiliza-se combustível fóssil, provocando a emissão de CO2 na atmosfera. Os cálculos feitos por ela apontam que para cada litro de etanol se utiliza 0,08 quilos de combustível fóssil (gasolina, diesel ou óleo).

Além disso, cita que se por um lado as lavouras de cana absorvem CO2 pela fotossíntese durante seu crescimento, todo material absorvido é emitido novamente para a atmosfera durante a queima da palha e do bagaço na usina; na fermentação; e também durante a queima do etanol pelos veículos.

Consuelo explica ainda que quando não ocorre a queima do canavial antes da colheita, o carbono da biomassa é incorporado ao solo e utilizado nos próximos ciclos. "O canavial não imobiliza o carbono como fazem as florestas. Ele apenas o retira da atmosfera por um curto período de tempo", afirma.

Ela lembra também que há consumo de combustível fóssil indiretamente, como no uso de equipamentos e na aplicação de fertilizantes, pesticidas e insumos, resultando em emissões de CO2. "Claro que as emissões decorrentes da produção e uso do etanol são menores do que no caso da gasolina ou do diesel, porém elas efetivamente ocorrem", argumenta.

Como a pesquisa foi feita com base na safra 2005/2006, não foi considerada a adição do biodiesel ao diesel, que passou a ser feita este ano. Entretanto, a autora da pesquisa comenta que mesmo que a produção e uso de biodiesel resultem em menores volumes de CO2 emitidos, há consumo de combustível fóssil na produção de biomassa para a produção de biodiesel.

SOLUÇÕES - Uma das alternativas sugeridas por Consuelo para minimizar os impactos gerados na cadeia produtiva do etanol é a adoção de práticas agrícolas mais adequadas, como a agricultura orgânica, que pode resultar em menor volume de emissões de poluentes.

Ela também cita a manutenção de áreas de mata nativa e a regeneração de mata associada à área de cultivo da cana como forma de compensar as emissões decorrentes do uso de combustíveis, pois elas absorveriam o volume extra de emissões.

Apesar do fim das queimadas trazerem uma série de importantes melhorias, na opinião dela, isso não altera o cálculo de emissões de CO2.

Na opinião dela, uma das formas de reduzir as emissões de CO2 na atmosfera é adotar modelos produtivos com número maior de usinas de menor capacidade, que sejam distribuídas em uma área geográfica maior, o que diminuiria a etapa de distribuição.

Consuelo também chama a atenção para o fato dos impactos negativos gerados pelos sistemas de produção do etanol atingirem apenas as regiões produtivas, enquanto as vantagens do uso do biocombustível trazer benefícios globais. "A população local é afetada pelas conseqüências negativas da produção de cana-de-açúcar, sem que haja uma compensação adequada", conclui.

Apesar dos impactos ambientais, álcool é o melhor biocombustível

Ao mesmo tempo em que aponta os impactos ambientais provocados pela produção do etanol, a pesquisadora Consuelo Fernandez Pereira considera que o produto fabricado no Brasil ainda é a melhor opção de biocombustível disponível comercialmente.

Ela comenta que o sistema produtivo do etanol brasileiro é bastante integrado e eficiente, pois os resíduos industriais são reaplicados para a lavoura e o bagaço é utilizado para gerar vapor e energia elétrica pelas usinas. Além disso, trata-se de uma tecnologia brasileira, desenvolvida no Brasil e por isso não é necessário pagar royalties a nenhum país ou multinacional.

O motivo que a levou a estudar a cadeia produtiva do etanol foi o fato de a mídia tratar esse biocombustível estratégico para o País como sendo renovável. Porém, diz que o trabalho dela não tem como objetivo condenar o etanol e muito menos pregar o fim de seu uso.

"Os resultados devem ser vistos como subsídio para desenvolvimentos futuros tanto no que diz respeito à tecnologia e eficiência, como na preparação e adoção de políticas públicas visando o tão almejado desenvolvimento sustentável nos eixos econômico, ambiental e social", comenta.

A pesquisadora cita que o objetivo da implantação do Proálcool, na década de 1970, era apenas substituir o petróleo por etanol brasileiro, sem nenhuma preocupação ambiental. Entretanto, hoje as questões ambientais e sociais devem ser consideradas e é preciso se desenvolver uma fonte energética renovável, produzida com o menor impacto ambiental e com o menor custo social possível.

Consuelo concorda que muita coisa vem mudando na produção do etanol desde que iniciou a pesquisa. A análise dela, por exemplo, leva em consideração que na safra 2005/2006, 15% da colheita da cana no estado era feita de forma mecanizada, mas de acordo com o governo do estado, na última safra a mecanização já atingiu 50% das lavouras.

Ela explica que a mecanização traz uma série de vantagens, como a redução da poluição do ar nas regiões afetadas, melhora da condição do solo e ainda possibilita o uso da palha da cana para gerar energia. "Ou seja, melhora a eficiência do sistema produtivo", diz.

Porém, afirma que somente a mecanização não é suficiente, pois deve-se considerar a intensidade de uso de recursos na etapa produtiva das lavouras de cana, como fertilizantes, pesticidas, herbicidas, água e solo, além dos impactos ambientais associados.