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Agência USP de Notícias

Estudo traz um novo olhar sobre a obra de Lúcio Cardoso (1 notícias)

Publicado em 27 de setembro de 2011

Pesquisa une literatura, história e psicanálise para abordar as personagens femininas nas obras do romancista mineiro Lúcio Cardoso. Protagonistas ou não, as personagens femininas se revelam insatisfeitas com seus contextos sociais e suas vidas. Não à toa, o autor promove a todo tempo um texto repleto de ambiguidades que retrata a complexidade da mulher. Sob uma nova perspectiva, a pesquisadora e crítica literária Elizabeth Penha Cardoso vai além e diz que “diferente do que a maioria pensa, a prosa de Lúcio Cardoso não foi apenas laboratório para a “Crônica da casa assassinada (1959)” do próprio autor, mas sim para títulos de grande qualidade. Outro ponto a ser revisto é considerá-lo exclusivamente intimista por descrever os anseios e desejos de suas personagens, pois em suas narrativas também há a configuração de um retrato social da época.”

A tese de doutorado Feminilidade e transgressão: uma leitura de Lúcio Cardoso foi defendida na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Humanas (FFLCH) da USP. O estudo enfoca com mais detalhes obras como “Mãos vazias” (1938), “Inácio” (1944) e “Crônica da casa assassinada” (1959), mas aborda a produção completa em prosa do escritor. Em sua metodologia, a autora procurou identificar de que modo o romancista construiu suas personagens femininas. E acabou por perceber que “a mulher é o centro de sua prosa, pois articula não apenas a história, mas também o modo como ela é contada.”

Ela exemplifica que, em “Crônica da casa assassinada”, o ir e vir de Nina (protagonista do romance), entre a Casa dos Meneses (Minas Gerais) e sua boêmia no Rio de Janeiro, refletem mais do que a constante insatisfação com os papéis sociais oferecidos a ela. É Nina quem comanda o tempo da narrativa e se constitui como marco temporal para o romance por meio de suas viagens. A pesquisadora a chama de “senhora das horas”, pois “sua vida é retratada de acordo com o que determina para si”.

A temática da insatisfação e da transgressão feminina contra a família patriarcal é recorrente nas obras de Lúcio, afirma a pesquisadora. Em Mãos Vazias, Ida, também protagonista, representa a insatisfação com o casamento de aparências, sem desejo e pleno de frivolidade do marido. Já em Inácio, a feminilidade vêm traçada pela maldade e pela morte. A personagem Stela age de maneira destrutiva para gerar oportunidade de algo novo. Transgride aos costumes, ao mesmo tempo que demonstra o poder de transformação que possui.

Novo olhar sobre Lúcio Cardoso
Para a crítica literária, a perspectiva de que todos os livros escritos por Lúcio Cardoso o levaram a seu ápice em “Crônica da casa assassinada não existe. Ela afirma que “a obra de Lúcio, como a de qualquer outro romancista, tem altos e baixos. Com certeza,  “Crônicada da casa assassinada” é seu melhor romance e está entre os mais relevantes da literatura brasileira, mas uma novela como “Mãos vazias” merece atenção.”

Outro olhar inovador do estudo foi a revelação da faceta social de seus textos. O autor é frequentemente identificado como intimista, em contraposição a regionalistas como Jorge Amado e Graciliano Ramos. Seus livros primam pela introspecção, pelo interesse do que se passa intimamente com as pessoas, seus sonhos, desejos, sexualidade. Entretanto, Elizabeth ressalta que não é apenas isso. “Lúcio também faz um retrato social de sua época. Por meio da configuração e ênfase da insatisfação e da transgressão do feminino mostra o quanto as mulheres eram subjugadas no casamento e na sociedade como um todo, além da disposição de ir ao limite da loucura ou da morte para mudar as regras.”

Ambiguidade na Literatura e na Psicanálise
O estudo também aponta como o romancista buscou imprimir ambiguidade em seus textos. A pesquisadora exemplifica que, em “Inácio”, é bem perceptível o jogo entre múltiplas vozes, indefinição do feminino e várias versões possíveis de uma história que se desdobra em literatura, a oralidade, as artes plásticas e a fala psicanalítica.

A psicanálise aparece constantemente no estudo. As personagens do escritor são mulheres complexas, impossíveis de serem compreendidas. Estas características se inter-relacionam com os pensamentos dos psicanalistas Sigmund Freud e Jacques Lacan. Segundo a autora da pesquisa, “Freud diz que para saber algo sobre a mulher é necessário buscar a resposta nos poetas, tamanha a dificuldade de classificá-la. Enquanto Lacan definirá a mulher como não passível de um conceito fechado ou totalizador. Lúcio também vai por esse caminho com suas personagens.”

A tese foi orientada pela professora Cleusa Rios Pinheiro Passos do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da FFLCH, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e deve ser publicada em livro, em 2012.

Mais informações: e-mail elizcardoso@terra.com.br