Apesar da recomendação do Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos, a redução do tempo de quarentena de pacientes com casos leves e moderados de Covid-19 de 14 para 10 dias pode ser arriscado. A constatação foi feita pelo Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (IMT-USP) em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Foram analisadas 29 amostras de pacientes com diagnóstico confirmado para a infecção por exame RT-PCR. O material foi coletado em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) de Araraquara no décimo dia após o início dos sintomas.
Os pesquisadores identificaram que em 25% dos casos o vírus presente nas amostras se mostrou capaz de infectar as células e de se replicar in vitro.
Em teoria isso pode significar que pessoas que tivessem contato com gotículas de saliva expelidas por 25% desses pacientes no período em que o material foi coletado ainda poderiam ser contaminadas. Os dados completos da pesquisa foram publicados na plataforma medRvix. Os resultados não foram revisados por outros cientistas.
“Recomenda-se que os infectados com sintomas leves permaneçam totalmente isolados em casa, sem contato com ninguém, durante todo o período de quarentena. E há uma grande pressão para reduzir o tempo de isolamento – tanto por fatores econômicos como psicológicos. Mas, se o objetivo da quarentena é mitigar o risco de transmissão do vírus, 25% [de pacientes com vírus viável] é uma proporção muito alta”, alertou Camila Romano, coordenadora da investigação, em entrevista ao jornal da FAPESP.
A pesquisadora lembra que a quarentena de 14 dias era a adotada no início da pandemia com base no tempo médio que leva, após o início dos sintomas, para o SARS-CoV-2 deixar de ser detectado no teste de RT-PCR.
“Partiu-se do princípio de que quando a carga viral é tão baixa a ponto de ser indetectável nesse tipo de exame – considerado padrão-ouro para o diagnóstico da Covid-19 – o risco de transmissão torna-se muito pequeno. Naquela época nem sequer havia testes suficientes para diagnosticar todos os casos suspeitos e menos ainda para liberar os pacientes com sintomas leves da quarentena. Então estabeleceu-se como padrão o período de 14 dias para infectados não hospitalizados”, explicou ela.
A reportagem da FAPESP destaca que estudos posteriores mostraram ser possível detectar o RNA viral nas vias respiratórias pelo teste de RT-PCR por um período até superior a 14 dias. Contudo, segundo esses mesmos trabalhos, após o oitavo ou nono dia de sintomas dificilmente se conseguia isolar em pacientes com quadros leves ou moderados o vírus ainda viável, ou seja, com a capacidade de se replicar em células.
Diante disso, o CDC reviu a recomendação sobre o tempo de quarentena, que passou a ser de 10 dias para pessoas expostas ao Sars-CoV-2 sem diagnóstico confirmado por teste molecular. Esse período foi então considerado como suficiente para reduzir o risco de transmissão para 1%.
“No Brasil, a regra ainda é a quarentena de 14 dias, embora alguns municípios estejam cogitando reduzir para dez dias. Em países como a Suíça, infectados com sintomas leves são liberados do isolamento após sete dias apenas”, complementou a pesquisadora à FAPESP.