Nesses tempos de crise, tem aumentado o discurso que questiona a aplicação do dinheiro público em ciência e tecnologia e incentiva o investimento em atividades que ofereçam um retorno visível, rápido e de qualidade. (Abro um parentese para lembrar de uma máxima no serviço público que também vale para o investimento em C & T – Bom, rápido e de qualidade: você pode escolher apenas duas dessas qualidades numa iniciativa pública).
Nesses tempos difíceis, as áreas em que os resultados são mais difusos ou menos palpáveis frequentemente passam a ser questionados, e vistos como não prioritários na hora da alocação dos recursos. Isso infelizmente tem afetado o sistema público nacional de pesquisa, cujo financiamento depende em grande medida do Governo Federal, que tem sido alvo de um infeliz debate que opõe a pesquisa básica e a pesquisa aplicada. O investimento em pesquisa que resulta imediatamente em novos produtos e tecnologias tende a ser visto como o mais importante, por trazer retorno percebido pela sociedade.
Acredito que esteja faltando alguns ajustes na estratégia de comunicação dos atores políticos que atuam no campo da ciência e tecnologia, que tem tido dificuldade em promover esse debate. Acredito que alguns números possam ajudar e identifquei no estudo do pesquisador Parimal Patel elementos que ilustram bem o assunto, em especial o debate sobre as grandes questões que merecem prioridade.
O estudo liderado pelo pesquisador Parimal Patel, com Nick Jagger e Rie Nemoto, publicado em 2015, analisou uma série de questões relacionadas à política de pesquisa e se propõe a responder a uma série de perguntas, tais como : a) Até que ponto os gastos do governo em pesquisa e desenvolvimento do setor público mudaram nos últimos anos? b) As políticas relacionadas aos grandes desafios da sociedade estão em destaque? c)Quais são as diferenças na estrutura da pesquisa do setor público?
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O estudo fez comparações entre um conjunto de países nórdicos (Suécia, Dinamarca, Finlândia e Noruega) e um conjunto de contrapartes internacionais (EUA, União Europeia, China, Brasil e Índia).
De acordo com Parimal Patel: “O relatório destaca diferentes tendências nos investimentos do governo em P & D nos últimos 13 anos, com grandes taxas de crescimento na Índia e na China, uma mudança modesta na UE-28 e um declínio nos EUA seguido por uma pequena recuperação na economia nos anos mais recentes “.
O relatório conclui que, em termos de financiamento, os países podem ser divididos em três grupos. Este primeiro compreende a Suécia, a Dinamarca, a Noruega, a Índia e a China, que experimentaram um elevado crescimento na sua P & D pública. Para o segundo grupo de países, nomeadamente a Finlândia, o Brasil e a UE-28 como um todo, as despesas públicas com P & D cresceram de forma mais modesta. O único país em nossa amostra em que os gastos do governo diminuíram foram os EUA, onde a maior queda ocorreu no período de 2001 a 2008. Desde então, houve um aumento modesto.
Desafio da Sociedade como eixo estratégico – O ponto que quero destacar foi trabalhado pela revista da FAPESP, ao indicar que a noção de desafio da sociedade tornou-se onipresente no orçamento de pesquisa de muitos países. De acordo com a revista, o trabalho mostrou que essa categoria ganhou ênfase nas estratégias de todas as nações estudadas, com investimentos em áreas como energia, clima e saúde. A pesquisa conclui que não existe um padrão envolvendo a parcela ideal de investimento a ser dedicada para as pesquisas básica e aplicada. A tendência nos países nórdicos é despender perto de 40% dos recursos públicos em ciência na pesquisa básica. Já a China e a Índia despendem uma proporção menor, na casa dos 20% a 25% (ver quadro). o estudo revelou que todos os países sob consideração dão destaque aos grandes desafios sociais como prioridades de alto nível para a inovação em suas declarações de missão. A maioria também tem compromissos específicos para financiar pesquisas científicas relacionadas a tais desafios. No entanto, a análise dos orçamentos do governo mostra que, quando se trata de decisões sobre gastos, a quantidade de fundos alocados para alguns desafios sociais é relativamente modesta. O único desafio que é de alta importância relativa na maioria dos países é a saúde . Por outro lado, energia e meio ambiente são de prioridade muito menor, com o último declinando em termos da parcela de recursos alocados em vários países.
Além disso, o relatório concluiu que os principais destinatários de fundos públicos para P & D nos 4 países nórdicos e na UE-28 são as universidades. Na Dinamarca e na Suécia, representam mais de 80% do total dos recursos. Em contraste, nos EUA, na Índia e na China, os institutos públicos de pesquisa são relativamente mais importantes. No caso da Índia e China, de longe, a maior proporção de fundos do governo é canalizada através de Instituições Públicas de Pesquisa.
Existem diferenças entre os países no balanço de financiamento entre pesquisa básica e aplicada e desenvolvimento. Para os EUA e a Índia, a pesquisa aplicada e o desenvolvimento são relativamente mais importantes e, para a Noruega e a China, a pesquisa aplicada é mais proeminente. A Dinamarca atribui igual prioridade a ambos e, para a Suécia, a maioria dos fundos é direcionada para a pesquisa básica .