Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) descobriram um mecanismo celular associado à formação de tumores adrenocorticais (localizados nas glândulas adrenais ou adrenais) em crianças.
Estudos feitos em cultura de células e em camundongos mostraram, pela primeira vez, que a ativação do gene que codifica o receptor da vitamina D (VDR) induz um efeito antitumoral nesse tipo de câncer. A constatação aponta um caminho para o desenvolvimento de novas terapias para a doença. Atualmente, a única opção terapêutica é a remoção cirúrgica dos tumores.
“Com os experimentos, comprovamos que a ativação do gene VDR resulta em um efeito antiproliferativo nas células tumorais. Isso porque fizemos uma restauração dessa via, que existe nas células saudáveis, mas tende a permanecer inativa nas células tumorais” , ele explica. Sonir AntoniniProfessor Titular do Departamento de Puericultura e Pediatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e coordenador dos estudos.
A descoberta é resultado de três estudos apoiados pela FAPESP no âmbito de um Projeto Temático coordenado pelo professor da FMRP-USP Margarida de Castro.
Os resultados foram publicados em Jornal Europeu de Endocrinologiana revista Câncer Relacionado ao Sistema Endócrinoda Sociedade Endocrinológica do Reino Unido, e na revista Endocrinologia Molecular e Celular. A primeira autora dos três artigos é nutricionista Ana Carolina Bueno, estudioso Bolsista de pós-doutorado FAPESP.
Segundo os pesquisadores, os tumores adrenocorticais pediátricos são raros, representando cerca de 0,2% de todos os cânceres pediátricos. Mas são até 18 vezes mais frequentes no Brasil, principalmente nas regiões Sul e Sudeste do país. Como os tumores estão localizados em componentes do sistema endócrino, responsáveis pela produção de hormônios como cortisol, aldosterona e andrógenos, a maioria das crianças com a doença apresenta sinais de excesso hormonal, como puberdade precoce ou ganho de peso com parada do crescimento.
modificação bioquímica
Na primeira parte da investigação, o grupo de pesquisadores fez uma análise global da metilação em todo o DNA das células tumorais. A metilação é uma modificação bioquímica que consiste na adição de um grupo metil à molécula de DNA por meio da ação de enzimas. É um processo natural e necessário para o funcionamento do corpo, pelo qual a expressão de genes é modulada, mas quando desregulada pode causar disfunção celular e contribuir para o desenvolvimento ou progressão do câncer.
Com o auxílio de ferramentas de bioinformática, os pesquisadores separaram os pacientes em dois grupos com tumores mais e menos agressivos. “Conseguimos encontrar o perfil de metilação desses pacientes – que correspondem a cerca de 20% dos casos de câncer adrenocortical – com uma doença muito agressiva, que evolui rapidamente para metástase, causando mais complicações e mort3*”, conta Antonini Agência FAPESP.
A análise do padrão de metilação permitiu identificar em quais partes do DNA do tumor a modificação bioquímica foi maior quando comparada com as células saudáveis. “Para isso, extraímos o DNA do tumor, submetemos o material genético à análise de metilação e só depois fazemos o sequenciamento para verificar em qual região ocorreu a modificação bioquímica. Foi a partir daí, e com uma amostra grande, que encontramos um fenótipo de metilação específico para esse grupo de pacientes mais graves”, explica.
receptor de vitamina D
A análise global de metilação também serviu como uma ferramenta importante para explorar novos genes e padrões ligados à formação de tumores. Com base nos resultados do primeiro estudo, os pesquisadores realizaram outros dois tipos de experimentos – um em células (em vitro) e outro em camundongos (na Vivo) – para investigar o papel do gene VDR na formação de tumores adrenocorticais.
“Observa-se que a diminuição da expressão da via da vitamina D se deve ao padrão de hipermetilação do gene VDR em tecidos tumorais, o que não ocorre em tecidos normais”, aponta Antonini.
Os pesquisadores demonstraram, pela primeira vez, que em casos desse tipo de tumor pediátrico há diminuição ou perda da expressão do gene VDR. “Principalmente nos tumores mais agressivos [20% dos casos], mas não só neles, há uma grande perda tanto ao nível das proteínas como ao nível do ARN mensageiro. Isso se deve ao padrão de hipermetilação do gene do receptor da vitamina D observado apenas nas células tumorais”, explica o pesquisador.
Os achados da redução da expressão do gene VDR foram obtidos em amostras de tecido tumoral de 108 pacientes pediátricos acompanhados no Hospital das Clínicas da FMRP-USP e no Centro Infantil Boldrini de Campinas.
“O perfil de metilação mostrou que o gene do receptor de vitamina D era um possível candidato para um estudo mais aprofundado. Fora isso, é um gene importante, pois tem papel no controle do crescimento e do ciclo celular”, afirma.
Estudos anteriores do grupo já haviam mostrado, por exemplo, que a via da vitamina D interage com vias intracelulares importantes na formação desses tumores, como a via Wnt/beta-catenina. “A alteração dessa via, quando ela funciona demais, por exemplo, é uma das principais anormalidades moleculares observadas nesses tumores pediátricos”, diz Antonini.
Os pesquisadores também realizaram experimentos em células tumorais e em camundongos com tumores adrenocorticais. “Tanto nos ensaios em vitro quanto na Vivo observamos que, quando aumentamos a expressão do gene VDR, as células tumorais pararam de proliferar. Ou seja, há um efeito antitumoral”, comenta.
A pesquisadora ressalta, porém, que o achado não sugere a necessidade de suplementação de vitamina D nesses casos. “O que ocorre é um problema na via da vitamina D no tecido tumoral, onde há uma perda ou diminuição muito grande da expressão do gene VDR. [que codifica a proteína que se conecta à vitamina D e possibilita sua ação no organismo]”, diz.
O artigo Hipermetilação do receptor de vitamina D como biomarcador para tumores adrenocorticais pediátricos pode ser lido em: https://eje.bioscientifica.com/view/journals/eje/186/5/EJE-21-0879.xml.
O artigo A metilação do DNA é um marcador abrangente para tumores adrenocorticais pediátricos pode ser lido em: https://erc.bioscientifica.com/view/journals/erc/29/11/ERC-22-0145.xml.
O artigo A ativação do receptor de vitamina D é um alvo terapêutico viável para prejudicar a tumorigênese adrenocortical pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0303720722002052?via%3Dihub.