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Estudo mostra vantagem de quarentenas alternadas em cidades paulistas (112 notícias)

Publicado em 23 de maio de 2020

Por Elton Alisson, da Agência FAPESP

Pesquisadores vinculados ao CeMEAI (Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria) desenvolveram 1 sistema que indica melhores estratégias de quarentena para as cidades controlarem o contágio da covid-19.

De acordo com essas simulações, os municípios paulistas, por exemplo, poderiam entrar em isolamento em períodos diferentes, com o intuito de manter as atividades econômicas do Estado e, ao mesmo tempo, proteger o sistema de saúde.

O sistema foi descrito em artigo publicado na plataforma medRxiv, ainda em versão preprint (sem revisão por pares). Os códigos-fonte foram disponibilizados na plataforma GitHub, com o objetivo de possibilitar o acesso aos tomadores de decisão de cidades interessados em utilizá-los.

Sediado no ICMC-USP (Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo), campus de São Carlos, o CeMEAI é 1 dos Cepids (Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão) financiados pela Fapesp.

“Pretendemos assessorar prefeituras interessadas em aplicar o sistema, que permite simular cenários nos quais as cidades não precisariam entrar em períodos de quarentena ao mesmo tempo”, disse Tiago Pereira, professor do ICMC-USP e 1 dos autores do projeto.

De acordo com o pesquisador, que estuda a dispersão de doenças a partir de modelos matemáticos, se todo 1 Estado, como São Paulo, seguir 1 protocolo de quarentena unificado para controlar a covid-19 e entrar em isolamento de forma sincronizada, isso acaba gerando longos períodos de quarentena.

Isso acontece porque a evolução da doença nas cidades não ocorre em uma mesma velocidade e os municípios têm dinâmicas populacionais, necessidades econômicas e estruturas de saúde muito diferentes.

“O protocolo de quarentena de Ribeirão Preto [3ª cidade mais populosa do interior de São Paulo] não pode ser o mesmo que o de São Pedro [com menos de 50 mil habitantes]”, compara o pesquisador.

Para possibilitar que as cidades implementem protocolos de quarentena descentralizados, o sistema leva em consideração a população de cada município, a mobilidade entre eles –estimada a partir de dados anônimos obtidos de telefones celulares–, a infraestrutura de saúde, em termos de número de leitos de UTI disponíveis, e a evolução da doença na região ao longo do tempo.

A partir desses parâmetros, o sistema sugere o nível e a duração ideais da quarentena e quais medidas devem ser implementadas para garantir que o número de pessoas infectadas esteja dentro de 1 nível desejado em uma cidade, evitando o colapso do sistema de saúde.

Dessa forma, o protocolo permite orquestrar estratégias de quarentena entre as cidades a fim de evitar que todas tenham 1 mesmo nível e período de quarentena.

“O modelo permite alternar períodos de quarentena mais rigorosos e de vida mais normal nas cidades”, afirma Pereira.

Simulações para São Paulo

Partindo da premissa de que a cada caso confirmado da doença no país existam mais 12 não notificados, foram simulados, para efeito de comparação, cenários de quarentena levando em consideração tanto o número de casos oficiais registrados pelo Ministério da Saúde como a subnotificação.

Os resultados das simulações indicaram que, se a política de quarentena vigente no Estado de São Paulo for mantida até o final de junho com a atual taxa de contágio, o pico do número de pessoas infectadas na capital será atingido no início de julho, enquanto as cidades da região metropolitana enfrentarão o pico da epidemia em agosto.

Nesse cenário, a cidade de São Paulo teria mais de 2% de sua população infectada ao final de 2 meses completos –do início de junho ao começo de agosto.

“A doença acabaria 1 pouco mais rápido em São Paulo, mas o sistema de saúde da cidade entraria em colapso”, aponta Pereira.

Uma estimativa otimista indica que o sistema de saúde de São Paulo tem uma capacidade máxima de atender 1,5% da população infectada, já incluindo os hospitais de campanha.

Com base nessa estimativa, foram feitas simulações levando em conta as porcentagens máximas do número de infectados de 1,5% para a cidade de São Paulo e de 0,7% para o interior e a prorrogação da quarentena na capital por 6 meses –até setembro–, de modo a proteger o sistema de saúde da cidade.

Os resultados indicaram que, nesse cenário, São Paulo teria que entrar em isolamento social total agora e a doença acabaria na cidade no final de agosto, enquanto outras cidades do interior paulista teriam que implementar protocolos de quarentena intermitentes até o final do ano.

Cidades como Araçatuba, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto poderiam iniciar a quarentena duas semanas após os municípios da região metropolitana de São Paulo, indicaram as simulações. Essas 3 cidades seguiriam em quarentena até o fim de setembro, alternando duas semanas de isolamento com outras duas sem distanciamento social.

A maioria das cidades da região metropolitana de São Paulo poderia iniciar o distanciamento intermitente quinzenalmente em meados de agosto. Dessa forma, durante o período de isolamento intermitente, principalmente cidades onde estão concentradas atividades agrícolas no Estado não precisariam interromper suas atividades econômicas, apontaram as projeções.

“Constatamos que, mesmo ao multiplicar por 12 o número de casos da doença, levando em conta a subnotificação, é possível proteger o sistema de saúde das cidades por meio do controle ótimo da quarentena, de acordo com as simulações feitas pelo sistema”, afirma Pereira.

Segundo o pesquisador, o sistema também permite simular mudanças de situações, como o impacto no controle da doença em cidades do interior em função do aumento da disponibilidade de leitos de UTI na capital de 1 Estado.

“Hoje, a cidade de São Paulo, por exemplo, tem enviado pacientes com covid-19 para cidades do interior em razão da falta de leitos de UTI. Mas, a partir do momento em que a doença estiver controlada na capital e ainda estiver avançando no interior, o fluxo será inverso. O sistema é capaz de medir o impacto dessa mudança”, afirma.

O artigo Robot dance: a city-wise automatic control of COVID-19 mitigation levels, de Paulo J. S. Silva, Tiago Pereira e Luis Gustavo Nonato, pode ser lido aqui.

Este texto foi produzido por Elton Alisson e originalmente publicado por Agência Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.