O ácido acetilsalicílico (AAS) infantil é usado diariamente para prevenção de infarto, acidente vascular cerebral (AVC) e doença vascular periférica há 50 anos. A utilização é recomendada apenas para pacientes que já são diagnosticados com doença vascular periférica e que já tiveram infarto ou AVC, com risco de novo episódio. Nestes casos, os riscos de vida são maiores que os efeitos adversos. A ação do medicamento se dá porque desobstrui os vasos, “afina o sangue”. Mas, estudos recentes mostraram que uma dose a cada três dias possui a mesma eficácia e ainda reduziria a possibilidade de complicações gastrointestinais.
A pesquisa tem o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e da Biolab Farmacêutica. O ensaio clínico realizado durante o doutorado de Plinio Minghin Freitas Ferreira, na USP, sob orientação de De Nucci, usou a dose de 81 mg. Os voluntários foram divididos em dois grupos. Metade recebeu AAS todos os dias durante um mês. Os demais receberam o fármaco a cada três dias e, no intervalo, apenas placebo. Antes e ao final do tratamento, todos passaram por diversos exames, entre eles endoscopia, biópsia gástrica e teste de agregação plaquetária. Também foi medido no sangue o nível de tromboxano e, no estômago, o de prostaglandina do tipo 2 (PGE2).
Para Plínio, essa descoberta abre a possibilidade de adotar o fármaco também na prevenção primária de eventos cardiovasculares. “Com esse novo esquema terapêutico, o AAS também poderia ser usado no tratamento de pacientes que nunca tiveram um evento cardiovascular, mas apresentam alto risco, como os diabéticos”.
Afina o sangue. O coordenador do projeto temático ao qual está vinculado o estudo, Gilberto De Nucci, explicou que o AAS inibe a ação da enzima cicloxigenase (COX). Isso diminui a produção de tromboxano nas plaquetas (lipídeo que favorece a agregação plaquetária). Na linguagem popular, “afina o sangue”, pois, diminui a probabilidade de formação de coágulos que obstruem o fluxo sanguíneo. Porém, na mucosa gástrica, a inibição da COX diminui a produção de prostaglandinas (substâncias lipídicas que protegem o estômago e o intestino). “Originalmente, o AAS americano tinha 325 miligramas (mg) do princípio ativo. Na tentativa de diminuir os efeitos adversos, a dose foi reduzida para 162 mg e, depois, para 81 mg. Também há comprimidos de 75 mg. Mas a verdade é que, até hoje, ainda não se sabe ao certo qual é a dose necessária para obter o benefício cardiovascular”, afirmou.
Combinação
Os voluntários receberam, além de AAS, o anti-hipertensivo Losartan. As duas drogas são frequentemente associadas no tratamento de pessoas com insuficiência cardíaca, hipertensão e doenças isquêmicas e uma não influencia a ação da outra. “Umas das possibilidades em estudo é lançar um produto que associe, na mesma cartela, o AAS e o losartan ou algum outro medicamento. No primeiro dia, o paciente tomaria os dois fármacos, no segundo e no terceiro, apenas o anti-hipertensivo e placebo e assim por diante. Isso ajudaria as pessoas a tomar os medicamentos corretamente. Solicitamos nos Estados Unidos a patente do esquema terapêutico adotado no estudo”, concluiu Gilberto.
Solução é antiga
“Há 50 anos o AAS tem sido adotado na prevenção de eventos cardiovasculares, mas seu uso constante pode causar irritação e sangramento gástrico, muitas vezes sem sintomas prévios. Por isso, nos últimos anos, vem se tentando reduzir a dose. Neste estudo, propomos um esquema terapêutico diferente”, declarou o coordenador da pesquisa, Gilberto De Nucci.
Resultados
Gilberto, que é professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), detalhou os resultados. “No grupo que tomou AAS todos os dias, houve uma redução de 50% na síntese de PGE2, enquanto nos voluntários que tomaram a cada três dias não foi observada diferença em relação aos níveis basais. Por outro lado, em ambos os grupos, a inibição de tromboxano foi superior a 95% e o resultado no teste de agregação plaquetária foi equivalente”, contou.
Medicamento ajuda a salvar vidas
A aposentada Maria Creuza Mendes de Sousa, 61, incorporou o AAS à lista de compras na farmácia há três anos, por recomendação médica. “Tenho diabetes, hipertensão. A médica disse que evita dar infarto e AVC. Todo dia tomo e me sinto bem, me ajudou bastante”, contou.
Weber Santana, relatou que o remédio ajudou a salvar a vida de um familiar. “A minha cunhada tava com a pressão muito alta e antes de levá-la na UPA, dei AAS para ela. Muitas pessoas são salvas por isso, porque evita um infarto. Esse ator que morreu, talvez se tomasse não teria sido tão grave. O cuidado é só com quem tem alergia a algum componente. todo mundo procura com essa finalidade, mas, geralmente, já vem com a prescrição médica, apesar de vir sem retenção de receita. Mas, para tomar todo dia a pessoa abusa, esquece”, afirmou o balconista.
Simone Pontes, que trabalha como atendente em farmácia, explicou a diferença entre as medicações. “O de uso adulto (500 mg) é mais procurado como analgésico e antiinflamatório. O infantil (100 mg) é procurado porque dilata os vasos, ativando a circulação. Um medicamento que a gente acha bobo, mas, tem uma função tão importante”, destacou.