A hepatite B é considerada uma doença crônica possível de ser controlada com medicamentos. Ao longo do tempo, porém, a terapia tende a selecionar cepas de vírus resistentes às drogas usadas. O problema torna-se ainda mais grave quando o tratamento não é feito de forma regular e de acordo com os protocolos mais adequados.
Os resultados revelaram a presença de cepas resistentes apenas nas amostras de 11 pacientes – o que corresponde a 1,6% da população estudada.
O trabalho foi realizado com apoio da FAPESP durante o doutorado de Michele Soares Gomes Gouvêa. Felizmente, os resultados revelaram a presença de cepas resistentes apenas nas amostras de 11 pacientes – o que corresponde a 1,6% da população estudada.
“Embora a prevalência da resistência primária [quando o paciente é infectado por uma forma já resistente do vírus] tenha sido pequena, o problema existe. Esse fator deve ser considerado caso o paciente não responda imediatamente ao tratamento. E para saber se isso está ocorrendo é preciso realizar análises frequentes da carga viral. No caso da carga viral não reduzir, apesar da aderência ao tratamento, o ideal é que seja realizado o sequenciamento do genoma viral para a pesquisa de mutações de resistência e adequado manejo da terapia”, disse Gouvêa.
Segundo ela, cerca de 80% dos pacientes tratados com a droga lamivudina adquirem resistência em um período aproximado de cinco anos de terapia. Outros medicamentos levam um pouco mais de tempo, mas é um tratamento para a vida toda e o problema, eventualmente, acaba aparecendo.
“Determinadas mutações aumentam a capacidade de replicação do vírus e pode acontecer de o paciente ficar com uma supercarga viral resistente. Queríamos saber se essas cepas estavam sendo disseminadas”, explicou Gouvêa.
O problema da resistência primária é grande em determinadas regiões da África. De acordo com a literatura científica, o problema afeta 20% dos portadores de hepatite B na África do Sul. O índice salta para 50% quando se consideram pacientes coinfectados com o vírus da Aids.
“Os resultados de nosso estudo mostram que a situação brasileira é razoavelmente boa. Isso nos dá certa tranquilidade em relação à circulação de cepas resistentes no país, mas não podemos deixar de fazer um seguimento cuidadoso dos pacientes”, disse a médica do IMT-USP/FMUSP Maria Cássia Jacintho Mendes Corrêa, coordenadora do projeto “Prevalência de resistência primária aos antivirais utilizados no tratamento da hepatite B entre pacientes com infecção crônica pelo vírus da hepatite B não submetidos a tratamento” e orientadora de Gouvêa ao lado de João Renato Rebello Pinho, do Laboratório de Gastroenterologia e Hepatologia Tropical do Departamento de Gastroenterologia da FMUSP/IMT-USP.
“As drogas contra hepatite B precisam ser usadas com muito respeito e critério para não aumentar o problema de resistência primária. A África do Sul é um exemplo do que pode acontecer caso não tomemos cuidado”, afirmou Pinho.
De acordo com os pesquisadores, os medicamentos contra a hepatite B são oferecidos gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS), mas há lugares no Brasil em que são adotados esquemas inadequados de tratamento, seja por dificuldade de acesso a todas as drogas necessárias ou por falta de uma educação médica continuada.
“Um exemplo é a monoterapia com lamivudina, que foi no passado muito utilizada e hoje está totalmente proscrita em todo o mundo por favorecer o aparecimento de cepas resistentes”, comentou Corrêa.
Segundo a médica, outro fator que contribui para o agravamento da resistência viral são os casos de abandono do tratamento. “A hepatite B é, na maioria dos casos, uma doença assintomática. O tratamento é para a vida toda, mas o paciente se sente bem. Alguns acabam desistindo de tomar as drogas ou as tomam de forma irregular. Em algumas regiões o acesso aos medicamentos é mais difícil”, disse.
Se não tratada adequadamente, a inflamação no fígado causada pelo vírus da hepatite B (HBV) pode evoluir para hepatite crônica, cirrose hepática e câncer de fígado. É possível prevenir a infecção – que ocorre por via sexual, contato com sangue e secreções contaminados, parto ou amamentação – por meio de uma vacina também disponível na rede pública de saúde.
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