Um grupo de pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) realizou um estudo inédito sobre a biologia dos tumores de cabeça e pescoço, um dos mais agressivos tipos de câncer, publicado com destaque no periódico Nature Communications. Nele, foram analisadas, pela primeira vez, células malignas e não malignas e suas respectivas proteínas presentes em diferentes microambientes, a fim de identificar possíveis padrões que pudessem estar associados ao desenvolvimento das metástases linfonodais.
Amostras de tumores, linfonodos, salivas e sangue de pacientes - com e sem metástases - fornecidos por hospitais de referência no Brasil e no Chile tornaram possível o estudo completo do oitavo tipo de câncer mais frequente em todo o mundo. “Nós investigamos tanto tecidos, como biofluidos, procurando avaliar diferenças entre pacientes com e sem metástases. E também identificar quem são, em termos de células e de proteínas, os maiores responsáveis por esse prognóstico ruim para o câncer de cabeça e pescoço”, explicou a pesquisadora Adriana Paes Leme (CNPEM/MCTI), que há anos coordena pesquisas voltadas a identificar biomarcadores e alvos terapêuticos.
Uma das estratégias inéditas que integram o novo estudo foi a de isolar diferentes populações celulares dos tecidos tumorais e dos tecidos linfonodais (células malignas e não malignas), o que possibilitou a melhor compreensão dessas populações no contexto das metástases.
“Apesar de nem todas as populações celulares dos microambientes serem compostas, principalmente, por células do sistema imune, elas enriquecem alguns processos biológicos relacionados à resposta imune, mostrando uma interconexão entre os múltiplos sítios”, explicou a pesquisadora.
Além das estratégias de proteômica baseada em espectrometria de massas, método mais acurado para quantificação de proteínas, outro ineditismo do trabalho foi a integração desses dados às informações de sequenciamento de RNA de células únicas disponíveis em bancos de dados públicos, expandindo a compreensão dos resultados de proteômica.
O uso de aprendizado de máquina também foi fundamental para testar potenciais alvos pré-definidos em busca de assinaturas de prognóstico capazes de classificar pacientes com e sem metástase linfonodal.
“Seguimos várias estratégias de análise para mostrar que algumas proteínas podem estar associadas à modulação das células imunes nos diferentes ambientes. Essas proteínas poderiam ser consideradas potenciais marcadores de prognóstico”, esclareceu Adriana Paes Leme.
Os métodos de aprendizado de máquina revelaram assinaturas de metástase com alta sensibilidade e especificidade em amostras de sangue e saliva de pacientes com câncer de cabeça e pescoço e que são promissoras para aplicação na rotina clínica.
Próximos passos
O trabalho abre importantes frentes de investigação para entender o microambiente tumoral e identificar marcadores de metástase linfonodal - que é o principal fator de pior prognóstico para câncer de cabeça e pescoço. A composição diferencial de proteínas e de células imunes nos múltiplos microambientes abre perspectiva para a investigação de novos alvos para imunoterapias, incluindo algumas proteínas de processamento do RNA que são expressas por essas células do sistema imunológico.
Também foram obtidas informações valiosas sobre candidatos para o desenvolvimento de testes prognósticos que podem ajudar na decisão clínica do tratamento.
Os tumores de cabeça e pescoço são o oitavo tipo de câncer mais frequente em todo o mundo. O impacto na qualidade de vida dos pacientes costuma se dar tanto pela severidade da doença (com altas taxas de recidiva) quanto pelas possíveis sequelas dos tratamentos disponíveis.
A evolução desfavorável costuma estar associada à presença de metástases nos linfonodos, as quais ocorrem quando as células tumorais se disseminam para os gânglios linfáticos.
Os linfonodos são estruturas que contém células do sistema imunológico especializadas em combater infecções e doenças. Nesse estágio de metástase, a chance de sobrevida dos pacientes é reduzida em aproximadamente 50%.
Detectar a resposta do organismo à presença de metástase linfonodal, bem como descobrir novos biomarcadores que possam ser explorados, são desafios a serem superados para auxiliar no manejo do paciente com câncer de cabeça e pescoço.
Apoios e parcerias
O trabalho de pesquisa foi realizado com a colaboração de pesquisadores de universidades brasileiras, como USP e Unicamp, da Universidade de Los Andes e Universidade de Talca (Chile), Faculdade de Medicina de Jundiaí (FMJ), e de organizações como o Instituto Nacional do Câncer (INCA), Instituto do Câncer do Estado de S. Paulo (ICESP), A.C. Camargo Cancer Center e Hospital Israelita Albert Einstein. Esse estudo foi financiado pelo CNPEM, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ).
Por meio do Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica (Pronon) do Ministério da Saúde, a linha de pesquisa em tumores de cabeça e pescoço do LNBio conta com financiamento de empresas da áreas de energia e cosméticos.