A restauração florestal é reconhecida como uma das medidas mais eficazes para combater as mudanças climáticas e promover a proteção à biodiversidade. No entanto, os custos elevados – associados tanto diretamente ao plantio de árvores quanto à perda de áreas agriculturáveis ou de pastagem – costumam ser uma barreira para a sua implementação em larga escala. Mas uma pesquisa inédita conduzida em áreas de cafeicultura da Mata Atlântica revela que a restauração pode, ao contrário, ser uma abordagem economicamente viável.
Publicado na revista científica norte-americana One Earth, o estudo é assinado por Francisco d’Albertas, doutor em Ecologia pela USP, Gerd Sparovek, coordenador do Geolab (Esalq-USP), Luís Fernando Guedes Pinto, engenheiro agrônomo e diretor-executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, Camila Hohlenwerger, doutora em Ecologia pela USP, e Jean-Paul Metzger, professor do departamento de Ecologia da USP.
Os resultados demonstram que o aumento dos serviços ecossistêmicos impulsionados pelo reflorestamento, entre eles a polinização, resulta em um incremento na produção de café, compensando os custos referentes à restauração da floresta. Essa descoberta pode auxiliar os formuladores de políticas públicas a promover a adoção generalizada da restauração em paisagens agrícolas, aliando a mitigação das mudanças climáticas, a conservação da biodiversidade e a produção agrícola. Além disso, no caso do Brasil, em que a legislação ambiental já prevê a restauração/conservação de vegetação nativa em propriedades rurais, o estudo pode servir como um estímulo adicional para o cumprimento da lei.
O levantamento analisa diferentes cenários, estabelecendo um limiar em torno de 25% de cobertura florestal nas fazendas como ponto de equilíbrio para que, ao longo de 20 anos, os custos de restauração possam ser compensados pelos benefícios dos serviços ecossistêmicos no aumento da produção de café. Os resultados apontam ainda que um valor de CO₂ de pelo menos 20 dólares seria o ideal para aumentar a viabilidade financeira da restauração.
“Nossa pesquisa mostra que, ao impulsionar os rendimentos das colheitas e combinando ganhos provenientes do sequestro de carbono, a restauração se torna uma abordagem economicamente eficaz em paisagens agrícolas, indo na contramão do senso comum que considera o agronegócio e a conservação ambiental como atividades incompatíveis”, explica Francisco d’Albertas. “São, entretanto, necessárias medidas adicionais, como a consolidação do mercado de carbono, para tornar a restauração amplamente viável e imediatamente atraente para os agricultores”, completa.
A Organização das Nações Unidas (ONU) designou o período de 2021 a 2030 como a Década da Restauração de Ecossistemas. Na Conferência de Biodiversidade da ONU de 2022, a COP 15, a Mata Atlântica foi reconhecida como um dos dez ecossistemas emblemáticos nessa iniciativa. Além disso, evidências indicam o bioma como uma das áreas prioritárias para a restauração global, dada sua capacidade de combater as mudanças climáticas e preservar a biodiversidade e os recursos hídricos.
Nesse sentido, Luís Fernando Guedes Pinto ressalta a importância das descobertas apresentadas pela pesquisa. “Para atender aos compromissos do Acordo de Paris, o Brasil deve eliminar completamente o desmatamento e restaurar em grande escala. Para a Mata Atlântica, a meta mais ambiciosa são 15 milhões de hectares de florestas naturais até 2030, estabelecida pelo Pacto pela Restauração do Bioma, que só poderá ser atingida com o apoio do agronegócio. E agora está evidente que o reflorestamento é uma abordagem positiva para todas as pessoas e setores econômicos”, afirma.
A pesquisa traz um estudo de caso ilustrativo que, para ampliar o entendimento sobre em que medida e em quais condições os benefícios da restauração compensam os custos, pode ser expandido para outras regiões do Brasil e do mundo. O estudo completo, intitulado Yield increases mediated by pollination and carbon payments can offset restoration costs in coffee landscapes (“Aumentos na produção, mediados pela polinização e pagamentos de carbono, podem compensar os custos de restauração em paisagens de café”, em tradução livre), está disponível, em inglês, no site da OneEarth.
Sobre a Fundação SOS Mata Atlântica
A Fundação SOS Mata Atlântica é uma organização da sociedade civil brasileira sem fins lucrativos. Fundada em 1986, tem como missão inspirar a sociedade na defesa do bioma mais devastado do país. Atua para promover políticas públicas para conservar e restaurar a Mata Atlântica, trabalhando de maneira integrada as temáticas de água, biodiversidade e clima. Monitora a situação das florestas e ecossistemas associados, além de trabalhar para recuperar áreas já degradadas. Também defende e cria políticas públicas em prol do bioma. Essa causa beneficia diretamente mais de 70% da população brasileira, que vive na Mata Atlântica e depende dela para ter qualidade de vida.