Pesquisa avaliou a “diversidade faltante” em 119 regiões do mundo: espécies nativas que poderiam estar presentes, mas não estavam
A vegetação natural frequentemente carece de muitas espécies que poderiam estar presentes, mas não estão. Isso ocorre, principalmente, em regiões muito afetadas pela atividade humana. Uma pesquisa publicada no dia 2 de abril, na revista Nature , fez um levantamento exaustivo dessa situação em 119 regiões ao redor do mundo. O artigo dá conta daquilo que os especialistas chamam, em inglês, de dark diversity, que, em português, poderia ser denominado “diversidade faltante”.
Mais de 200 pesquisadores, membros da colaboração internacional DarkDivNet , participaram do estudo, investigando a presença ou não de plantas em 5.500 locais. A pesquisa foi coordenada pelo professor Meelis Pärtel , do Instituto de Ecologia e Ciências da Terra da Universidade de Tartu, na Estônia. E teve a participação de Alessandra Fidelis e Mariana Dairel , entre outros brasileiros.
“Em cada lugar, pesquisadores locais registraram todas as espécies de plantas e identificaram a diversidade faltante, isto é, as espécies nativas que poderiam viver ali, mas estavam ausentes. Isso nos permitiu compreender o potencial da diversidade vegetal no lugar e também medir o impacto das atividades humanas sobre a vegetação natural”, explica Fidelis, professora do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp), campus de Rio Claro.
Segundo o estudo, em regiões com pouco impacto humano, os ecossistemas normalmente apresentam mais de um terço das espécies potencialmente adequadas. A ausência dos outros dois terços deve-se a fatores naturais, como a dispersão limitada. Porém, em regiões fortemente impactadas por atividades antrópicas, os ecossistemas contêm apenas uma em cada cinco espécies adequadas. “Medidas tradicionais de biodiversidade , como simplesmente contar o número de espécies presentes, não detectam esse impacto, pois a variação natural da biodiversidade entre regiões e ecossistemas oculta a verdadeira extensão da influência humana”, afirmam os coordenadores do estudo.
O professor Meelis Pärtel conta que a colaboração DarkDivNet começou cerca de sete anos atrás, em 2018. “Tínhamos introduzido a teoria de dark diversity e desenvolvido métodos para estudá-la, mas, para realizar comparações globais, precisávamos de uma amostragem consistente em muitas regiões. Parecia uma missão impossível, porém, muitos colegas de diferentes continentes se juntaram a nós”, afirma. Apesar das dificuldades decorrentes da pandemia de COVID-19 e das crises econômicas e políticas globais, os dados foram coletados ao longo dos anos, mesmo sem um financiamento central.
Fidelis aderiu ao estudo desde o início, quando uma pequena reunião sobre a DarkDivNet foi realizada em um congresso da International Association for Vegetation Science (IAVS), em Bozeman, Estados Unidos, em 2018. “A partir disso, vários pesquisadores se juntaram à iniciativa, aplicando a mesma metodologia em diversos locais do mundo. A doutora Mariana Dairel, na época minha orientanda de doutorado, empolgou-se com a ideia e me auxiliou no levantamento dos dados. Resolvemos coletar informações na região de Itirapina, no Estado de São Paulo, onde se localizam as estações Ecológica e Experimental de Itirapina. Nessa região, há tanto vegetação nativa de Cerrado quanto áreas antropizadas, com plantio de pinheiros e eucaliptos”, informa a pesquisadora.
E acrescenta: “Sabemos que o impacto humano tem trazido diversas consequências para os ecossistemas , afetando a biodiversidade. Porém, este estudo vai além: mostra como estamos perdendo não somente as espécies que estavam ali antes, mas também as que potencialmente poderiam estar na área, podendo, dessa forma, afetar a regeneração natural”.
Pegada ecológica
O nível de perturbação antrópica em cada região foi medido utilizando o Indicador da Pegada Ecológica (Human Footprint Index), que inclui fatores como densidade populacional humana, mudanças no uso da terra (como urbanização e agricultura) e infraestrutura (estradas e ferrovias). O estudo constatou que a diversidade de plantas em um local é negativamente influenciada pelo nível da “pegada ecológica”. Quanto maior o índice, menor a diversidade. A influência antrópica pode estender-se por centenas de quilômetros ao redor do ponto em que ocorre.
“Esse resultado é alarmante, porque mostra que as perturbações humanas têm um impacto muito mais amplo do que se pensava, alcançando até mesmo reservas naturais. Poluição, desmatamento, descarte de lixo, pisoteio e incêndios causados por humanos podem excluir plantas de seus hábitats e impedir a recolonização. Também descobrimos que a influência negativa da atividade humana era menos pronunciada quando ao menos um terço da região ao redor permanecia intacto, o que reforça a meta global de proteger 30% do território terrestre até 2030”, destaca o professor Pärtel. E alerta para a necessidade de manter e melhorar a saúde dos ecossistemas para além das reservas naturais, utilizando o conceito de “diversidade faltante” como ferramenta prática para atividades de conservação e restauração.
Os autores do estudo atribuem o empobrecimento da vegetação à fragmentação, perda de conectividade, defaunação (perda de espécies animais, especialmente de dispersores de sementes), distúrbios como fogo e extração de madeira, além da eutrofização (processo de poluição que ocorre quando há um aumento de nutrientes em corpos de água, como rios, lagos e estuários). A presença de pelo menos 30% da paisagem em estado natural foi associada a uma mitigação desses efeitos.
Alessandra Fidelis recebeu apoio da FAPESP por meio do projeto “ Como a época do fogo afeta a vegetação do cerrado? ”. E Mariana Dairel foi contemplada pela FAPESP com uma Bolsa de Doutorado
O artigo Global impoverishment of natural vegetation revealed by dark diversity pode ser acessado em: AQUI
Por José Tadeu Arantes | Agência FAPESP