Em um artigo publicado na revista Molecular Cell, pesquisadores do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) descreveram mecanismos moleculares que regulam a produção da enzima glutaminase C (GAC), importante para a metabolização de um “combustível” essencial para a rápida proliferação de células tumorais.
Segundo os autores, a descoberta pode abrir caminho para o desenvolvimento de novas terapias contra o câncer.
A investigação foi conduzida pelo Grupo de Pesquisas em Metabolismo Tumoral do LNBio, em parceria com cientistas do MD Anderson Cancer Institute, da Universidade do Texas, nos Estados Unidos. O trabalho contou com apoio da FAPESP por meio de Auxílios Regulares concedidos a Sandra Dias e Andre Ambrosio, além da Bolsa de doutorado de Douglas Meira.
“A enzima glutaminase tem a função de converter o aminoácido glutamina em glutamato. Essa reação química permite às células usar a glutamina como combustível, assim como faz com a glicose, para a produção de energia e para a síntese de aminoácidos, ácidos nucleicos e outras macromoléculas importantes para o seu funcionamento. Como a célula tumoral se prolifera de maneira descontrolada, precisa estar o tempo todo duplicando sua biomassa e, para isso, consumir glutamina é essencial”, explicou Ambrosio.
De acordo com o pesquisador, diversas isoformas da enzima glutaminase podem ser encontradas no organismo humano, sendo as mais conhecidas a GAC, a KGA (kidney-type glutaminase) e a LGA (liver-type glutaminase). Embora elas apresentem pequenas diferenças em suas cadeias de aminoácidos, todas catalisam a mesma reação química.
“Dados da literatura indicam que a isoforma LGA tem papel na transmissão de estímulos nervosos no cérebro, assim como a KGA é importante para a detoxificação de amônia nos rins. Já a isoforma GAC está mais relacionada com o crescimento de tumores e, portanto, entender como sua expressão é regulada tem impacto direto em terapia”, afirmou Dias.
A descoberta de que a isoforma GAC é a mais importante para suprir as necessidades metabólicas das células cancerosas foi feita pelo Grupo de Pesquisas em Metabolismo Tumoral do LNBio e publicada na revista Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America (PNAS) em 2012.
“Mostramos nesse trabalho anterior que a GAC apresenta uma atividade catalítica muito mais relevante que as demais isoformas e, além disso, sua expressão está aumentada em células tumorais. Mas ainda não se entendia as razões desse aumento, ou seja, qual efeito de reprogramação estaria favorecendo a superexpressão dessa enzima no câncer”, contou Ambrosio.
Após a divulgação do trabalho na PNAS, o grupo do LNBio foi procurado pelo médico geneticista George Calin, do MD Anderson Cancer Institute, que vinha se dedicando a investigar mecanismos moleculares envolvidos no desenvolvimento de câncer colorretal.
Calin havia descoberto que nesse tipo de tumor era comum a superexpressão de um RNA não codificador (que não contém informações para a síntese de proteínas) conhecido como CCAT2.
“Ele havia observado, mais especificamente, que uma variante alélica de CCAT2, com uma base guanina (G) no lugar de timina (T), estava relacionada com risco aumentado de câncer colorretal. Ele notou ainda que a troca desse nucleotídeo gerava alterações metabólicas na célula e levantou a hipótese de que esse RNA não codificador seria um regulador de glutaminase. Por isso ele nos procurou”, contou Dias.
Colaboração com sete países
O encontro resultou em uma colaboração que envolveu pesquisadores de sete países: Brasil, Estados Unidos, Espanha, Holanda, Croácia, Itália e Romênia. O grupo, supervisionado por Calin e por Dias, demonstrou por meio de diversas técnicas que o RNA CCAT2 com a variante alélica interage mais fortemente com um complexo proteico conhecido como CFIm.
“Essas proteínas do complexo CFIm atuam no RNA transcrito pelo gene que codifica as glutaminases GAC e KGA, sendo capazes de definir, por um processo que chamamos de splicing alternativo, qual das duas isoformas será produzida pela célula”, explicou Dias.
Segundo a pesquisadora, portanto, os dados do trabalho comprovaram que a variante alélica de CCAT2 induz um aumento na expressão de GAC em detrimento da isoforma KGA, favorecendo um maior consumo de glutamina pelas células tumorais, levando ao aumento da proliferação celular e de metástase.
“A partir desse conhecimento, é possível pensar em formas de inibir a expressão da isoforma GAC, pois diversos estudos têm mostrado que ela é um alvo promissor. Já há um composto em ensaios clínicos de fase I para diferentes tipos tumorais”, contou Dias.
Agência FAPESP