O Instituto Nacional do Câncer (INCa) aponta que o câncer de ovário é a segunda neoplasia ginecológica mais comum, atrás apenas do câncer do colo do útero, e deve atingir cerca de 6.150 novos casos no biênio 2019/2020. Mas a esperança de um tratamento menos agressivo e mais eficaz para a doença pode ter tido o pontapé inicial com a descoberta de um composto à base de paládio, um metal de alto valor comercial, que age diretamente nas células doentes e diminui os efeitos colaterais. Toda a pesquisa foi desenvolvida durante o doutorado de Carolina Gonçalves Oliveira, professora do Instituto de Química da Universidade Federal de Uberlândia (IQ-UFU).
“É um primeiro passo porque realizamos somente testes ‘in vitro’. O que acontece no corpo é diferente, o composto encontra diversas barreiras para chegar nas células doentes. A partir deste ano, serão realizados testes ‘in vivo’, que é um passo determinante para que o composto avance nos ensaios biológicos até chegar a pacientes com câncer de ovário”, disse.
A pesquisa para o doutorado de Carolina Oliveira foi feita no Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (IQSC-USP), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ).
Entre os resultados encontrados na pesquisa estão a manifestação efetiva do composto de paládio em células que os tratamentos atuais não respondem mais e a atuação direta nas células doentes. Atualmente o tratamento é feito com medicamentos à base de cisplatina, um agente feito utilizando platina e descoberto e aprovado na década de 80.
“Por isso que quem faz o tratamento com a cisplatina tem efeitos colaterais, como queda de cabelo, perda de apetite, vômito. Isso tudo é porque a cisplatina não tem seletividade, não escolhe somente as células doentes. Ele se liga tanto em células saudáveis, quanto nas doentes. Agora esse composto que preparamos é seletivo. São dois metais similares, mas o composto de paládio desenvolvido por nós tem atividade em células resistentes, que evoluem e criam novos mecanismos de ação nas células.”
O projeto começou com grupos de pesquisa de química medicinal da USP-São Carlos, que produzem compostos inorgânicos (metal) para aplicar em doenças. O projeto de doutorado de Carolina Gonçalves foi voltado para células cancerígenas.
“Eu estudei a ação de compostos de paládio e platina, que são metais de química similar e os resultados mais eficazes foram para os compostos de paládio. Nós descobrimos o mecanismo de ação que é a inibição da enzima topoisomerase, importante para o ciclo celular.”
Em linhas gerais, enquanto a cisplatina atua diretamente no DNA, causando mudanças estruturais para impedir que a célula tumoral o copie, o composto de paládio vai agir inibindo a enzima que opera na reprodução das células cancerígenas.
O caminho até as prateleiras de farmácias ainda é longo. Para ser comercializado, ainda há fases de testes a serem feitos e o composto precisa ser aperfeiçoado. “Outros compostos similares estão sendo desenvolvidos, pois o de paládio tem pouca solubilidade em água. Quando se visa um fármaco, pensamos na administração oral. Estão sendo preparados alguns análogos com pontos parecidos, variando alguns substituintes que serão testados este ano ainda”, disse Gonçalves.