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Estudo descreve alvo farmacológico para tratar doenças neurodegenerativas (11 notícias)

Publicado em 04 de dezembro de 2020

Por Agência FAPESP

Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e colaboradores dinamarqueses demonstraram que uma proteína chamada Na+/K+ ATPase (proteína sódio-potássio ATPase) pode ser explorada como alvo para o tratamento de doenças neurodegenerativas. Os resultados do estudo, apoiado pela FAPESP, foram divulgados na revista Scientific Reports.

Como explica o professor Cristoforo Scavone, que coordenou a investigação, a Na+/K+ ATPase é responsável pelo equilíbrio iônico de todas as células, transportando íons de potássio e de sódio para seu interior e exterior.

“A Na+/K+-ATPase é uma proteína presente em todas as nossas células e possui três subunidades: alfa, beta e gama. A subunidade alfa é a que tem propriedade catalítica, ou seja, a responsável pelo transporte ativo dos íons sódio e potássio, sendo importante para o controle eletroquímico das células”, explica o pesquisador.

Ainda segundo Scavone, a subunidade alfa apresenta quatros versões alternativas, ou isoformas, que se encontram distribuídas de forma diferente no organismo humano. A isoforma alfa-1 está presente em todas as células. A alfa-2 é encontrada em astrócitos (células do sistema nervoso central) e em células dos tecidos cardíaco, adiposo e muscular. Já a isoforma alfa-3 costuma estar presente em neurônios, enquanto a alfa-4, em espermatozoides.

“Nos astrócitos, a isoforma alfa-2 participa da retirada do neurotransmissor glutamato da fenda sináptica [onde ocorre a comunicação entre neurônios]. E o excesso dessa substância na fenda sináptica pode ser tóxico para o neurônio. Já a alfa-3 é muito importante para a manutenção do gradiente eletroquímico do neurônio e, portanto, influencia a propagação dos impulsos nervosos”, conta Scavone.

Por meio de experimentos in vitro e com animais, o grupo do ICB-USP mostrou que a subunidade alfa-2 está envolvida no processo neuroinflamatório. O trabalho em células do sistema nervoso central foi desenvolvido durante o mestrado de  Paula Fernanda Kinoshita e, em animais, durante o doutorado de Jacqueline Alves Leite, em parceria com a Universidade de Aarhus (Dinamarca). Atualmente, Leite é professora do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Goiás (UFG).

Foram usados nos experimentos camundongos geneticamente modificados em laboratório pelo grupo coordenado pela professora Karin Lykke-Hartmann, na Universidade de Aarhus. A mutação introduzida nos animais está associada a um tipo de enxaqueca de causa genética (enxaqueca familiar hemiplégica) e já foi descrita em duas famílias na Itália.

“Esses camundongos exibem vários fenótipos comportamentais que imitam o comportamento compulsivo [como o de portadores do transtorno obsessivo compulsivo, diminuição da sociabilidade e fenótipos semelhantes à depressão induzida por estresse]”, conta o pesquisador.

Para induzir a inflamação no sistema nervoso central dos camundongos e em um grupo de animais controle (sem a mutação), os pesquisadores injetaram fragmentos de bactéria gram-negativa contendo uma endotoxina chamada lipopolissacarídeo (LPS).

Quatro horas após a administração de LPS, os animais com mutação na alfa-2 apresentaram uma redução do processo neuroinflamatório agudo, decorrente de uma menor sinalização de LPS.

“Houve redução de citocinas inflamatórias tanto no sistema nervoso central quanto no periférico dos animais com a mutação. Já aqueles sem a mutação tiveram uma maior perda de memória e sintomas como febre ou hipotermia, cansaço e menor locomoção, o que chamamos de sickness behavior [comportamento doentio]", conta Leite.

Isso significa que os animais com mutação em alfa-2 apresentam uma resposta inflamatória menor. “A resposta inflamatória é algo positivo, envolve uma resposta adaptativa. Não ter essa resposta é ruim; é a perda de uma forma de ativação e comunicação entre células da glia e neurônios, que gera adaptações positivas. Por outro lado, como a neuroinflamação é importante em doenças neurodegenerativas, esse conhecimento pode ajudar a estudar compostos que tenham como alvo a alfa-2 ou outra subunidade da proteína”, diz o professor.

Além de doenças neurodegenerativas, a proteína sódio-potássio ATPase pode ser estudada no âmbito do envelhecimento, quando a neuroinflamação também é recorrente. Leite complementa: “A inflamação é um processo fisiológico importante para a manutenção do equilíbrio do nosso organismo. E alterações na resposta inflamatória, seja para menos ou para mais, logo no início de uma infecção, podem levar uma má adaptação desse processo”.

Scavone e sua equipe pretendem dar continuidade ao trabalho e avaliar os efeitos da deficiência da alfa-2 na inflamação a longo prazo, após 24 horas da administração do LPS. Os parceiros da Universidade de Aarhus pesquisam terapias gênicas para melhorar o quadro desses pacientes.

“A ideia para o futuro é avaliar a influência dessa proteína em modelos de inflamação crônica, visando comprovar sua relevância para o tratamento de doenças neurodegenerativas. Como a subunidade alfa-2 participa do controle de glutamato na fenda sináptica, e sendo o glutamato um neurotransmissor relevante na morte neuronal observada nas doenças neurodegenerativas, vamos poder compreender melhor a gênese dessas enfermidades e, assim, desenhar moléculas com ação terapêutica mais direcionada”, afirma Scavone.

* Com informações da Assessoria de Imprensa do ICB