Cientistas da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), Câmpus de Botucatu, descreveram o mecanismo de ação da hepcidina, um peptídeo que desempenha papel fundamental no metabolismo do ferro e na defesa do organismo contra bactérias e fungos em equinos, ovinos e asininos. Esse funcionamento havia sido demonstrado em humanos em 2000.
Como o ferro é um elemento essencial para a multiplicação de alguns microrganismos, ao primeiro sinal de infecção, a hepcidina entra em ação para reduzir os níveis do mineral na corrente sanguínea e tornar o ambiente menos propício aos invasores. Expressa principalmente pelas células do fígado, ela se liga a outra proteína chamada ferroportina. Isso faz com que o ferro fique retido dentro de algumas células específicas, em vez de ser exportado para a corrente sanguínea. Por esse motivo, quadros de inflamação crônica costumam provocar anemia.
Estima-se que esse mecanismo de defesa esteja presente em todos os mamíferos e também em alguns peixes, mas, na maioria das espécies o peptídeo ainda não foi caracterizado e sua função não foi comprovada. Em equinos, o gene da hepcidina foi sequenciado pela equipe coordenada pelo veterinário Alexandre Secorun Borges, professor da FMVZ. A expressão gênica do peptídeo foi analisada em células do fígado e em outros tecidos de cavalos saudáveis.
A pesquisa, feita em parceria com cientistas da Universidade de Cornell, resultou na tese de doutorado de José Paes de Oliveira Filho, financiada pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e concluída em dezembro de 2010. Os resultados foram publicados em artigo na revista Veterinary Immunology and Immunopathology. Com os recursos da Fapesp, o grupo montou o Laboratório de Biologia Molecular da Clínica Veterinária da FMVZ.
Proteção contra infecções
Uma segunda etapa da pesquisa consistiu em comprovar o papel da hepcidina na defesa do organismo contra infecções. Foram usados dois modelos experimentais para induzir um quadro inflamatório leve em cavalos sadios.
No primeiro experimento, os pesquisadores injetaram, por via intravenosa, uma toxina extraída da membrana de bactérias – o lipopolissacarídeo bacteriano (LPS). Isso causa uma inflamação sistêmica discreta, de curta duração e que não provoca danos de longo prazo aos animais. A cada duas horas após a administração do LPS, os pesquisadores coletavam e analisavam o sangue dos cavalos.
Os níveis plasmáticos de ferro caíram rapidamente. Por meio de uma biópsia de fígado, os cientistas comprovaram que a expressão gênica da hepcidina havia aumentado nesse órgão. Os resultados do teste foram publicados na revista Innate Immunity.
O segundo experimento consistiu em aplicar, por via intramuscular, uma substância chamada adjuvante completo de Freund, composta de micobactérias inativadas. Isso provocou um processo inflamatório nos animais. Os resultados, similares aos do primeiro teste, foram apresentados no American College Veterinary Internal Medicine, nos Estados Unidos, em 2010, e devem, em breve, ser submetidos para publicação.
O grupo realizou experimentos semelhantes em ovinos, com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A pesquisa foi tema de mestrado de Peres Ramos Badial.
Cooperação internacional
A linha de pesquisa teve início na Unesp durante o pós-doutoramento de Borges na Universidade Cornell, onde foram analisados prontuários de cavalos com inflamação crônica, sistêmica e localizada e comparados com prontuários de cavalos sadios. Foi observado que o ferro caía consideravelmente e de forma rápida sendo, portanto, um marcador confiável de inflamação em cavalos.
Futuramente, a equipe pretende avaliar como se comporta o metabolismo do ferro em diferentes enfermidades. O grupo quer descobrir se a intensidade na queda dos níveis de ferro está relacionada à agressividade do quadro inflamatório.
Outro projeto futuro é avaliar se a redução artificial de ferro na corrente sanguínea pode facilitar o combate a infecções. Será testada se a administração de hepcidina, como medicamento, ajuda na fase inicial da doença.
Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp, com informações da Agência Fapesp