Não existem bairros da cidade de São Paulo sem registro de pessoas hospitalizadas por Covid-19. Segundo levantamento do Instituto Pólis e do LabCidade, centro de pesquisa da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, a doença causada pelo novo coronavírus avançou por todo o município de maneira generalizada.
O mapeamento foi feito a partir do cruzamento de dados sobre hospitalizações por Covid-19 e síndrome respiratória aguda grave com o CEP residencial dessas pessoas. As informações foram coletadas do banco de dados do DataSUS, vinculado ao Ministério da Saúde.
Os pesquisadores disponibilizaram um mapa interativo que mostra as concentrações de hospitalizações em cada rua e bairro, ilustradas em "ilhas de calor". A ideia é que o trabalho posa servir como ferramenta para implementação de medidas voltadas especificamente para cada território no combate à pandemia, já que os bairros têm demandas distintas.
Pedro Mendonça, pesquisador e responsável pelo manuseio dos dados, diz que o mapeamento desmonta a hipótese segundo a qual existe maior disseminação da doença em favelas e menor em bairros ricos. Segundo ele, o laboratório decidiu mapear endereços de CEP por entender que não seria possível tirar uma conclusão com os dados dos distritos paulistanos, um tipo de divisão territorial que agrega diversos bairros.
"Certos distritos têm o tamanho de cidades inteiras. Alguns deles têm tanto favelas quanto casas de classe alta. Tirar uma conclusão de que a periferia tinha mais casos, só com base nas informações por distrito, não condizia com a realidade. Agora a gente viu que tem uma grande disseminação na cidade inteira. Não dá para dizer que tem algum bairro que escapa", diz ele.
Mendonça afirma que o estudo identificou uma correlação entre pessoas hospitalizadas com Covid-19 e com SRAG, o que sugere haver subnotificação de casos registrados do coronavírus. "Onde há mais casos de Covid há também mais casos de SRAG. Em Sapopemba, por exemplo, há uma concentração muito grande de SRAG, bem maior do que casos de Covid, então pode ser que esteja se tratando de uma maior subnotificação", diz.
Tanto o governo paulista quanto a prefeitura de São Paulo têm tentado implementar medidas para tentar frear a disseminação da doença, mas Mendonça afirma que nenhuma das administrações deu sinais de ter levado em conta a informação territorializada da Covid-19. Ele critica a forma com que a flexibilização no estado, que colocou, num primeiro momento, medidas mais rígidas para a região metropolitana de São Paulo e mais brandas para a capital.
"O governo tem esses dados faz tempo. Para as medidas que foram implementadas, como a flexibilização em etapas e os rodízios de carro lá atrás, a gente supõe que eles não usaram esses dados. Se tivessem usado, teriam regionalizado as medidas de combate, mas o que foi posto em prática não tem vínculo com a situação dos bairros. Isso claramente vai contra a leitura do nosso estudo. A capital é onde tem mais gente exposta ao vírus, e não o contrário", declara Pedro Mendonça.
O mapeamento, no entanto, sofreu um desabastecimento de dados na última semana. O Ministério da Saúde retirou da base de dados do DataSUS, no começo de junho, informações referentes ao endereço dos hospitalizados. Sem esses dados, o trabalho permanecerá interrompido. A última atualização ocorreu em 18 de maio.
"Tivemos dois movimentos do Ministério da Saúde. Um deles foi mudar o critério da divulgação dos óbitos (o governo passará a calcular apenas as mortes ocorridas nas últimas 24 horas, e não mais todas as registradas nesse período). A segunda mudança é que pararam de disponibilizar a informação dos CEPs. A gente não vai mais conseguir atualizar o mapa assim. Isso compromete todo o trabalho".