São Paulo será a primeira cidade avaliada por profissionais do Departamento de Psiquiatria da Unifesp em estudo que reunirá os primeiros dados epidemiológicos do país sobre transtorno de estresse pós-traumático associado com a exposição à violência.
A pesquisa, financiada pelo CNPq e Fapesp, faz parte do Projeto do Milênio, do governo federal, e teve início no final do mês de maio e continuará até setembro, com pesquisadores do Ibope que entrevistarão, em domicílios, cerca de 3 mil pessoas em várias regiões de São Paulo e, em seguida, na cidade do Rio de Janeiro. Pacientes detectados serão encaminhados para tratamento gratuito em centros especializados.
Moradores de 44 bairros da capital, entre eles Vila Brasilândia, Cidade Ademar, Lapa e Sapopemba, serão abordados em suas residências por pesquisadores do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (lbope) para participar da pesquisa que estimará a prevalência do estresse pós-traumático e de outros transtornos associados à violência, como depressão, ansiedade e os relacionados ao uso de álcool.
A pesquisa, conduzida pelo Departamento de Psiquiatria da Unifesp, também analisará a prevalência da exposição das pessoas à violência e identificará, entre o evento traumático e o desfecho clínico, quais são os fatores de risco e de proteção que potencializam ou minimizam a importância da violência para o desenvolvimento do problema.
De acordo com Wagner Ribeiro, psicólogo e um dos coordenadores do projeto em São Paulo, as informações da pesquisa podem implicar no desenvolvimento de políticas públicas e subsidiar tanto a criação de programas específicos de tratamento, como buscar estratégias de prevenção para os grupos sociais mais suscetíveis aos transtornos.
Detecção e tratamento
Um dos diferenciais da pesquisa está no encaminhamento dos portadores desses transtornos a tratamento na rede pública de saúde. "As pessoas que tiverem diagnosticado o estresse pós-traumático serão encaminhadas para o Programa de Atendimento a Vítimas de Violência e Estresse (Prove), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)", afirma Ribeiro. "No local, será oferecido tratamento gratuito e o portador será convidado a participar de outros módulos da pesquisa para aprofundarmos o conhecimento sobre esse transtorno e, assim, desenvolvermos estratégias mais efetivas de intervenção e prevenção".
Ribeiro explica que as pessoas que tiverem diagnosticado outros tipos de transtornos mentais, como a depressão, também serão direcionadas a tratamento em ambulatórios especializados da rede pública de saúde.
Entenda o estresse pós-traumático
Perturbação psíquica decorrente de algum trauma emocional muito forte, como guerras, agressão física, seqüestro, catástrofes naturais e até mesmo sérios acidentes, o estresse pós-traumático é caracterizado por recordações ou vivências por meio de sonhos ou pensamentos que levam a pessoa a reviver novamente todo o sofrimento psicológico da tragédia.
A recorrência desse sofrimento acaba levando a outros problemas neurofisiológicos e mentais que impedem o indivíduo de conviver com situações, pessoas, lugares ou coisas que vinculem ou ativem recordações do trauma, além de desenvolver irritabilidade, baixa concentração e insônia, entre outros sintomas.
o estresse pós-traumático pode se desenvolver em um breve intervalo de tempo após o acontecimento ou anos depois. Estudos apontam que crianças e idosos são mais suscetíveis a desencadear o problema logo após os eventos traumáticos.
De acordo com Wagner Ribeiro, nos países economicamente menos desenvolvidos, com escassez nos recursos de saúde e de suporte social ou que passaram por conflitos internos, atentados e situações de extrema pobreza, as taxas de prevalência de estresse pós-traumático são elevadas.
Uma pesquisa realizada em 2001 em países com essas características mostrou que, na Argélia, 37,4% da população sofria do mal. No Camboja, esse número atingia 28,4%; Gaza, 1 7,8%; e Etiópia, 15,8%.
Em 2003, no México, país que, segundo Ribeiro, tem uma realidade mais próxima à do Brasil sob o ponto de vista socioeconômico, cerca de 11 % da população apresentava o problema. Em Oaxaca, uma das quatro cidades mexicanas analisadas e a mais pobre da lista, a presença do transtorno foi 70% maior.
Fonte: Universidade Federal de São Paulo — Unifesp