Gene identificado pelos pesquisadores pode estar associado com interações entre proteínas pulmonares e virais
Um estudo recém-concluído na Unesp, coordenado pelo professor Robson Carvalho, do Instituto de Biociências (IBB) do câmpus de Botucatu (100 quilômetros de Bauru, indicou um alvo que pode orientar um potencial tratamento para a Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2). Segundo os pesquisadores, a resposta pode estar em um gene chamado TRIB3. O artigo foi publicado como preprint (projeto de artigo científico que ainda não foi publicado em periódico científico) na plataforma bioRixv.
A pesquisa apontou uma alteração na expressão desse gene, responsável pela produção de uma proteína que, segundo predição computacional, tem potencial para interagir com proteínas do vírus SARS-CoV-2 em células epiteliais do pulmão (que fazem o revestimento interno do órgão). O gene TRIB3 diminui sua expressão em indivíduos idosos do sexo masculino, o que ajudaria a explicar a manifestação de sintomas mais graves da Covid-19 nessa população.
"Dado que a TRIB3 foi anteriormente relatada como capaz de diminuir a infecção e a replicação de outros vírus, a diminuição da expressão de TRIB3 nos pulmões durante o envelhecimento pode ajudar a explicar por que pacientes idosos do sexo masculino estão relacionados a casos mais graves da Covid-19. Dessa forma, medicamentos que estimulem a expressão da TRIB3 devem ser avaliados como um tratamento potencial para a doença", conclui o artigo.
O ESTUDO
Os pesquisadores utilizaram dados de sequenciamento de RNA de 427 amostras pulmonares para avaliar o transcriptoma (conjunto de moléculas de RNAs que são produzidas em um tecido, e que refletem a expressão dos genes). Esses dados continham informações por faixas etárias dos indivíduos, dos 20 anos até os 79 anos. O grupo de cientistas passou a cruzar esses dados com diversas bases de dados abertas sobre a Covid-19 e informações sobre estudos anteriores relacionados à temática.
Esse cruzamento permitiu predizer potenciais interações moleculares entre proteínas pulmonares e proteínas virais. Essa análise identificou que a proteína TRIB3 apresenta alta probabilidade de interagir com a proteína do SARS-CoV, vírus da SARS utilizado como base para o estudo em razão de possuir grande similaridade na estrutura com o SARS-CoV-2. O grupo também utilizou dados de sequenciamento de RNA de célula única (do inglês, single-cell RNA sequencing), o que possibilitou identificar o conjunto de moléculas de RNAs que são produzidas em cada célula do pulmão.
"Com isso, conseguimos olhar para cada célula do pulmão e identificamos onde o gene TRIB3 é expresso. E encontramos que esse gene é expresso principalmente em células que também expressam o gene ACE2, o qual é responsável por codificar o receptor que o SARS-CoV-2 utiliza para infectar as células pulmonares", conta o professor. "A TRIB3 tem o potencial de interagir com proteínas do vírus e isso pode, por exemplo, diminuir a replicação do vírus dentro da célula, como já demonstrado para o vírus da hepatite C. Ou seja, existe a possibilidade de que uma interação da TRIB3 com proteínas do SARS-CoV-2 iniba o ciclo biológico do vírus".
De acordo com o pesquisador, na Europa, já existe uma empresa espanhola realizando ensaios clínicos com um medicamento contra câncer de endométrio capaz de aumentar a expressão da TRIB3. Além dele, assinam o artigo Diogo Moraes, Brunno Paiva, Sarah Santiloni Cury e João Pessoa Araújo Jr., todos da Unesp, e Marcelo Mori, da Unicamp.
Mudança no caminho
Este trabalho liderado por Robson Carvalho foi iniciado há aproximadamente um ano e estava voltado para o estudo da caquexia (síndrome que acompanha pessoas com câncer) em pacientes com câncer de pulmão. O grupo estudava o perfil da expressão gênica ao longo do envelhecimento do pulmão. Com a eclosão da pandemia de Covid-19, em março, os cientistas redirecionaram o trabalho para estudar a doença causada pelo novo coronavírus. O estudo foi apoiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
"A nossa ideia inicial era identificar moléculas que são secretadas pelo pulmão e que podem eventualmente atuar em outros órgãos e tecidos. Conversamos e pensamos - se estamos analisando moléculas liberadas pelo tumor do pulmão que podem atuar em outros órgãos, poderíamos pensar em uma abordagem semelhante e avaliar a interação entre proteínas pulmonares e proteínas do vírus da Covid-19", explica Carvalho. "E uma das motivações foi o fato da Covid-19 ser prevalente em pessoas idosas, principalmente a sua forma mais grave".
Fonte: JCNet.