Entre os testes para a descoberta de um medicamento eficaz contra a COVID-19, muitos pesquisadores têm apostado que a resposta pode estar no sangue daqueles pacientes que já foram infectados pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) e se recuperaram. Para investigar o tema, cientistas do Instituto Butantan, em São Paulo, trabalham no desenvolvimento de um composto com anticorpos dos sobreviventes.
O conceito por trás da iniciativa é que cada antígeno (nesse caso, o coronavírus) dá origem à produção de um determinado anticorpo no sangue da pessoa infectada e é esse anticorpo que a permite sobreviver ou não à doença. Além disso, cada anticorpo só atua em um único antígeno, então, se ou quando os cientistas descobrirem qual anticorpo está relacionado à COVID-19, muito provavelmente, terão um eficiente defesa contra essa infecção.
No estudo do Butantan, os anticorpos monoclonais neutralizantes, como são chamados, serão selecionados a partir de células de defesa, os linfócitos, dos que se curaram da COVID-19. Dessa forma, a pesquisa procura uma ou mais dessas proteínas com a capacidade de se ligar ao vírus com eficiência suficiente para neutralizá-lo. Então, essas moléculas mais promissoras poderão ser produzidas, em larga escala, para o tratamento da doença.
O que é?
Esse estudo trabalha a partir da transferência passiva de imunidade, que funciona com a transfusão de plasma sanguíneo de pessoas curadas da COVID-19. Parte líquida do sangue, o plasma dos pacientes que se curaram é, normalmente, rico em anticorpos contra a doença. Quando esse plasma entra na corrente sanguínea de uma pessoa doente, na transferência passiva de imunidade, as proteínas (anticorpos) presentes nele começam imediatamente a combater o novo coronavírus. Só que para isso, é preciso ter o sangue dos pacientes curados.
O que o Instituto Butantan quer é não precisar do sangue dos pacientes sobreviventes (imagine a quantidade necessária de doadores para salvar todos os infectados?). Para isso, os pesquisadores precisam descobrir quais são os exatos anticorpos que combatem o coronavírus da COVID-19 e, assim, conseguir reproduzir esse composto em larga escala, como um remédio sintético.
“No caso dos anticorpos monoclonais, um líquido composto por um ou mais anticorpos selecionados entre os mais eficientes é produzido em larga escala, de forma recombinante, por cultivos celulares no que chamamos de biorreatores”, explica a pesquisadora Ana Maria Moro e responsável pelo estudo. Atualmente, já existem mais de 70 biofármacos à base de anticorpos monoclonais aprovados e em uso no mundo todo, como o combate ao vírus ebola.
Como deve funcionar?
Para esse objetivo, a primeira etapa dessa pesquisa consiste no recrutamento de voluntários convalescentes da COVID-19. Com o sangue coletado, os cientistas então devem realizar uma série de processos de biologia molecular para identificar as sequências de genes que expressam os anticorpos neutralizantes. Assim, cada anticorpo, encontrado nos plasmas doados, será caracterizado quanto a sua ação perante o vírus, principalmente na sua capacidade de neutralização.
Dessa forma, os pesquisadores devem chegar entre um e três anticorpos com maior eficiência nos testes em laboratório e que serão, posteriormente, testados em animais. A etapa seguinte consiste em entender como esses anticorpos bem-sucedidos podem ser reproduzidos, a partir de vários critérios técnicos. Os resultados são, então, considerados para a seleção dos melhores clones que podem ser produzidos, em larga escala, num biorreator. Só então serão levados aos ensaios pré-clínicos e clínicos, chegando nos testes em humanos.
Histórico
Coordenado pela pesquisadora Ana Maria Moro e apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o projeto do Instituto Butantan utiliza uma plataforma criada para o desenvolvimento de anticorpos monoclonais (mAbs) humanos para diferentes doenças. “Começamos a desenvolver essa plataforma em 2012 com os mAbs humanos antitetânicos, com apoio da Fapesp, e identificamos uma composição de três anticorpos que neutralizam a toxina do tétano. Depois, estabelecemos um acordo com a Universidade Rockefeller, nos Estados Unidos, sob coordenação de Michel Nussenzweig, para gerar linhagens celulares para mAbs antizika, que foram identificados no seu laboratório durante a epidemia da doença, em 2015”, explica à Agência Fapesp.