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Estudo aponta ligação entre esquizofrenia e alterações vasculares no cérebro (45 notícias)

Publicado em 20 de janeiro de 2023

Um estudo realizado no Brasil e relatado em artigo publicado na Psiquiatria Molecular sugere que a esquizofrenia pode estar associada a alterações na vascularização de certas regiões cerebrais. Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) encontraram uma ligação entre astrócitos (células do sistema nervoso central) de pacientes com esquizofrenia e formação de vasos sanguíneos estreitos.

A esquizofrenia é um transtorno mental multifatorial grave que afeta cerca de 1% da população mundial. Os sintomas comuns incluem perda de contato com a realidade (psicose), alucinações (ouvir vozes, por exemplo), delírios ou delírios, comportamento motor desorganizado, perda de motivação e comprometimento cognitivo.

No estudo, os pesquisadores se concentraram no papel dos astrócitos no desenvolvimento da doença. Essas células gliais são as guardiãs do sistema nervoso central e importantes para sua defesa. Eles são os elementos centrais das unidades neurovasculares que integram os circuitos neurais com o fluxo sanguíneo local e fornecem suporte metabólico aos neurônios.

O estudo aponta para novos alvos terapêuticos e avança a compreensão dos cientistas sobre os mecanismos moleculares por trás esquizofrenia.

“Mostramos que os astrócitos podem estar envolvidos com uma alteração na espessura do veias de sangue no cérebro, o que por sua vez pode estar associado a uma redução do fluxo metabólico em certas regiões do cérebro, fator chave na esquizofrenia. Nossas descobertas destacam o papel dos astrócitos como elemento central na doença e sugerem que eles podem ser alvo de novas terapias”, disse à Agência Daniel Martins-de-Souza, penúltimo autor do artigo e professor do Instituto de Biologia da Unicamp. FAPESP.

vascularização anormal

Os pesquisadores compararam astrócitos derivados de células da pele de pacientes esquizofrênicos com outros de pessoas sem a doença. Essa parte do estudo foi feita no laboratório de Stevens Rehen, pesquisador do Idor e professor do Instituto de Biologia da UFRJ.

Para esse fim, eles reprogramaram células epiteliais de pacientes com esquizofrenia e do grupo controle para se tornarem células-tronco pluripotentes induzidas (iPSCs). Eles então induziram a diferenciação das iPSCs em células-tronco neurais, que podem dar origem a neurônios e astrócitos.

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“Pesquisas anteriores sugeriam que anormalidades moleculares e funcionais dos astrócitos poderiam estar envolvidas na patogênese da esquizofrenia. Em nosso estudo, comprovamos esse envolvimento usando iPSCs. Sem essa técnica, seria impossível estudar os astrócitos da maneira que fizemos”, Martins -de-Souza disse.

Os pesquisadores realizaram duas séries de testes com astrócitos derivados de pacientes e controles saudáveis. A primeira foi uma análise proteômica em que todas as proteínas presentes em cada amostra foram identificadas para detectar diferenças entre os dois conjuntos de astrócitos. Esta parte foi realizada no Laboratório de Neuroproteômica da UNICAMP.

“Em nossa análise dos proteomas das células, observamos alterações imunológicas associadas aos astrócitos. No caso das células de pacientes com esquizofrenia, também encontramos diferenças nos níveis de citocinas pró-inflamatórias e diversas outras proteínas que indicavam ação angiogênica em vascularização cerebral”, disse Nascimento. A angiogênese é o processo fisiológico através do qual novos vasos sanguíneos se formam a partir de vasos pré-existentes. É uma parte normal do crescimento e cura, mas pode desempenhar um papel na doença.

Depois de análise proteômica, os pesquisadores realizaram testes funcionais para mostrar que a resposta inflamatória nos astrócitos de pacientes com esquizofrenia estava alterada e que as células secretavam substâncias que afetavam a vascularização. Esses testes fizeram parte da pesquisa de pós-doutorado de Pablo Trindade.

O modelo do sistema vascular que eles usaram é conhecido como ensaio de membrana corioalantóide de galinha (CAM). Derivado de ovos de galinha, o CAM possui uma densa rede de vasos sanguíneos e é amplamente utilizado para estudar a angiogênese.

O ensaio foi conduzido por pesquisadores da Universidade do Chile, em Santiago, Chile. “Simplificando, colocamos condicionado astrócitos meio contendo todas as substâncias secretadas por essas células na região vascular dos óvulos fertilizados. À medida que as células vasculares se multiplicavam, era possível ver como se processava a formação dos vasos, uma vez que a vascularização do ovo poderia ser induzida ou inibida pelas substâncias secretadas”, disse Trindade.

Além de seus efeitos na vascularização, os astrócitos derivados de pacientes com esquizofrenia apresentaram inflamação crônica. “Os astrócitos são conhecidos por regular a resposta imune no sistema nervoso central, então é possível que eles promovam uma vascularização mais imatura ou menos eficiente. Nossos astrócitos derivados de pacientes secretaram mais interleucina-8 (IL-8) do que os controles. IL-8 é pró-inflamatório e suspeito de ser o principal agente da disfunção vascular associada à esquizofrenia”, disse ele.

Segundo os autores, os achados reforçam o papel do neurodesenvolvimento na esquizofrenia e mostram claramente que os astrócitos são importantes como mediadores. “Os sintomas da doença geralmente se manifestam na idade adulta jovem, mas, como mostra nosso estudo, as células gliais desses pacientes são diferentes desde o início, afetando o neurodesenvolvimento fetal. A diferenciação e a formação do cérebro estão alteradas. Pode ser o caso, portanto, que a vascularização sistematicamente alterada leva à malformação precoce do circuito cerebral, e isso, por sua vez, leva à esquizofrenia mais tarde”, disse Nascimento.

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Outro ponto levantado no artigo é a importância dos astrócitos para distúrbios neurológicos. “O papel de células da glia, incluindo astrócitos, não apenas na esquizofrenia, mas também em distúrbios neurológicos em geral, foi descoberto relativamente recentemente. A visão predominante costumava ser que os pesquisadores deveriam se concentrar nos neurônios. Nossa visão e compreensão da doença estão se expandindo”, disse Martins-de-Souza.