Uma revisão da literatura científica feita por pesquisadoras do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e publicada na revista Physiological Reports sugere ser vantagoso manter a amamentação durante a COVID-19. Os mais de centena estudos analisados indicam que o leite materno, além de transferir anticorpos para o bebê, também fornece moléculas bioativas com ação antimicrobiana, uma vez que caseínas, lactoferrinas, proteínas do soro do leite e triptofano.
O trabalho foi coordenado pela professora Patrícia Gama, que estuda os efeitos do desmame precoce no trato gastrointestinal há mais de 30 anos, e contou com suporte da FAPESP por meio de três projetos (18/07409-5, 20/02888-2 e 18/07782-8).
Muitos trabalhos já mostraram que os componentes do leite conferem proteção ao tripa, estimulando o sistema imune. Também há evidências de que essas moléculas protegem o recém-nascido contra infecções virais. “Crianças que são desmamadas precocemente apresentam maior incidência de infecção por rotavírus, causante da gastroenterite, por exemplo”, afirma Aline Vasques da Costa, uma das autoras da revisão. O grupo analisou trabalhos sobre os componentes do leite materno individualmente, inflamações intestinais e os efeitos gastrointestinais na COVID-19, pneumonia e outras doenças virais.
O objetivo era investigar por que as crianças são menos acometidas pelo SARS-CoV-2 e se a amamentação poderia ter um papel protetor contra o vírus. Foi verificado que as moléculas presentes no leite previnem infecções virais que causam distúrbios gastrointestinais. A lactoferrina, por exemplo, já foi testada e demonstrou potencial antiviral contra o SARS-CoV-1, responsável pela epidemia de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) em 2003, conforme explica a pesquisadora Carolina Purcell Goes.
Outras pesquisas mostraram que mães que se recuperaram da COVID-19 e estavam em tempo de amamentação apresentavam anticorpos do tipo imunoglobulina A (IgA) no leite. “A literatura mostra que os níveis de IgA são mantidos até sete meses em seguida o início da amamentação”, relata Gama.
A epílogo das cientistas é que, ao serem transferidos para o bebê, esses anticorpos poderiam prevenir a infecção por SARS-CoV-2 ou ao menos reduzir a severidade dos sintomas. Aliás, os demais componentes ampliariam essa proteção.
“Quando nós estudamos os elementos do leite separadamente, vimos que todos têm um papel importante no quadro de inflamação intestinal. E, juntas, essas moléculas tornam o leite materno um iguaria muito importante na proteção das crianças”, destaca a professora.
O item Breastfeeding importance and its therapeutic potential against SARS -Cov-2 está disponível em https://physoc.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.14814/phy2.14744.
Outro estudo publicado recentemente no The Journal of the American Medical Association (JAMA) revela que o leite produzido por lactantes vacinadas contra a COVID-19 pode ser uma nascente de anticorpos para os bebês. A pesquisa envolveu 84 mulheres de Israel, com idade média de 34 anos, que receberam duas doses da vacina desenvolvida pela Pfizer/BioNTech.
Os autores, porém, apontam que o estudo tem limitações. Não foi feito nenhum experimento funcional que permita concluir definitivamente que bebês estão protegidos contra a COVID-19 por terem recebido anticorpos via leite materno.