Como o coronavírus se espalhou pelo mundo a partir de Wuhan, cidade chinesa que registrou os primeiros casos da doença, em dezembro de 2019? Há três grandes percursos traçados pelo vírus até que infectasse 1,5 milhão de pessoas, afirma um novo estudo da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e da Universidade de Kiel, na Alemanha.
Os casos que surgiram no Brasil são muito mais ligados ao vírus que circulou na Europa do que aquele que apareceu na China. “A rede algorítmica (que analisou a proximidade das variações do vírus em cidadãos de diversos países) reflete uma ligação mutante entre o genoma viral da Itália e do Brasil”, escrevem os autores da pesquisa.
Para chegar a essa e a outras conclusões, eles analisaram as mutações do vírus nos primeiros 160 sequenciamentos genéticos desses invasores encontrados em pacientes humanos. É importante deixar claro que as mutações são comuns e raramente significam que o vírus ficará mais letal, contagioso ou com sintomas mais graves, por exemplo.
O grupo de cientistas usou um mapeamento de linhagens de códigos genéticos parecido com o modelo usado para identificar quais foram os movimentos migratórios das populações humanas pré-históricas.
Mas por que isso é importante? No caso da pandemia, a estratégia busca traçar as rotas de infecção conectando os pontos entre os casos conhecidos. Ao entender como o vírus se espalha, é possível pensar em que medidas podem ser adotadas para conter a transmissão da doença de uma região do país para outra, por exemplo.
Esses dados também pode apontar o ritmo e o tamanho da variação genética do vírus. Em geral, se isso se der de forma lenta e suave (como tem acontecido até agora), uma eventual vacina teria uma eficácia bastante ampla.
Há mais de 1.000 sequenciamentos genéticos do novo coronavírus já realizados, basicamente divididos em três grandes grupos, segundo os pesquisadores: A, B e C, sendo B derivado de A, e C derivado de B.
O tipo A é considerado o “original”, que está mais próximo do vírus encontrado em morcegos e pangolins, dois animais que têm sido associados ao início da pandemia. Não se sabe até agora, porém, como o vírus chegou até o primeiro paciente humano.
O tipo B tem maior incidência no Leste da Ásia, mas não se espalhou muito a partir dali, afirmam os pesquisadores. Isso pode ter acontecido, segundo eles, porque o vírus pode ter encontrado resistência imunológica ou ambiental para se espalhar entre pessoas de outras localidades do mundo.
O tipo C é considerado o majoritário na Europa, e foi encontrado nos primeiros pacientes de países como França, Itália e Suécia. Essa categoria de sequenciamentos genéticos também inclui o Brasil.
A relação entre os casos do Brasil e a Europa já havia sido detalhada em um estudo com pesquisadores brasileiros publicado no fim de março. Segundo os dez especialistas que assinam o artigo, metade dos casos identificados em território brasileiro eram ligados à Itália.
Ester Sabino, uma das autoras desse segundo estudo e diretora do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (USP), afirmou à época que o espalhamento do vírus no Brasil se deu de modo peculiar.
“Ao contrário da China e de outros países, onde o surto de COVID-19 começou devagar, com um número pequeno de casos inicialmente, no Brasil mais de 300 pessoas começaram a epidemia, em sua maioria vindas da Itália. Isso resultou em uma disseminação muito rápida do vírus (em dez capitais)”, disse, em entrevista à Agência Fapesp.
Quando o vírus se instalou no Brasil, ou seja, passou a ser transmitido localmente em larga escala, ele também sofreu novas mutações que permitem identificar o percurso dele dentro do país.
Até 10 de abril, o Brasil havia registrado 19.638 casos da doença e 1.056 mortes. Há notificações em todos os Estados e no Distrito Federal.
Mutações genéticas oferecem riscos?
Para chegar até os humanos, o novo coronavírus (Sars-CoV-2) precisou mutar no animal onde estava antes. Desde o início da pandemia, nenhum estudo identificou que alguma mutação tenha tornado o coronavírus mais letal ou contagioso.
Segundo especialistas, o termo “mutação” ganhou uma conotação de perigoso no imaginário popular por meio de obras de ficção com super-heróis mutantes ou vírus mortais que sofreram mutações para dizimar a humanidade.
No início de março, três pesquisadores da Universidade Yale, nos Estados Unidos, escreveram um artigo na revista científica Nature Microbiology com o título “Por que não devemos nos preocupar quando um vírus muta durante epidemias”.
Segundo eles, a mutação faz parte da natureza de um vírus (que é uma coleção de material genético envolvido por uma capa proteica), é uma “consequência natural de ser um vírus”, porque ele utiliza a enzima RNA polimerase para se replicar no corpo humano, e esse processo é suscetível ao erro, e portanto mutações, a cada ciclo de cópia.
Nathan Grubaugh, Mary Petrone e Edward Holmes afirmam que essa capacidade de mutar é o que alimenta o sistema evolucionário, mas uma mutação só vai se espalhar com força numa população de vírus se ela for vantajosa do ponto de vista da seleção natural.
Ou seja, se tornar mais letal pode não ser vantajoso para um vírus porque ele tenderia a se espalhar menos, por exemplo.
“O senso comum é que a virulência só vai mudar, para mais ou para menos, se ela ampliar a taxa de transmissão do vírus, o que significa aumentar a prole. No entanto, uma alta virulência (nem sempre) reduz a transmissibilidade se o hospedeiro está doente demais para expor os outros.”
Com 1,5 milhão de infectados, as mudanças no código genético não devem parar tão cedo para o novo coronavírus. E é possível acompanhar o mapeamento dessa evolução pelo site NextStrain, que oferece um mapa dos trajetos percorridos por cada variação ao redor do mundo ao longo do tempo.
Por R7