Estudo brasileiro divulgado na revista científica Molecular Human Reproduction ajuda a entender por que filhos de mães obesas são mais propensos a desenvolver doenças metabólicas ao longo da vida, como pesquisas anteriores haviam sugerido.
Segundo os autores, esse fenômeno de “transmissão transgeracional de doenças” pode estar relacionado com a deficiência de uma proteína chamada mitofusina-2 no óvulo materno. Normalmente, essa molécula é encontrada na membrana externa das mitocôndrias. Sua ausência faz com que essas organelas responsáveis pelo fornecimento de energia para a célula fiquem inchadas e disfuncionais, além de alterar a expressão de quase mil genes no gameta feminino.
“A mitofusina-2 tem sido apontada em diversos estudos como um importante regulador metabólico. Há evidências de que, à medida que um indivíduo ganha peso, a expressão dessa proteína diminui nas células do músculo e do fígado – dois tecidos importantes para a regulação das taxas de glicemia. E também em portadores de diabetes a expressão de mitofusina-2 está reduzida nessas células”, conta o Dr. Marcos Chiaratti, professor do Departamento de Genética e Evolução da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e coordenador da pesquisa, apoiada pela FAPESP.
No artigo recém-publicado, o grupo liderado pelo Dr. Chiaratti descreve resultados de experimentos com camundongos geneticamente modificados para não expressar a mitofusina-2 apenas no gameta feminino (célula também chamada de oócito ou óvulo). Embora a deficiência da proteína não tenha afetado a fertilidade das fêmeas, como se imaginava inicialmente, os filhotes por elas gerados apresentaram maior ganho de peso em comparação aos descendentes dos animais controle e, após nove semanas de vida, mesmo alimentados com uma dieta padrão, haviam se tornado diabéticos.
Para desvendar os mecanismos moleculares associados a esse fenótipo anormal, o Dr. Chiaratti estabeleceu uma colaboração com integrantes do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma) e do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC) – dois Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela FAPESP. Parte do trabalho foi feita durante o mestrado de Bruna Garcia, no Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS) da UFSCar, sob orientação do Dr. Chiaratti.
O primeiro passo foi avaliar que tipo de disfunção o óvulo deficiente de mitofusina-2 apresentava ao atingir o estágio em que se encontra pronto para ser fecundado. As análises revelaram que o número de mitocôndrias estava reduzido nessas células, assim como a quantidade de ATP (trifosfato de adenosina, molécula usada como combustível celular) produzida.
Os pesquisadores também notaram que as mitocôndrias dos gametas estavam mais agregadas do que o normal, tinham o dobro do tamanho esperado e apresentavam-se mais distante do retículo endoplasmático – organela com a qual precisam interagir para importar cálcio e outras substâncias importantes para seu funcionamento.
De acordo com o Dr. Chiaratti, uma das funções conhecidas da mitofusina-2 é garantir que a mitocôndria se mantenha em contato com o retículo endoplasmático – estrutura que participa da síntese e do transporte de diversas substâncias dentro da célula. Os resultados da pesquisa sugerem que a deficiência dessa molécula compromete a interação entre as duas organelas, prejudicando a função de ambas no gameta.
“Há evidências de que o fenômeno de transmissão transgeracional de doenças como o diabetes está associado à disfunção mitocondrial e ao estresse de retículo endoplasmático no óvulo. Nossos achados corroboram essa hipótese”, diz o pesquisador à Agência FAPESP. “A falta da mitofusina-2 parece afetar a biogênese mitocondrial [e por isso o número de organelas é menor] e também a capacidade da mitocôndria de se locomover no citoplasma e atender a demanda energética da célula”, acrescenta.
O passo seguinte foi caracterizar o transcriptoma [conjunto de moléculas de RNA expressas pelos genes] do óvulo sem mitofusina-2 e compará-lo com o controle. Por meio de uma técnica de sequenciamento de RNAs, os pesquisadores descobriram que 517 genes estavam com expressão diminuída no gameta do animal modificado e outros 426 genes estavam mais ativos em comparação ao controle.
“Fomos então olhar a quais vias de sinalização pertenciam esses genes diferencialmente expressos. Encontramos vias ligadas ao funcionamento do retículo endoplasmático e da mitocôndria, além de vias associadas a processos endócrinos, como a regulação da glicemia”, conta o Dr. Chiaratti.
Alterações na prole
As análises feitas com os descendentes das fêmeas geneticamente modificadas tiveram como foco as células do músculo esquelético e do fígado. O objetivo era entender por que esses animais haviam se tornado diabéticos mesmo quando alimentados com dieta balanceada.
Nos dois tipos celulares, não se observou a condição conhecida como estresse de retículo endoplasmático – caracterizada por um acúmulo de proteínas no interior da organela que atrapalha seu funcionamento. Também não foram detectadas alterações mitocondriais nas células musculares. Já as mitocôndrias do fígado estavam levemente disfuncionais.
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Fonte: Karina Toledo, Agência FAPESP.