Agência FAPESP — Depois de meio século, um dos momentos históricos mais importantes para a arte brasileira passa por uma ampla revisão crítica. Parte importante dessa reflexão será apresentada, nos dias 13 e 14 de setembro, em Houston, nos Estados Unidos, durante o Seminário Internacional Concretismo e Neoconcretismo 50 Anos Depois.
O seminário, que pretende gerar quadros teóricos e novas linhas de pesquisa para a interpretação do concretismo, é fruto do projeto Arte no Brasil: textos críticos do século 20, resultado de parceria entre a FAPESP e o Museum of Fine Arts, Houston (MFAH). O projeto foi lançado em maio e coordenado pela historiadora da arte Ana Maria de Moraes Belluzzo, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP).
O Arte no Brasil, por sua vez, integra o projeto Documentos do século 20 — arte latino-americana e latino-norte-americana, coordenado desde 2003 pelo MFAH em parceria com instituições da Argentina, Chile, México, Colômbia, Peru e Venezuela, além dos Estados Unidos.
De acordo com Belluzzo, a revisão historiográfica apresentada no seminário em Houston se apoiará no testemunho de alguns dos artistas que participaram daquelas tendências artísticas e de críticos que identificaram, na época, sua contribuição em relação à arte latino-americana de vanguarda e às modalidades abstratas internacionais.
"O seminário procurará atualizar o debate em torno das utopias geométricas e construtivas, aproveitando o distanciamento e a compreensão que podemos ter hoje daquele período", disse à Agência FAPESP.
Segundo a pesquisadora, o seminário é uma expansão do trabalho realizado no Brasil com o projeto Arte no Brasil, que tem feito um aprofundamento da pesquisa sobre o tema por meio de um levantamento seletivo de textos de época.
"O grupo brasileiro estabeleceu o processo de pequenos seminários temáticos como forma de trabalho. Em um primeiro momento, tínhamos uma visão geral e, agora, estamos em uma etapa de estudos individualizados a respeito da contibuição dos críticos e artistas que atuaram no período", explicou.
Participarão do seminário especialistas como o artista e designer paulista Alexander Wollner, a curadora Aracy Amaral, os professores Ronaldo Brito (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro — PUC-RJ), Francisco Alambert (USP), Paulo Sérgio Duarte (Universidade Cândido Mendes), María Amalia García (Universidade de Buenos Aires), Nicolau Sevcenko (USP) e Paulo Venâncio Filho (UFRJ).
Reinterpretando divergências
Ao se debruçar sobre o período, os pesquisadores ligados ao projeto Arte no Brasil começaram a corrigir algumas interpretações tradicionais. Com o distanciamento de 50 anos, foi possível, por exemplo, lançar sobre o período um olhar que relativiza as supostas divergências entre o neoconcretismo dos artistas cariocas e o construtivismo dos artistas e desenhistas industriais de São Paulo.
"Agora, podemos ver que já havia nos dois lugares uma concepção diferente da arte — mais ligada à produção em São Paulo e mais voltada para a expressão no Rio de Janeiro. As semelhanças os aproximaram, mas, quando houve o encontro, as diferenças é que foram ressaltadas. Não houve uma divergência do grupo concreto, houve um estranhamento proveniente de fundamentos diferentes para utopias comuns", afirmou Ana Belluzzo.
A chamada fase das utopias geométricas e construtivas, de acordo com a professora da FAU, coincide com um momento em que o Brasil tinha grandes esperanças de construção de uma nova realidade social.
"No pós-guerra, as sociedades passavam por uma fase de transição na qual não havia uma hegemonia tão grande no controle internacional. Os países se voltaram para a busca de suas próprias soluções e formularam utopias. Não é à toa que o concretismo é contemporâneo do projeto desenvolvimentista de Juscelino Kubitscheck", destacou.
Naquele momento, segundo a pesquisadora, havia uma crença generalizada de que a modernidade e a industrialização poderiam colaborar para a transformação social do mundo. O projeto construtivo abriu as perspectivas para a superação do ser humano por meio da criação, seja pelas artes plásticas, desenho industrial, mobíliario ou arquitetura.
"A arte construtiva é fascinante porque estava a serviço da construção — as utopias não se restringiam ao universo artístico. Parte desses grupos via a arte apenas como expressão, mas outra parte queria buscar aplicações na sociedade", disse.
A importância desse capítulo da história da arte no Brasil, de acordo com Ana Belluzzo, é que, talvez, ele tenha sido o último grande movimento formulado em conjunto por poetas, artistas plásticos, críticos e desenhistas industriais. "Foi uma pequena brecha em um processo que conduzia à difusão de massa. Foi uma utopia que não aconteceu, como o desenvolvimentismo. As razões disso são um dos objetos de estudo."
Publicação em breve
O tema do seminário vem sendo aprofundado gradualmente. Em junho, o projeto Arte no Brasil realizou, em São Paulo, o colóquio fechado Utopias gemoétricas e construtivas, sobre a atuação crítica e o movimento construtivo brasileiro.
O evento de dois dias foi gravado e transcrito e os organizadores pretendem publicar o conteúdo debatido. "As contribuições foram de um nível excepcional do ponto de vista da qualidade. O projeto continuará realizando este tipo de colóquios", disse Ana Beluzzo.
No evento, o professor Franklin Leopoldo, da USP, relacionou o pensamento filosófico do francês Henri Bergson aos artistas construtivos brasileiros. Francisco Alambert discorreu sobre o papel da crítica nas tendências experimentais e de vanguarda. Ronaldo Brito, da PUC-RJ, discutiu o tema "Concretos e neoconcretos, 50 anos depois".
Lorenzo Mammi, da USP, falou sobre a reedição da exposição de arte concreta de 1956. Paulo Venâncio Filho, da UFRJ, apresentou o projeto "O neoconcretismo e a arte contemporânea brasileira: presença e transformação" e Luiz Camillo Osório, da PUC-RJ, falou sobre arte e tecnologia na obra de Abraham Palatnik.