Crianças desobedientes, adolescentes rebeldes e até mesmo adultos cabeça-dura provavelmente já ouviram alguém dizer que eles estão provocando cabelos brancos nos outros. Agora, essas pessoas apontadas como irritantes podem ser “acusadas” com base científica.
Cientistas do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias, da Fapesp, em parceria com pesquisadores de Harvard revelaram nesta quarta-feira (22/01) que o processo de despigmentação capilar pode ocorrer de maneira acelerada em pessoas sob condições de estresse ou depois de passar por um grande trauma.
O estudo, que durou cerca de três anos, passou por diversos testes laboratoriais e foi publicado na revista científica Nature.
O cientista Thiago Mattar Cunha afirmou que chegou à conclusão desse estudo graças a uma série de fatores imprevistos.
“O nosso laboratório é sobre dor. Então injetamos uma toxina que gerava muita dor em camundongos sem saber para onde ir. A partir disso, vimos que eles ficavam com pelos brancos depois de quatro semanas. Foi inesperado. Quando fui fazer um sabático em Harvard, falei para um supervisor sobre esse achado e eles disseram que também estavam fazendo algo nessa linha e nos chamaram para colaborar”, conta o cientista brasileiro à BBC News Brasil.
A maior parte dos testes foi feita na universidade americana, coordenada pela professora de biologia regenerativa Ya-Chieh Hsu. A outra foi realizada nos laboratórios da USP de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo.
Os pesquisadores identificaram que o sistema nervoso simpático tem uma ligação muito próxima com o estresse.
Responsável por controlar as respostas do organismo em situações de perigo por meio de uma onda de adrenalina e cortisol, ele faz o coração bater mais rápido, a pressão arterial subir, a respiração acelerar e as pupilas dilatarem.
Tudo isso para que o corpo se prepare o mais rápido porssível para uma luta, esquiva ou fuga. A partir disso, eles passaram a tentar identificar possíveis formas de bloquear isso.
Problema e solução
Os cientistas brasileiros identificaram a ligação entre estresse e o surgimento de cabelos brancos após injetarem uma substância chamada resiniferatoxin — extraída da planta Euphorbia resinifera, parecida com um cacto, que causa uma forte dor e, consequentemente, um grande estresse em camundongos com pelos pretos.
A aplicação foi feita com uma dose considerada alta pelos cientistas durante três dias consecutivos.
“Cerca de quatro semanas após a injeção sistêmica da toxina, um aluno de doutorado observou que os animais estavam com os pelos completamente brancos. Aparecia em cerca de 30% a 40% dos pelos. Quanto maior o estresse, mais pelos brancos”, afirmou o cientista brasileiro.
Para o cientista Thiago Cunha, a grande importância desse estudo é demonstrar que há uma base científica por trás de uma crença popular. Historiadores relatam, inclusive, que um grande volume de cabelos brancos surgiu na cabeça da rainha Maria Antonieta durante a Revolução Francesa, em 1793, quando ela soube que seria guilhotinada.
Mas os cientistas descobriram uma maneira de impedir esse surgimento dos pelos brancos. Eles identificaram que o estresse associado à dor causava o “amadurecimento” das células-tronco melanocíticas dentro do bulbo capilar, responsáveis pela produção de melanina, o pigmento que colore os fios.
“Então tratamos os animais com guanetidina, um anti-hipertensivo capaz de inibir a neurotransmissão pelas fibras simpáticas e observamos que o processo de embranquecimento capilar foi bloqueado”, afirmou Cunha.
Em outro teste, essa neurotransmissão foi interrompida por uma cirurgia de retirada das fibras simpáticas. Isso também bloqueou o branqueamento capilar mesmo após a aplicação da injeção para indução da dor.
“Esses e outros experimentos conduzidos demonstraram a participação da inervação simpática no processo de embranquecimento capilar e confirmaram que a dor atua, nesse modelo, como um potente estressor”, afirmou.
O cientista diz que não há uma pesquisa no sentido de criação de um medicamento que evitaria o embranquecimento do cabelo. Até porque as tinturas disponíveis hoje já resolvem a questão estética e não possuem efeitos colaterais que um medicamento pode causar.
Para o pesquisador, é “bem provável” que outros sistemas do organismo sofram efeitos semelhantes ao identificado no bulbo capilar sob uma condição de estresse intenso.
“A grande questão a partir de agora é avaliar se o branqueamento imediato pelo envelhecimento também possui esse mesmo mecanismo. Esse seria um dos desdobramentos a serem estudados a partir de alterações em células-tronco causadas pelo estresse, como alterações no intestino, medula óssea etc. Isso abre uma perspectiva de analisar o impacto do estresse em outras doenças.”
Fonte BBC