Análise da difusão da doença mostrou que o método de distribuição de vacinas utilizado na época foi a escolha certa para evitar mais mortes durante o surto ocorrido entre 2016 e 2019
Cientistas analisaram o processo de difusão do surto de febre amarela entre 2016 e 2019 no estado de São Paulo e concluíram que a estratégia adotada pela Secretaria de Saúde do Estado foi a decisão certa para evitar mais infecções e mortes. A investigação foi conduzida por pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, do Centro de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo e da Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN) e seus resultados foram publicados em um artigo na revista Scientific Reports.
A febre amarela é uma doença viral não contagiosa. No seu ciclo silvestre, ela circula entre primatas não humanos e é transmitida por mosquitos dos gêneros Haemagogus e Sabethes. Já em seu ciclo urbano, ela é transmitida pelo Aedes aegypti para seres humanos, que se tornam novas fontes de infecção para outros mosquitos. Existe vacina contra ela, mas não medicamentos específicos para o tratamento, que consiste basicamente em manejar os sintomas.
Em 2016, eclodiu um surto da doença que começou na região oeste do estado de São Paulo e se alastrou para o litoral e estados vizinhos, infectando 648 pessoas e causando 230 mortes.
Como não existiam vacinas disponíveis suficientes para vacinar todo mundo, um critério territorializado precisava ser escolhido para conter o surto da maneira mais eficaz. Na época, havia duas teorias sobre como deveria ser conduzida a vacinação, que dependiam do diagnóstico sobre como o contágio estava se espalhando:
A primeira teoria acreditava que a doença estava sendo transportada pelo país por pessoas infectadas e, logo, que ela saltaria muito rapidamente de uma cidade para outra, já que seres humanos viajam grandes distâncias em pouco tempo (por causa de carros, trens, aviões etc). Seguindo essa lógica, depois que o vírus chegou em Campinas, ele atingiria a populosa capital paulista em pouco tempo, devido ao grande fluxo de pessoas que transitam entre essas cidades. Então, a população paulistana deveria ser priorizada na vacinação.
A outra teoria era que a doença estava sendo transportada apenas por mosquitos e primatas não humanos, ou seja, que estava se movendo bem mais devagar, passando gradativamente de uma cidade para suas vizinhas e assim por diante. Então, a decisão mais inteligente, assim que a vacina chegou em Campinas, seria vacinar os residentes dos municípios ao redor, como Jundiaí, Valinhos e Pinheiros. Essa foi a estratégia adotada pela Secretaria de Saúde, conta Adriano Pinter, pesquisador científico da Superintendência de Controle de Endemias que participou da equipe envolvida na resposta do governo estadual durante o surto e contribuiu com o novo estudo.
Os resultados apresentados no artigo apontam que tal decisão foi acertada. “O que a gente mostra no artigo é que se essa decisão não tivesse sido adotada, os efeitos em termos de óbitos poderiam ter sido muito piores”, explica Francisco Chiaravalloti-Neto, professor associado do Departamento de Epidemiologia da FSP que também participou do estudo.
De acordo com Alec Brian Lacerda, mestrando no Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da FSP e primeiro autor do artigo, o estudo consistiu em avaliar qual era o processo de difusão pelo qual a doença estava se espalhando. A conclusão foi justamente que a suposição da Secretaria de que a difusão estava ocorrendo por contágio, sem participação humana e se movendo lentamente, estava correta.
A pesquisa recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O artigo Diffusion of sylvatic yellow fever in the state of São Paulo, Brazil pode ser lido na íntegra aqui.
Mais informações: Francisco Chiaravalloti Neto, no e-mail franciscochiara@usp.br, Alec Lacerda, no e-mail alec.lacerda@usp.br, e Adriano Pinter, no e-mail apinter@sucen.sp.gov.br