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Diário da Manhã (GO) online

Estatística de um drama familiar

Publicado em 04 dezembro 2013

Por Joaquim Munduruca

Mesmo no mundo da dependência das drogas e do alcoolismo o homem não é uma ilha. As escolhas individuais afetam não somente a vida do dependente, mas também trazem um enorme ônus para a família e pessoas próximas a ele. Isso é o que busca mostrar um estudo divulgado na terça-feira (3), sugerindo haver, no Brasil, cerca de 28 milhões de pessoas com algum dependente químico na família. O levantamento realizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) levou em consideração apenas os pacientes (usuários de maconha, cocaína e os alcoolistas) cadastrados e atualmente em tratamento de reabilitação em clínicas, comunidades terapêuticas, grupos de ajuda e pastorais religiosas, ou seja, cerca de oito milhões de brasileiros, ou 5,7% da população. Os números, no entanto, podem ser maiores. Em Goiás e na Capital, não há dados oficiais sobre o tema, mas estima-se que o número de dependentes seja de 10%.

O Levantamento Nacional de Famílias dos Dependentes Químicos (Lenad Família), da Unifesp, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), entrevistou 3.142 famílias de 23 capitais brasileiras utilizando um questionário com 115 perguntas. Dado o enorme escopo do levantamento, ele é considerado o maior já realizado em todo o mundo sobre a dependência química em uma dada população levando em consideração os dependentes cadastrados em programas de reabilitação e suas famílias exclusivamente.

Os dados colhidos entre junho de 2012 e julho de 2013 revelaram informações sobre o perfil dos consumidores de maconha, de cocaína e de seus derivados (crack, pasta base, merla e oxi) e dos alcoólatras, bem como o perfil de suas famílias. Segundo o estudo, há no País atualmente cerca de oito milhões de dependente, algo em torno de 5,7% dos brasileiros. Levando-se em consideração a população de dependentes químicos levantada pela pesquisa, há, pelo menos, para cada usuário, quatro pessoas vivendo angustiadas e ameaçados pelas drogas. Em 61,6% dessas famílias, há mais de um dependente químico. Ainda segundo o estudo, cerca de 1,5 milhões de adolescentes e adultos usam maconha diariamente no País. O Brasil é também o segundo país do mundo em consumo estimado de cocaína e derivados da droga com cerca de seis milhões de usuários, ou 20% do mercado mundial, atrás apenas dos Estados Unidos. (Veja no box o ranking dos países com maior número de consumidores)

Perfil do usuário e da família

De acordo com o levantamento estatístico, os pacientes em tratamento para dependência química são comumente “poli usuários”, ou seja, costumam utilizar variados tipos de drogas, ou associar o seu uso com bebidas alcoólicas. 20% fazem uso frequente de álcool e 54% nos finais de semana, 39% dessa população de consumidores esporádicos são do sexo feminino. 68% dos “poli usuários” fazem uso de maconha associado a outras drogas. Os dependentes são, em geral, do sexo masculino, e com idade média de 32 anos. 26% deles têm ensino superior completo ou incompleto e 27% já se envolveram em episódios de agressão física.

Outro dado curioso da pesquisa é o tempo médio de dependência, 13 anos, nove deles, com o conhecimento da família. O estudo também revelou que o tempo médio entre a descoberta da dependência e a busca de ajuda profissional é de dois anos para a dependência química (crack e cocaína) e pouco mais de sete para o alcoolismo, o que revela maior tolerância para o abuso do álcool, mais aceito social e culturalmente. Um terço das famílias informou que as mudanças de comportamento denunciaram a dependência e 46,8% delas acredita que fatores externos ao convívio familiar, a exemplo de más companhias, são responsáveis pelo início do vício. 26% apontaram a autoestima baixa como principal fator desencadeador da dependência. O estudo também descobriu que 58% dos casos de internação foram realizados em clínicas de reabilitação particulares, sendo que 9% deles tiveram cobertura de planos privados de saúde. Apenas 6,5% das famílias entrevistadas tiveram acesso a tratamentos em hospitais via Sistema Único de Saúde (SUS).

Goiás

As secretarias de Estado (SES) e Municipal de Saúde (SMS) não dispõem de dados estatísticos oficiais, mas apenas de estimativas do número de usuários de drogas e álcool para todo o Estado e para a Capital, respectivamente. Ambas trabalham com um cruzamento de dados fornecidos pela Polícia Militar (PM) e pela Delegacia Estadual de Repressão a Narcóticos (Denarc) responsáveis pelas apreensões de drogas e abordagens a traficantes e usuários, bem como dos Centros de Atenção Psicossocial para o Álcool e as Drogas (Caps), que dispõem do número de pacientes atualmente em tratamentos nas unidades de reabilitação.

A SES estima que 10% da população goiana fazem uso frequente de algum tipo de droga, incluindo álcool. Ainda segundo a secretaria, o enfrentamento do problema tem sido realizado por meio de uma política de ações em conserto nas áreas da saúde, da educação e da segurança públicas. De acordo com o Grupo Executivo de Enfrentamento às Drogas, ligado à SES, um estudo estatístico da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fio Cruz) está atualmente em curso, e tem por objetivo fazer o mapeamento dos usuários e a identificação dos tipos de substâncias para todas as unidades da Federação. A divulgação do trabalho está prevista para junho de 2014.

Assim como sua congênere estadual, a SMS também não dispõe de dados estatísticos sobre o uso de drogas em Goiânia, contudo uma média mensal dos atendimentos realizados na rede de saúde pública, nos Caps, nos prontos-socorros psiquiátricos, entre outros, permitem fazer uma estimativa possivelmente muito distante dos números reais. Segundo a SMS, no Caps Girassol, no Setor Oeste, 60 a 80 crianças e adolescentes (de até 14 anos) buscam tratamentos contra as drogas mensalmente. Já no Caps AD/Casa, no Setor Sul, a média mensal de atendimentos é de 80 a 100 adultos usuários. (Veja o Box com os dados sobre os usuários de drogas na Capital)

Padrões de consumo

Em outro estudo, ainda em andamento, coordenado pelo Instituto Nacional de Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas (Inpad) entre outros, dados sobre o perfil dos usuários e os padrões de consumo em 35 países, incluindo o Brasil, serão avaliados e mapeados. A peasquisa online, de nome “Global Drug Survey” (pesquisa global sobre drogas, numa tradução livre) e tem divulgação prevista para março de 2014.

A intenção da pesquisa é conhecer melhor a ocupação do usuário, sua personalidade, bem-estar ou mal-estar produzido pela droga, mercado negro, preços, locais de compra, forma de aquisição, intensidade, frequência, se faz uso combinado com outras substâncias e quando ocorreu o primeiro contato, entre outras informações, para criar políticas públicas de controle e prevenção mais eficazes contra os psicotrópicos, os entorpecentes, os estimulantes energéticos e os antidepressivos. (Veja no Box mais informações sobre a cocaína e derivados e a maconha)

Usuários de maconha

País - População adulta (em %)

Canadá - 14

Nova Zelândia - 13

Itália - 11

Estados Unidos - 10

Reino Unido - 10

Austrália - 9

França - 9

Chile - 7

Argentina - 7

Dinamarca - 5

Holanda - 5

Alemanha - 5

Portugal - 4

África do Sul - 4

Brasil - 3

Suécia - 2

Japão - 0,2

Fonte: Lenad Família/Unifesp

Uso de drogas em Goiânia

Pronto Socorro Psiquiátrico Wassily Chuc (Setor Bueno)

Dependentes químicos - Média mensal

Adolescentes - 25

Sexo feminino - 35

Sexo masculino - 160

Internação compulsória - 30

Caps Girassol (Setor Oeste)

4Capacidade: até 25 usuários por turno

4259 usuários ativos atualmente (compareceram uma vez a cada seis meses)

460 a 80 casos novos por mês

Caps AD Casa (Setor Sul)

41.500 usuários ativos (compareceram uma vez nos últimos 90 dias)

4450 a 500 têm frequência normal

480 a 100 casos novos por mês

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde (SMS)

saiba mais

Usuários de cocaína e derivados

2,6 milhões de adultos usuários

244 mil adolescentes usuários

78% aspiraram o pó

5% fumaram derivados

17% usaram as duas formas

27% fizeram uso diário

14% injetaram a droga na veia

45% experimentaram a droga antes da maioridade

48% se tornaram dependentes

30% desejam abandonar o vício

1% já buscou ajuda profissional

78% acham fácil adquirir a droga

10% admitiram ter feito tráfico

70% fazem uso associado de maconha

60% do tráfico internacional têm o Brasil como destino

Usuários por Região (em %)

Sudeste (46%)

Nordeste (27%)

Norte e Centro-Oeste (10%)

Sul (7%)

Usuários de maconha

41% usam cocaína esporadicamente

62% fizeram uso precoce da droga

17% adquiriram a droga dentro das escolas

Fonte: Lenad Família/Unifesp (2011-2012)

Usuários de cocaína e crack (2012)

País ou região - Em milhões de pessoas

Estados Unidos - 4,1

Brasil - 2,8

América do Sul - 2,4

Ásia - 2,3

África Central - 2,3

Reino Unido - 1,1

Espanha - 0,8

Leste Europeu - 0,6

Canadá - 0,5

Oceania - 0,4

Caribe - 0,3

África do Sul - 0,3

América Central - 0,1

Fonte: Organização Mundial de Saúde (OMS)