Mesmo no mundo da dependência das drogas e do alcoolismo o homem não é uma ilha. As escolhas individuais afetam não somente a vida do dependente, mas também trazem um enorme ônus para a família e pessoas próximas a ele. Isso é o que busca mostrar um estudo divulgado na terça-feira (3), sugerindo haver, no Brasil, cerca de 28 milhões de pessoas com algum dependente químico na família. O levantamento realizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) levou em consideração apenas os pacientes (usuários de maconha, cocaína e os alcoolistas) cadastrados e atualmente em tratamento de reabilitação em clínicas, comunidades terapêuticas, grupos de ajuda e pastorais religiosas, ou seja, cerca de oito milhões de brasileiros, ou 5,7% da população. Os números, no entanto, podem ser maiores. Em Goiás e na Capital, não há dados oficiais sobre o tema, mas estima-se que o número de dependentes seja de 10%.
O Levantamento Nacional de Famílias dos Dependentes Químicos (Lenad Família), da Unifesp, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), entrevistou 3.142 famílias de 23 capitais brasileiras utilizando um questionário com 115 perguntas. Dado o enorme escopo do levantamento, ele é considerado o maior já realizado em todo o mundo sobre a dependência química em uma dada população levando em consideração os dependentes cadastrados em programas de reabilitação e suas famílias exclusivamente.
Os dados colhidos entre junho de 2012 e julho de 2013 revelaram informações sobre o perfil dos consumidores de maconha, de cocaína e de seus derivados (crack, pasta base, merla e oxi) e dos alcoólatras, bem como o perfil de suas famílias. Segundo o estudo, há no País atualmente cerca de oito milhões de dependente, algo em torno de 5,7% dos brasileiros. Levando-se em consideração a população de dependentes químicos levantada pela pesquisa, há, pelo menos, para cada usuário, quatro pessoas vivendo angustiadas e ameaçados pelas drogas. Em 61,6% dessas famílias, há mais de um dependente químico. Ainda segundo o estudo, cerca de 1,5 milhões de adolescentes e adultos usam maconha diariamente no País. O Brasil é também o segundo país do mundo em consumo estimado de cocaína e derivados da droga com cerca de seis milhões de usuários, ou 20% do mercado mundial, atrás apenas dos Estados Unidos. (Veja no box o ranking dos países com maior número de consumidores)
Perfil do usuário e da família
De acordo com o levantamento estatístico, os pacientes em tratamento para dependência química são comumente “poli usuários”, ou seja, costumam utilizar variados tipos de drogas, ou associar o seu uso com bebidas alcoólicas. 20% fazem uso frequente de álcool e 54% nos finais de semana, 39% dessa população de consumidores esporádicos são do sexo feminino. 68% dos “poli usuários” fazem uso de maconha associado a outras drogas. Os dependentes são, em geral, do sexo masculino, e com idade média de 32 anos. 26% deles têm ensino superior completo ou incompleto e 27% já se envolveram em episódios de agressão física.
Outro dado curioso da pesquisa é o tempo médio de dependência, 13 anos, nove deles, com o conhecimento da família. O estudo também revelou que o tempo médio entre a descoberta da dependência e a busca de ajuda profissional é de dois anos para a dependência química (crack e cocaína) e pouco mais de sete para o alcoolismo, o que revela maior tolerância para o abuso do álcool, mais aceito social e culturalmente. Um terço das famílias informou que as mudanças de comportamento denunciaram a dependência e 46,8% delas acredita que fatores externos ao convívio familiar, a exemplo de más companhias, são responsáveis pelo início do vício. 26% apontaram a autoestima baixa como principal fator desencadeador da dependência. O estudo também descobriu que 58% dos casos de internação foram realizados em clínicas de reabilitação particulares, sendo que 9% deles tiveram cobertura de planos privados de saúde. Apenas 6,5% das famílias entrevistadas tiveram acesso a tratamentos em hospitais via Sistema Único de Saúde (SUS).
Goiás
As secretarias de Estado (SES) e Municipal de Saúde (SMS) não dispõem de dados estatísticos oficiais, mas apenas de estimativas do número de usuários de drogas e álcool para todo o Estado e para a Capital, respectivamente. Ambas trabalham com um cruzamento de dados fornecidos pela Polícia Militar (PM) e pela Delegacia Estadual de Repressão a Narcóticos (Denarc) responsáveis pelas apreensões de drogas e abordagens a traficantes e usuários, bem como dos Centros de Atenção Psicossocial para o Álcool e as Drogas (Caps), que dispõem do número de pacientes atualmente em tratamentos nas unidades de reabilitação.
A SES estima que 10% da população goiana fazem uso frequente de algum tipo de droga, incluindo álcool. Ainda segundo a secretaria, o enfrentamento do problema tem sido realizado por meio de uma política de ações em conserto nas áreas da saúde, da educação e da segurança públicas. De acordo com o Grupo Executivo de Enfrentamento às Drogas, ligado à SES, um estudo estatístico da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fio Cruz) está atualmente em curso, e tem por objetivo fazer o mapeamento dos usuários e a identificação dos tipos de substâncias para todas as unidades da Federação. A divulgação do trabalho está prevista para junho de 2014.
Assim como sua congênere estadual, a SMS também não dispõe de dados estatísticos sobre o uso de drogas em Goiânia, contudo uma média mensal dos atendimentos realizados na rede de saúde pública, nos Caps, nos prontos-socorros psiquiátricos, entre outros, permitem fazer uma estimativa possivelmente muito distante dos números reais. Segundo a SMS, no Caps Girassol, no Setor Oeste, 60 a 80 crianças e adolescentes (de até 14 anos) buscam tratamentos contra as drogas mensalmente. Já no Caps AD/Casa, no Setor Sul, a média mensal de atendimentos é de 80 a 100 adultos usuários. (Veja o Box com os dados sobre os usuários de drogas na Capital)
Padrões de consumo
Em outro estudo, ainda em andamento, coordenado pelo Instituto Nacional de Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas (Inpad) entre outros, dados sobre o perfil dos usuários e os padrões de consumo em 35 países, incluindo o Brasil, serão avaliados e mapeados. A peasquisa online, de nome “Global Drug Survey” (pesquisa global sobre drogas, numa tradução livre) e tem divulgação prevista para março de 2014.
A intenção da pesquisa é conhecer melhor a ocupação do usuário, sua personalidade, bem-estar ou mal-estar produzido pela droga, mercado negro, preços, locais de compra, forma de aquisição, intensidade, frequência, se faz uso combinado com outras substâncias e quando ocorreu o primeiro contato, entre outras informações, para criar políticas públicas de controle e prevenção mais eficazes contra os psicotrópicos, os entorpecentes, os estimulantes energéticos e os antidepressivos. (Veja no Box mais informações sobre a cocaína e derivados e a maconha)
Usuários de maconha
País - População adulta (em %)
Canadá - 14
Nova Zelândia - 13
Itália - 11
Estados Unidos - 10
Reino Unido - 10
Austrália - 9
França - 9
Chile - 7
Argentina - 7
Dinamarca - 5
Holanda - 5
Alemanha - 5
Portugal - 4
África do Sul - 4
Brasil - 3
Suécia - 2
Japão - 0,2
Fonte: Lenad Família/Unifesp
Uso de drogas em Goiânia
Pronto Socorro Psiquiátrico Wassily Chuc (Setor Bueno)
Dependentes químicos - Média mensal
Adolescentes - 25
Sexo feminino - 35
Sexo masculino - 160
Internação compulsória - 30
Caps Girassol (Setor Oeste)
4Capacidade: até 25 usuários por turno
4259 usuários ativos atualmente (compareceram uma vez a cada seis meses)
460 a 80 casos novos por mês
Caps AD Casa (Setor Sul)
41.500 usuários ativos (compareceram uma vez nos últimos 90 dias)
4450 a 500 têm frequência normal
480 a 100 casos novos por mês
Fonte: Secretaria Municipal de Saúde (SMS)
saiba mais
Usuários de cocaína e derivados
2,6 milhões de adultos usuários
244 mil adolescentes usuários
78% aspiraram o pó
5% fumaram derivados
17% usaram as duas formas
27% fizeram uso diário
14% injetaram a droga na veia
45% experimentaram a droga antes da maioridade
48% se tornaram dependentes
30% desejam abandonar o vício
1% já buscou ajuda profissional
78% acham fácil adquirir a droga
10% admitiram ter feito tráfico
70% fazem uso associado de maconha
60% do tráfico internacional têm o Brasil como destino
Usuários por Região (em %)
Sudeste (46%)
Nordeste (27%)
Norte e Centro-Oeste (10%)
Sul (7%)
Usuários de maconha
41% usam cocaína esporadicamente
62% fizeram uso precoce da droga
17% adquiriram a droga dentro das escolas
Fonte: Lenad Família/Unifesp (2011-2012)
Usuários de cocaína e crack (2012)
País ou região - Em milhões de pessoas
Estados Unidos - 4,1
Brasil - 2,8
América do Sul - 2,4
Ásia - 2,3
África Central - 2,3
Reino Unido - 1,1
Espanha - 0,8
Leste Europeu - 0,6
Canadá - 0,5
Oceania - 0,4
Caribe - 0,3
África do Sul - 0,3
América Central - 0,1
Fonte: Organização Mundial de Saúde (OMS)