Os governadores não ficaram à espera da aprovação da reforma administrativa, em tramitação no Congresso, para iniciar os ajustes necessários às máquinas de seus governos. Independente da aprovação da quebra da estabilidade do funcionalismo, ou de outros mecanismos previstos para a redução das folhas dos governos - um processo demorado, e ainda incerto, de mudança constitucional -, os estados têm sobre sua cabeça uma espada de Dâmocles: o cumprimento do disposto na Lei Camata, que lhes dá um prazo até 1998 para reduzir suas folhas a 60% de suas receitas líquidas correntes.
Além disso, o grande comprometimento do orçamento com pagamento de pessoal reduziu drasticamente os investimentos dos estados. Se continuarem, até o final de seus governos, meros "administradores de folha de pagamentos", como diz o prefeito do Rio, Marcello Alencar, dificilmente farão seus sucessores.
O gasto com folha, quando aliado a um alto grau de endividamento do estado, é uma combinação explosiva que simplesmente imobiliza uma administração. Em Mato Grosso, por exemplo, a folha salarial não compromete o limite estabelecido pela Lei Camata - é pouco superior a 50% da receita líquida -, mas outros 46% estão comprometidos com o pagamento das dívidas.
Mato Grosso tem uma dívida de curto prazo de R$ 400 milhões, sendo R$ 150 milhões relativos às Antecipações de Receitas Orçamentárias (AROs) com bancos privados, cuja compra está sendo negociada com a Caixa Econômica Federal (CEF). "A Secretaria do Tesouro Nacional retém todo mês o Fundo de Participação do Estado para pagamento de dívidas", informou o secretário do Planejamento, Edson Garcia. Os únicos investimentos que estão sendo garantidos pelo estado são as contrapartidas de recursos externos. Os salários do Executivo estão atrasados desde maio.
À primeira vista, o grande recurso disponível aos governos de estado, que não podem demitir funcionários públicos por proibição constitucional, são os programas de demissão voluntária, para os quais existe uma linha de financiamento do Banco Mundial (Bird). Dos dez estados ouvidos por este jornal, a grande maioria já fez ou tem um programa de demissão em andamento. Mesmo a Bahia, que tem um nível de comprometimento da folha entre 57 e 60% da receita líquida - no limite, portanto, da lei — e consegue destinar 15% para investimentos, fez um programa neste ano. O objetivo, no caso, não era reduzir comprometimento, mas abrir espaço para contratação de pessoal técnico e professores.
O programa, no entanto, não é uma decisão pessoal dos governadores - e os que não têm maioria nas Assembléias Legislativas nem isso conseguem. O governador do Distrito Federal, Christovam Buarque (PT), não conseguiu transitar o seu projeto pelo Legislativo e enfrentou também posições contrárias ferrenhas entre seus auxiliares.
Assim como os programas de demissão voluntária, os próprios programas de privatização têm sido um instrumento útil para os estados, para enxugamento de suas folhas. Em Mato Grosso, o governo tinha oito empresas na administração direta e indireta. Liquidou três, demitiu todos os 1,2 mil funcionários e economizou R$ 1,2 milhão a R$ 1,4 milhão só com pagamento de pessoal. Está aproveitando para transferir a Companhia de Saneamento para os municípios e vai privatizar outras duas, a Companhia de Eletricidade e o Banco do Estado de Mato Grosso. Sobrarão, no final do processo, apenas o Serviço de Processamento de Dados e a Companhia de Extensão Rural, que demitiu 110 dos seus 600 funcionários.
Depois de enfrentar a Justiça para reduzir efetivos da Centrais Elétricas do Pará (Celpa) - e ser impedido de demitir 250 dos 2,9 mil funcionários -, o governador Almir Gabriel (PSDB) decidiu privatizá-la. Aliás, o Programa Estadual de Desestatização (PED), que terá um financiamento de U$ 60 milhões do Bird, é o pilar do programa de reestruturação administrativa do estado. Na Bahia, o programa de privatização também está em andamento: foram colocadas à venda a Companhia de Eletricidade da Bahia (Coelba) e a Bahiafarma, que produz medicamentos.
Em São Paulo, o governador Mário Covas (PSDB) conseguiu aprovar, no mês passado, a lei que cria o Programa Estadual de Desestatização e autoriza a venda de suas empresas elétricas. A reforma administrativa do estado também prevê a reorganização das atividades administrativas, com conseqüente extinção de empresas e órgãos que dupliquem funções e demissão de pessoal. Outro mecanismo bastante utilizado pelos governadores é o da limitação de vencimentos, mas ele esbarra em outra proibição constitucional: a rigor, os governos apenas podem fixar salários de seu pessoal, do Executivo. Ficam de fora o Legislativo e o Judiciário que teriam, eles próprios, de limitar os vencimentos de suas folhas. Os estados que fixaram limites apenas conseguiram fazê-lo no Executivo.
No caso do Pará, por exemplo, esse problema é visto como um dos principais impedimentos para os ajustes de folha salarial. O governador Almir Gabriel reduziu a participação de pessoal e encargos na receita própria do Poder Executivo de 77,34%, em 1994, para 59,40%, em 1995. A estimativa é que neste ano fique em 55%. Em compensação, a O gasto com salários, aliado ao endividamento, imobiliza a administração participação dos poderes Legislativo e Judiciário passou de 14,56% em 1994 para 16,49% no ano passado, e deverá ser maior ainda neste ano. "Não teremos grandes resultados no controle de gastos com pessoal se não houver a participação de outros poderes", afirmou um técnico do governo.
No Rio Grande do Sul, o governador Antônio Britto (PMDB) conseguiu aprovar na Assembléia Legislativa um projeto de lei estabelecendo o teto de R$ 6 mil aos servidores do Executivo, Legislativo e Judiciário. Uma vez em vigor, a lei permitiria ao estado uma economia de R$ 12 milhões mensais, de uma folha de R$ 273,4 milhões. A lei, todavia, foi sustada pelo Judiciário gaúcho.
As Justiças estaduais, aliás, têm imposto outros obstáculos aos ajustes administrativos. Em Minas Gerais, 250 dos 850 servidores demitidos devido à extinção de órgãos e fusões de secretarias foram reintegrados por ordem judicial. No Pará, a Justiça entendeu que os funcionários da Coelba tinham estabilidade e considerou direito adquirido benefícios com o 14° salário, dado a título de participação nos lucros, embora há dez anos a empresa venha registrando prejuízos.
Até o momento, o Rio conseguiu demitir, sem interferência da Justiça, 8 mil funcionários das empresas da administração indireta, que contam com 55 mil empregados em regime de Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Na administração direta, foram demitidos por inquérito ou exoneração 1,2 mil funcionários. Legislação recente aprovada no estado reduz, neste ano, os gastos com folha a 80% da receita líquida corrente, sobre 88% em 1995. Os três poderes deverão apresentar, até 15 de agosto, as metas de redução dos cargos comissionados, para adequação das despesas com folha. O Pará reduziu 15 mil funcionários temporários, desde o ano passado.
A redução dos cargos comissionados foi uma medida amplamente adotada pelos estados. O Rio Grande do Sul reduziu em 30% os cargos de confiança, de assessoramento superior e as funções gratificadas. O Distrito Federal reduziu de R$ 9 milhões para R$ 7 milhões as funções comissionadas. Da mesma forma, a proibição de acúmulo de funções. Em Goiás, a economia gerada com a medida foi de R$ 600 mil, para uma folha hoje de cerca de R$ 90 milhões. O teto salarial no estado é de R$ 6 mil.
Dois dos estados consultados já se anteciparam a uma medida prevista na reforma constitucional administrativa: São Paulo e Bahia colocaram em andamento um programa de avaliação de desempenho. Desde segunda-feira, cerca de 300 mil funcionários paulistas estão sendo avaliados, semestralmente, dentro dos critérios, estabelecidos pelo Programa Permanente de Avaliação de Desempenho. "Não se trata de um programa, de avaliação com a finalidade de demitir, mas se o objetivo é promover o bom empregado, temos de ter uma atitude contrária, de dispensar o mau servidor", afirmou o secretário de Administração, Paulo Bressan.
Na Bahia, o objetivo do programa, segundo explicou o secretário estadual de Administração, Sérgio Moisés, é tentar recapacitar o funcionário para a função que ele desempenha. De qualquer forma, se a intenção for demitir por insuficiência de desempenho, os programas dos dois estados terão de aguardar a decisão do Congresso. Por enquanto, a Constituição não permite.
Colaboraram nesta, reportagem: Maria Inês Nassif e Ana Florence (São Paulo), Sandra Nascimento e Leandra Peres (Brasília), Marco Antônio Monteiro (Rio de Janeiro), Maria José Quadros (Salvador), André Lacerda (Belo Horizonte), Raimundo José Pinto (Belém) e Jussara Marchand (Porto Alegre).
Notícia
Gazeta Mercantil