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Jornal da USP

Esses pós-graduandos e suas lutas (1 notícias)

Publicado em 23 de agosto de 2004

A USP só é reconhecida como a melhor universidade brasileira e da América Latina por causa da sua pós-graduação. Quem afirma tem experiência: graduado na Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Teimo Deifeld fez seu mestrado na Escola Politécnica da USP, onde atualmente cursa o doutorado. Os números comprovam: em 2002. a USP titulou 3.289 mestres e 2.070 doutores - respectivamente 14,4% e 30,2% do total do País. "Boa parte da pesquisa que se faz no Brasil é produzida por ou com pós-graduandos", diz Teimo. Os principais objetivos dos programas, cuja seleção é reconhecidamente rigorosa, são: formar professores competentes, estimular o desenvolvimento da pesquisa e assegurar o treinamento eficaz de técnicos e trabalhadores intelectuais do mais alto padrão. O site da Pró-Reitoria de Pós Graduação da USP (www.usp.br/prpg) explica que, para atender a esses objetivos, a Universidade estruturou seus programas em duas vertentes. "Na primeira, a pós-graduação stricto sensu, de natureza mais acadêmica e voltada para a geração do conhecimento, promove a formação de pesquisadores com amplo domínio de seus campos do saber e leva à obtenção dos graus de mestre e doutor. Na outra vertente, a pós-graduação lato sensu, ou especialização, visa principalmente ao aperfeiçoamento técnico-profissional, em uma área mais restrita do saber." A excelência da Universidade, entretanto, não impede que os alunos enfrentem problemas no seu dia-a-dia. O doutorando Teimo Deifeld é um exemplo: mora no Conjunto Residencial da USP (Crusp) e se mantém com uma bolsa concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do MEC, cujo valor está em torno de R$ 1.200.00. Esse perfil resume algumas das principais dificuldades dos pós-graduandos: o número de bolsas é muito pequeno - na USP, apenas cerca de 20% dos alunos recebem o auxílio - e o seu valor está defasado. As bolsas concedidas pelas agências federais ficaram dez anos sem reajuste, perdendo cerca de 60% de seu valor de compra, e só recentemente tiveram 18% de aumento. Para ter direito de pleitear o subsídio, o estudante não pode ter emprego registrado em carteira. Por isso, muitos acabam dividindo a formação acadêmica com o trabalho, prejudicando um dos lados - ou mesmo os dois. Desunião - A assistência aos alunos é outro problema: o Crusp reserva cerca de 400 vagas para um universo que se aproxima dos 30 mil pós-graduandos. "A USP é um foco de atração nacional, mas temos relatos de muitos estudantes que não conseguem terminar o curso porque não têm como se manter", diz Tatiana Pavão, mestranda em Ecologia no Instituto de Biociências (IB) e diretora da Associação de Pós-Graduandos (APG-Capital). Em São Paulo, as agências federais reduziram a concessão de bolsas nos últimos anos, o que fez com que crescesse ainda mais a importância da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado Fapesp como fonte de financiamento de pós. A Fapesp destina 41 % de seu orçamento a bolsas - em 2002, foram mais de 3.000 apenas para doutorado. A pequena quantidade acirra a disputa pelo auxílio entre os estudantes das diversas universidades e também entre alunos de diferentes campi da mesma instituição. Na atualidade, os prazos têm sido outro tema crucial para os alunos: há uma pressão para que os programas sejam concluídos cada vez mais rápido, principalmente para os alunos que recebem bolsa. As agências federais têm restringido a concessão de bolsas para dois anos no mestrado e para até três no doutorado - muito embora a maior parte dos alunos leve mais de quatro anos para obter esse título. Tatiana e Deifeld são dois dos oito representantes discentes no Conselho de Pós-Graduação (CoPG) da USP e concordam que a desunião dos alunos é outro problema importante. "Os pós-graduandos não se sentem uma classe: não se consideram nem estudantes, como os da graduação, nem profissionais", diz Tatiana. "A categoria é muito desunida. Não se formam turmas, e o trabalho, os prazos e a relação com a Universidade são muito individuais", reconhece Deifeld. "Temos uma boa relação no CoPG e com a Pró-Reitoria de Pós-Graduação. Isso não significa que todas as demandas sejam atendidas, mas as portas estão abertas para o diálogo", afirma o doutorando. Futuro incerto - Para os pós-graduandos, além de pensar no período de formação acadêmica, é preciso preparar-se para um futuro em que as perspectivas são incertas. "Não há uma política nacional de absorção de elementos altamente qualificados", diz Tatiana Pavão. As universidades seriam um destino natural para os titulados, mas nem sempre é o que ocorre (leia o texto abaixo). "Em outros países a indústria emprega muitos doutores, mas aqui não temos essa cultura", concorda Deifeld. "O custo inicial é maior e o retorno vem a longo prazo." A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) constituiu uma Comissão de Doutores e Pós-Doutores Desempregados, que tem debatido a situação com o Ministério da Educação. "A pessoa termina sua formação com cerca de 35 anos, e a idade também é um complicador para entrar no mercado", diz a pós-doutoranda Ana Lúcia Barbosa, integrante do grupo. As discussões prometem esquentar com o debate em torno da reforma universitária prevista pelo governo federal. "As propostas da reforma podam a autonomia dentro da academia. O mercado vai interferir a ponto de dirigir o que a pesquisa vai fazer e qual terá mais recurso", afirma Tatiana Pavão. Em meio a esse quadro complexo, com suas dificuldades e méritos, o professor Gilberto Fernando Xavier, presidente da Comissão de Pós-Graduação do IB. acredita que o balanço da realidade da USP nesse tema é positivo. "O egresso é o principal 'produto' da pós, e temos que avaliar o que ele vai fazer depois de formado. No IB. mais de 75% dos egressos estão vinculados a instituições públicas e privadas", diz. "Estamos cumprindo nosso papel e formando pessoas para as entidades às quais se destinam."