Todos concordam que o desmatamento e a poluição são “vilões” da conservação do meio ambiente e da saúde pública. Mas e quando os vilões são outros seres vivos? E se porventura esses seres vivos tiverem valor, seja afetivo ou econômico? Como combatê-los? Pois este é o caso de inúmeras espécies invasoras que ameaçam a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos no Brasil e no mundo. A jaqueira, o chapéu-de-praia e os pinheiros-americanos são exemplos de árvores que foram introduzidas em um ecossistema que não o original deles, se tornando uma ameaça. Entre os animais temos a tilápia, os saguis e, dependendo da situação, até cães e gatos. Por se tratar de espécies que podem carregar valor econômico e cultural, falar do seu manejo (que pode incluir supressão total) nem sempre é uma tarefa fácil.
Nem toda espécie exótica é invasora. Espécie exótica é aquela que foi transferida, intencionalmente ou não, pela atividade humana para uma região fora de sua área de distribuição natural. Uma espécie se torna invasora quando se propaga rapidamente em áreas naturais, onde na maioria das vezes ameaça às espécies nativas e afeta o equilíbrio dos ecossistemas. Essas espécies geralmente impactam atividades econômicas, como a agricultura, e podem trazer danos à saúde humana e aos ecossistemas.
O “Relatório Temático sobre Espécies Exóticas Invasoras, Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos” desenvolvido durante três anos pela BPBES (Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos) apresenta uma síntese do conhecimento científico disponível sobre espécies exóticas invasoras no nosso país
O “Relatório Temático sobre Espécies Exóticas Invasoras, Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos” desenvolvido durante três anos pela BPBES (Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos) apresenta uma síntese do conhecimento científico disponível sobre espécies exóticas invasoras no nosso país. Este estudo conceitua o problema, lista as espécies, suas principais formas de introdução e os ambientes que invadem, aponta os impactos provocados e as medidas de gestão recomendadas para o Brasil enfrentar essa ameaça. O texto foi produzido por 73 autores líderes, 12 colaboradores e 15 revisores de 40 instituições de pesquisa e de órgãos públicos, representantes do terceiro setor e profissionais autônomos de todas as regiões do país, em um esforço que buscou conciliar gênero, raça e expertise.
Além do relatório, uma versão simplificada do documento – o STD (Sumário para Tomadores de Decisão) resume os principais resultados e as mensagens-chave do relatório, com linguagem e infográficos didáticos para auxiliar gestores e lideranças governamentais e empresariais na tomada de decisão acerca da prevenção e do controle das invasões biológicas no território nacional.
No país, já foram registradas 476 espécies exóticas invasoras, sendo 268 animais e 208 plantas e algas. A maioria dessas espécies é nativa da África, Europa e sudeste da Ásia, coincidindo com as ondas de imigração humana e importação de produtos de regiões com as quais o Brasil tem forte relação comercial. Mantendo-se o cenário socioeconômico atual, as projeções indicam um aumento de 20 a 30% em invasões biológicas no Brasil até o final do século.
O documento aponta que existe uma grande lacuna no conhecimento de fungos e microrganismos exóticos invasores no Brasil. Isso ocorre devido ao tamanho microscópico desses organismos e sua extrema facilidade de propagação. Além disso, é bastante complexo delimitar áreas de ocorrência nativa de microrganismos.
Todos os ecossistemas terrestres e aquáticos (águas continentais e marinhas) do Brasil já sofrem com invasão por espécies exóticas invasoras. Áreas urbanas, periurbanas, terras cultivadas, represas, reservatórios, portos e canais são dominados por espécies exóticas, algumas delas invasoras em ecossistemas naturais. As cidades são particularmente vulneráveis às espécies exóticas invasoras devido à movimentação mais intensa de pessoas e bens através de portos e aeroportos. Essas condições fazem das cidades os hotspots mais importantes de invasões biológicas. E, apesar dos ambientes mais degradados serem mais invadidos, os ambientes mais conservados tampouco escapam. Existem mais de 3.000 registros de invasão nas unidades de conservação brasileiras, sendo as unidades localizadas na Mata Atlântica o alvo mais frequente.
E os prejuízos não são poucos. Há mais de 1.000 evidências de impactos negativos em ambientes naturais no país computados para 239 espécies invasoras. Encontramos apenas 33 impactos positivos, pontuais e de curta duração.
A estimativa de prejuízos mínimos varia de USD 77 a 105 bilhões, entre os anos de 1984 e 2019, causados por apenas 16 espécies exóticas invasoras, principalmente pragas da agricultura e silvicultura (USD 28 bilhões) e vetores de doenças (USD 11 bilhões).
Um grande problema identificado no relatório é a introdução equivocada de espécies exóticas por incentivo de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento econômico e social. Alguns exemplos são o incentivo à criação de tilápias e tucunarés e o incentivo recente ao afundamento de estruturas como navios, aviões e tanques para formar recifes artificiais com o intuito de fomentar o turismo. Como já apresentado aqui no Nexo Políticas Públicas, muitos estudos indicam que estes substratos artificiais são portas de entrada de espécies exóticas aumentando a sua proliferação e estabelecimento.
A boa notícia é que já temos bastante conhecimento e embasamento legal para lidar com invasões biológicas. A cada minuto, a situação vai se agravando em algum ponto do nosso país. Diante da ameaça que as espécies exóticas invasoras representam para a conservação da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos, o tema ainda é pouco debatido na agenda ambiental brasileira. Já existem ações estratégicas imediatas que podem ser executadas para prevenir e controlar invasões biológicas, como o uso de protocolos de análises de risco para a tomada de decisão no caso de introduções intencionais de espécies e a formação de redes de detecção precoce para respostas rápidas de erradicação de espécies recém introduzidas. Esperamos que com o Relatório possamos contribuir trazendo informação qualificada para esse urgente debate. Saiba mais acessando o documento em www.bpbes.net.br/produtos
Andrea Junqueira é docente da UFRJ e da pós-graduação em zoologia do Museu Nacional. É também pesquisadora do Projeto Coral Sol (BrBio). Coordenadora geral do Diagnóstico Brasileiro sobre Espécies Exóticas Invasoras, Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos da BPBES.
Michele de Sá Dechoum é professora adjunta da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), onde coordena o LEIMAC , e é colaboradora do Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental . Atualmente é coordenadora geral do Diagnóstico Brasileiro sobre Espécies Exóticas Invasoras, Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos da BPBES.
Paula Drummond é membro da coordenação da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos. Bióloga, doutora em política científica e tecnológica, especialista em jornalismo científico e co-fundadora da empresa Maritaca Divulgação Científica.
Isabela de Lima Santos é jornalista, mestre em Comunicação pela New School (NYC) e pós-graduada em Gestão de Projetos Internacionais com ênfase no 3° Setor, pela PUC Minas. Atua como consultora de comunicação socioambiental para organizações nacionais e internacionais.
Mário Luis Orsi é biólogo, pesquisador e docente de Pós-graduação da Universidade Estadual de Londrina, doutor em zoologia pela Unesp-Botucatu, desenvolve projetos relacionados a invasões biológicas e conservação de espécies nativas.