Com a disseminação da variante, Brasil tem alta em números de casos de covid-19 e médicos explicam como esse cenário afeta grávidas e a população pediátrica
Desde que foi identificada na África do Sul, no fim de 2021, a variante ômicron da covid-19 deixou o mundo em alerta devido a sua alta capacidade de transmissibilidade — segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), ela contamina 100 pessoas a cada três segundos no mundo. No entanto, alguns estudos têm sugerido que essa linhagem do novo coronavírus é de fato menos agressiva que as anteriores, entre outros fatores, por ter uma habilidade menor de invadir o epitélio pulmonar. Diante desse cenário, especialistas de diversas áreas comentaram os impactos da variante tanto nas crianças como nas gestantes.
De acordo com os médicos ouvidos pela Fapesp, atualmente as pessoas mais afetadas pelo vírus são aquelas que não estão vacinadas, principalmente o grupo das crianças — que começou a ser imunizado apenas em meados de janeiro. Eles explicam que o fato de o número de internações e mortes por covid-19 não estar crescendo na mesma proporção que as infecções deve-se mais à imunidade prévia da população — seja pela vacinação ou por infecções anteriores – do que às características intrínsecas do vírus. “Nos indivíduos não vacinados a doença não é tão leve, podendo causar óbitos e lesões importantes. A questão é que esse vírus tem encontrado um hospedeiro diferente, que já não é virgem de exposição”, afirma o médico Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP).
O infectologista Esper Kallás, também da FM-USP, destaca que nos locais em que a cobertura vacinal é mais baixa, o número de hospitalizados por covid-19 tem aumentado de forma significativa. Um exemplo é o Distrito Federal, onde a taxa de ocupação dos leitos nas unidades de terapia intensiva (UTIs) atingiu novamente 100%. Segundo a Secretaria Estadual de Saúde do DF, 90% dos internados por covid-19 não se vacinaram ou estão com a imunização incompleta. Em outros seis estados – Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte – a ocupação nas UTIs está acima de 80%. Já no caso das UTIs pediátricas, a situação já é crítica em pelo menos três estados: Mato Grosso do Sul, Maranhão e Rio Grande do Norte.
Na semana passada, segundo pesquisadores do Imperial College London (Reino Unido), a taxa de transmissão do SARS-CoV-2 no Brasil chegou a 1,78 – o maior índice desde julho de 2020. Isso significa que cada cem pessoas infectadas estão transmitindo o vírus para outras 178. O grupo britânico não calculava o índice para o Brasil desde dezembro de 2021, devido ao apagão de dados no Ministério da Saúde.
Estimativas da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, apontam que o Brasil pode atingir o pico de 1,3 milhão de infectados por dia pela covid-19 em meados de fevereiro. As projeções incluem não só casos positivos confirmados, mas também estimativas de quem se infectou e nem chegou a testar.
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Crianças
Na primeira onda da pandemia, em 2020, a perda de olfato e paladar era considerada um dos principais indícios de infecção pelo SARS-CoV-2. Elnara Negri, pneumologista do Hospital Sírio-Libanês, explica que esse sintoma já não tem sido observado e, por outro lado, a dor de garganta passou a ser algo bem mais recorrente. “Febre e tosse ainda são comuns. Alguns pacientes também apresentam diarreia”, afirma.
A pediatra e colunista da CRESCER, Ana Escobar, relata algo parecido entre as crianças, a maioria ainda não vacinada. “Começa em geral com uma dor de garganta, depois febre – que pode chegar a 39°C e durar dois ou três dias –, dor de cabeça e no corpo. Lá pelo quarto dia a criança já está bem. Às vezes a tosse se mantém até o décimo dia”, conta.
Embora nessa população a apresentação da doença não tenha mudado de forma significativa, afirma a médica, a quantidade de crianças acometidas é proporcionalmente muito maior com a ômicron. “Então é normal que aumentem também as internações, principalmente entre aquelas que têm alguma patologia de base, como doenças pulmonares crônicas, reumatológicas ou câncer", pontua.
Werther Brunow de Carvalho, coordenador das UTIs pediátricas e neonatais do Instituto da Criança, vinculado ao Hospital das Clínicas da FM-USP, ressalta que a ômicron – assim como as cepas anteriores – também pode causar síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P), condição caracterizada por febre persistente e inflamação em diversos órgãos, como coração, intestino e pulmão. Diante desse cenário, o especialista reforça a importância da vacinação. “O percentual de crianças que desenvolve a síndrome é menor com a ômicron, mas pode acontecer. E por isso não há dúvida de que devemos vacinar”.
O médico diz que no Hospital Santa Catarina, onde também atua, o número de crianças atendidas com sintomas de infecção respiratória dobrou em janeiro em relação ao mês anterior. “Além do SARS-CoV-2, há casos de influenza, rinovírus, parainfluenza e vírus sincicial respiratório (VSR)”, afirma.
Gestantes
O grupo das gestantes e das puérperas continua sendo bem impactado pelas formas graves da covid-19, ressalta a obstetra Rossana Pulcineli, professora da FM-USP e integrante do Observatório Obstétrico Brasileiro (OOBr). Dados divulgados pelo grupo em 2021, antes da chegada da ômicron, apontam que a chance de óbito de uma gestante não vacinada é 526% maior do que a de uma completamente imunizada. “Entre as hospitalizadas sem vacina, 15% faleceram. O número cai para 9% entre as que receberam uma dose do imunizante e para 3% entre as com o esquema vacinal completo”, revela.
De acordo com a médica, embora a ômicron cause quadros mais leves, principalmente nas gestantes imunizadas, o número de internações por síndrome gripal voltou a crescer nessa população, passando de 147 em novembro para 1.643 em janeiro, segundo os dados mais recentes do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe). Entre as hospitalizadas, 43,5% têm diagnóstico confirmado de covid-19, 4,8% de gripe (influenza H3N2) e em 51,6% a causa não foi definida, o que reflete a baixa disponibilidade de testes para diagnóstico.
“Já é sabido que a gestante responde mal à influenza e não houve monitoramento nenhum quando os casos começaram a aumentar. Ficamos semanas sem dados atualizados em um momento crítico como este”, diz Pulcineli, que também ressalta a importância de as gestantes tomarem a terceira dose da vacina.
Com informações da Agência Fapesp, Karina Toledo
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