Sarah Schmidt, de Brasília | Revista Pesquisa FAPESP
O aperfeiçoamento da legislação que rege ciência, tecnologia e inovação (CTI) no Brasil foi tema de uma plenária no segundo dia (31/07) da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI). Entre os principais desafios apontados para construir um novo marco legal destacaram-se a necessidade de reduzir as limitações impostas a instituições de pesquisa e agências de fomento, hoje submetidas ao regime jurídico público, e de estimular parcerias com empresas, além de combater as ainda grandes desigualdades regionais.
"Um dos pontos mais importantes para o sucesso da ciência, tecnologia e inovação no Brasil é ter um marco legal sólido, robusto e coerente. E que as pessoas possam usá-lo com segurança, sem medo de serem punidas”, observou o engenheiro mecânico Mario Neto Borges, da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) e ex-presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), que coordenou a mesa. Ele fez uma breve retrospectiva da mobilização para construir o arcabouço jurídico que culminou na Lei nº 13.243, sancionada em 2016 e regulamentada em 2018, que visou estimular a inovação e a interação entre centros de pesquisa públicos e privados. Ela reduziu entraves para cooperação entre universidades e empresas e ampliou as possibilidades para que pesquisadores de universidades federais exerçam atividades remuneradas no setor privado, para citar dois exemplos (leia mais em: revistapesquisa.fapesp.br/arcabouco-atualizado/).
No entanto, na leitura dos participantes da mesa, mesmo após seis anos de sua regulamentação, não houve uma implementação completa da lei. "Não atingimos nossos objetivos. Há ainda muito o que fazer”, disse um dos participantes da sessão, o engenheiro mecânico Álvaro Prata, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e novo diretor-presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). Ele ressaltou que a lei ainda é pouco conhecida e, por isso, pouco usada. Além disso, muitas instituições ainda não elaboraram suas políticas de inovação, algo previsto na legislação."Os órgãos fiscalizadores deveriam agora agir no sentido contrário: cobrar as instituições para que façam o uso da legislação.” Também sugeriu que o Estado utilize mais as políticas de estímulo à CTI, por exemplo, por meio de compras públicas e encomendas tecnológicas a empresas inovadoras.
O geneticista Marcio de Castro, diretor científico da FAPESP, fez uma apresentação sobre os desafios para aperfeiçoar o arcabouço jurídico sob a perspectiva das fundações estaduais de amparo à pesquisa. Seu diagnóstico sobre o sistema brasileiro de ciência, tecnologia e inovação apontou um conjunto de problemas resistentes, como o fato de as universidades serem vistas como substitutas e não parceiras das empresas em pesquisa, de o setor privado no país ainda estar pouco exposto à competição mundial e de investir insuficientemente em pesquisa e desenvolvimento (PD), além da carga tributária e das exigências burocráticas exageradas ou do acesso restrito a incentivos fiscais para produzir conhecimento e inovação. Os principais desafios, segundo ele, consistem em reforçar a ciência e a tecnologia de modo equilibrado em todas as regiões do país e ampliar a participação empresarial na produção científica e de financiamento à pesquisa, a fim de garantir mais estabilidade aos sistemas nacional e regional de CTI.
Castro sugeriu aperfeiçoamentos no marco legal em três frentes. No caso das universidades públicas, recomendou medidas capazes de recuperar seu orçamento e implementar de fato a autonomia didática, financeira e administrativa, além de devolver a elas a liberdade para planejar regionalmente e administrar seus programas de pós-graduação, reduzindo o que ele classificou como intervencionismo. Já no arcabouço jurídico que organiza as atividades das fundações estaduais de amparo à pesquisa, a sugestão é reforçar sua autonomia e garantir o cumprimento das previsões legais de investimento em CTI determinadas em cada unidade da federação. Adicionalmente, ele propôs a ampliação para todo o país de uma iniciativa recém-implementada pela FAPESP, a de ressarcir a bolsistas de pós-doutorado suas despesas com a previdência social, a fim de que o tempo das bolsas conte para a aposentadoria. Por fim, recomendou um incremento nos investimentos federais em CTI com contrapartidas dos Estados e o fortalecimento da segurança jurídica para empresas que investem em PD.
"O marco legal avançou muito, mas ele ainda não é plenamente implementado pelas instituições de ciência e tecnologia”, ponderou. Ele também criticou a pulverização de investimentos públicos."Uma estratégia de CT nacional não é uma lista de supermercado com 50 desafios. Quem tem 50 desafios não tem nenhum. É preciso estabelecer prioridades para que possam ser enfrentadas no esforço coletivo”, disse o diretor científico da FAPESP.
Também participaram da mesa Leopoldo Muraro, da Advocacia Geral da União (AGU), e Patrícia Coimbra Souza Melo, do Tribunal de Contas da União (TCU). A 5ª CNCTI terminou na quinta-feira (1º/08) após três dias de debates e apresentações.